Recebi há duas semanas e infelizmente só hoje acessei ao e-mail do jornalista Paulo Freitas que trouxe importantes informações sobre a mudança do nome de nossa cidade. A maior parte delas eu desconhecia e imagino que também outros leitores deste blog, motivo pelo qual resolvi publicar aqui na íntegra, ainda como forma de alimentar o debate que se ampliou para além dos comentários aqui neste blog. Ele se expandiu por bate-papos, e-mails (de quem não quis ou não conseguiu fazer seu comentário aqui no blog), etc. Aproveito para explicar que o professor Hélio Gomes não é o ex-deputado Lelé. É o mestre em Gestão de Cidades profissional do Cefet.
"Caríssimo professor Roberto Moraes:
Na qualidade de testemunha ocular do processo que acrescentou o “ dos Goytacazes” ao nome de Campos, cumpre prestar algumas informações e ressalvas acerca do debate de que tive ciência em sua coluna na Folha online e no seu blog.
Primeiro, é necessário rebuscar todos os fatos históricos de Campos, sabidamente carregados de paixão e invencionice. Felizmente, posso tentar ajudar a resgatar a verdade no caso do novo nome de Campos. E, bem a propósito, pois a matéria envolve os índios que habitaram os campos, aqueles mesmos que foram dizimados por Benta Pereira e sua gente. Não sobrou um para contar a história. É outra correção histórica que se impõe urgentemente e não tardará.
Tem razão o professor Hélio Gomes (será o ex-deputado Lelé?) quando cita a divergência entre indigenistas e filólogos. Aqueles entendem de índios e estes de língua portuguesa. Quem bagunçou com a grafia ao transcrever para o português a língua ágrafa dos índios não foram os especialistas, sim os antropólogos sem maiores compromissos com a gramática. Na condição de pesquisadores, não podemos aceitar como lícita essa licenciatura linquística absurda.
Dicionários dos séculos 16 a 19, especialmente o C. de Figueiredo de uso da Família Real, que me orgulho de possuir, jamais grafaram o nome dos índios de Campos com “y” e “z”, como em goytacazes. Desde os primórdios, aquele índio é goitacá no singular e goitacás no plural, igual a tupinambá, carajá, etc.
Antes de considerar os motivos pelos quais Goytacazes entrou no nome de Campos, apenas para sua informação, devo dizer que muitas aberrações linguísticas e gramaticais tiveram origem nos cartórios da nossa cidade. Antigamente (até os primeiros anos da década de 1930), as certidões eram inteiramente manuscritas, com cabeçalho impresso República Federativa dos Estados Unidos do Brasil e o brasão da república. Depois, com a multiplicação das tipografias, além do cabeçalho e do brasão figuravam também o nome do Município, do Estado e os principais dados necessários à certidão, com os espaços em branco para serem preenchidos a mão.
Os escrivães de Campos, pródigos em erros de grafia ao registrar nascimentos (quem não conhece o exagero Elevardi, para designar ele é Valdir; Helié Prematuro ou Queceacha de José?) tascaram Campos dos Goytacazes nos impressos, ninguém cuidou de procurar no dicionário. E fizeram impressos de montão. Veio a reforma ortográfica de 12 de agosto de 1943, mandando trocar o “y” pelo “i”, o “k” pelo “qu” e o “w” por “v”, de acordo com a vogal que os sucedem. Substituiu o duplo “ss” de assúcar, Grussaí, Iguassu por ce com cedilha (açúcar, Gruçaí e Iguaçu). Igualmente, meza virou mesa, com esse. Os cartórios, abarrotados de impressos, mandaram às favas o acordo e trataram de aproveitar a papelada. Se tivessem que se ajustar além de trocar o “y” pelo “i”, teriam que trocar o “z” pelo “s”, assim como o antigo atraz virou atrás.
Campos era apenas Campos, nada mais. Mas por figurar como “Campos dos Goytacazes” num documento tão importante como as certidões cartorárias (nascimento, óbito, casamento, escritura, etc) o que estava errado acabou ganhando contornos de legalidade, apesar dos protestos de Américo Rodrigues da Fonseca Filho, Godofredo Tinoco, Antonio Sarlo (o querido Fonema) e Álvaro Barcelos, que insistiam no goitacá e goitacás, que era o certo. A vergonha só não era maior porque a cidade chamava-se apenas Campos.
