sábado, maio 06, 2006

Do fundo do baú

Este negócio de escrever aqui no blog tem me permitido visitar passagens e vivências que estavam adormecidas nas profundezas desta memória que, a cada dia, se enrijece tal qual madeira de lei. Esta memória que embora endurecida não é um disco rígido, em meio a esta história da greve de fome e de utilização de entidades, fundações e/ou Ongs para implantação e funcionamento de alguns projetos do governo estadual me fizeram lembrar de uma conversa antiga. O ano era de 1998, o mês era dezembro, um pouco antes do natal e a cidade vivendo os dias que antecediam o fim do governo de Zezé Barbosa e a posse do Garotinho que embora tenha recebido um pouco mais de 30% dos votos ganhou a eleição municipal num pleito em que a elite se dividiu com três diferentes candidatos quando ainda não havia segundo turno. Eu e mais um grupo de professores tínhamos nos incorporado ao movimento Muda Campos imaginando estar ajudando a romper o modelo coronelista eleitoral vigente. Tivemos uma participação razoavelmente discreta, mas importante no sentido de ajudar o candidato tido como progressista, a romper o bloqueio que possuía, especialmente da classe média, já que como radialista faturava as grandes bases eleitorais da periferia, mas, tinha resistências grandes da classe média e dos setores chamados de formadores de opinião do município. Logo após a eleição, nos afastamos para acompanhar o desenrolar dos fatos torcendo e em alguns momentos até acreditando que seria possível fazer algo verdadeiramente transformador no município. Ainda antes da posse recebi na então Escola Técnica Federal, atual Cefet, a visita do principal assessor de Garotinho, o maranhense Ranulfo Vidigal. Fora o papo furado inicial, Vidigal quis saber de dados e informações que dispúnhamos do município (na época não possuíamos quase nada, a não ser impressões). Conversamos sobre gestão pública e sobre o encaminhamento prático de algumas propostas que o candidato eleito havia divulgado e proclamado em palanque. Até aí nada demais, a não ser a impressão que agora sinto de como é possível puxar o novelo de lembranças que nem mais imaginávamos existir. Tudo que falei acima serve apenas para introduzir o fato que me intrigou que foi a afirmação de Ranulfo (com um certo ar de indagação da minha opinião que não emiti - provavelmente pela surpresa do que pude considerar uma confidência) de que não via muito jeito de tocar os projetos considerados estratégicos, por dentro da máquina pública que ele considerava deficiente, fraca e até corrupta. Vidigal apresentava como alternativa à constituição daquilo que ele chamava de máquina ou estrutura paralela de poder para conseguir tocar os projetos que julgava importantes para o município. Ainda hoje me recordo que fiquei espantado e imaginando o que passava pelas cabeças deles dos novos mandatários do município. Relembro também que ele afirmara que este era um aprendizado que tinham obtido nas conversas com Brizola que teria esta opinião que os projetos estratégicos de governo precisam de um controle e uma gestão paralela ou à parte da máquina burocrática instituída. Mais do que a divulgação das diversas relações com as Ongs e fundações que as denúncias estão agora trazendo à tona, o que me despertou para estas lembranças de quase duas décadas foi a leitura de uma declaração de um assessor do governo, que se não estou enganado foi o chefe de gabinete da governadora, o “topetudo” Fernando Pelegrino, que ao responder a uma saraivada de perguntas dos jornalistas sobre os convênios milionários com instituições novas e sem credibilidade que o governo estadual contratou para viabilizar projetos em diversas áreas da administração como saúde, educação, etc. Ao responder a tais indagações o chefe de gabinete respondeu especificamente a uma jornalista: “minha filha, como você pensa que é possível desenvolver e implementar estes projetos de política pública sem estes artifícios?” Ali a ficha caiu e a lembrança da conversa relatada acima ressurgiu automaticamente como um estalo que me fez perder um tempo que eu acabo de repartir com você que me lê. Sei e você também sabe que por trás dos acordos, convênios e contratos com estas entidades (até de outros estados) estão muito para além do interesse puro de fazer o estado desenvolver bons projetos pra a população, mas, como o ditado diz que “a oportunidade faz o