Mortos os defensores do saber, o destino pregou nova peça nos campistas. Justamente um oficial de cartório, Aluisio de Castro, tabelião de Guarus, então elevado à condição de Deputado Estadual, por inspiração do jornalista e ex-deputado campista João Rodrigues de Oliveira, cassado pela ditadura militar de 1964/85, apresentou projeto de lei visando acrescentar a expressão “dos Goytacazes” (assim grafada) ao nome de Campos. A burrice cartorária elevada ao extremo, em plena na década de 1990, sob nova égide constitucional e por um oficial de cartório. Parece piada.
Na época, eu era o Consultor Parlamentar do ex- Deputado Barbosa Lemos.Vale ressaltar que Barbosa tinha por hábito confiar cegamente nas orientações que lhe prestava. Daí, posicionou-se publicamente contrário. Na época, elaboramos um parecer provando o absurdo da proposta, juntando provas, inclusive o decreto que elevou a Vila à condição de cidade, que não tratava “dos goytacazes” e parecer da ABL. Para se ter uma idéia, a justificativa do projeto de Aluisio eram justamente as tais certidões cartorárias erradas. O próprio Aluisio de Castro acabou reconhecendo que estava equivocado e ia jogar a toalha.
Entrou então em cena a figura carismática do velho jornalista João Rodrigues de Oliveira, a quem eu devia infinita gratidão. Já cego, o ex-dono da Folha do Povo de Campos, sabedor de que eu liderava a oposição à mudança, fez um apelo irrecusável. Campos dos Goytacazes era seu sonho e não queria morrer sem vê-lo concretizado. Chorando feito criança, João Rodrigues sequer aceitou a correção da grafia. “Eu quero assim, com y e z”, decretou aquele homem que não jamais teve o poder de mandar. Era meu amigo, o pai que não tinha mais, irmão do Grupo Mônaco.
Foi difícil convencer Barbosa Lemos a voltar atrás, dar o dito pelo não dito. Barbosa votou a favor, enganado, pois ao receber a pauta com a Ordem do Dia nós suprimimos que seria votado o projeto em plenário. A votação foi na base do “deputados que aprovam permaneçam como se encontram. Aprovado”. Barbosa perdeu a confiança.
Assim como sucedeu aos meus saudosos mestres Américo, Fonema e Alvaro Barcelos (fui aluno de Laninho, mas ele só falava de Fluminense, perdendo ou ganhando) e o filólogo
Godofredo, que em vida foram respeitados e somente após morte deles é que se iniciou a campanha pela incorporação dos Goytacazes, o destino exige que se aproveite também que os defensores dos “goytacazes” já morreram (João parece que só esperava por isso para desencarnar, o último foi Aluisio de Castro, mas Vivaldo Belido, que era seu chefe de gabinete e não se meteu nisso está vivinho da silva) para dar início a um debate amplo e democrático. Campos sempre foi Campos. A ser dos Goitacás, que se mude a lei para uma coisa ou outra.
Em tempo: não foi no Governo de Anthony Garotinho que se deu a mudança. Foi no Governo de Marcello Alencar, mas o processo começou no de Brizola/Nilo Batista. O Garotinho pode ter (e tem) mil defeitos, mas está livre dessa encrenca. Eu tive a faca e o queijo na mão para melar tudo, mas, por amor a um velho amigo me omiti.
Talvez para atenuar o erro cometido, estou empenhado em esclarecer a farsa em torno de Benta Pereira. Para tanto, conto com as queridíssimas dona Baby (a britânica mais campista do mundo) e dona Cessa (essa é campista da gema), filhas de Alberto Lamego, irmãs de Lameguinho, que vivem sós e esquecidas aqui no Rio, sem perder de vista que foi Lamego pai (delas) quem inventou a farsa do retrato de Benta Pereira que até hoje é cultuada na cidade. Mas isso é assunto para depois.
Um forte abraço. E parabéns pelo blog.
Sempre ao dispor,
Paulo Freitas – Jornalista e escritor
Rio de Janeiro - Capital"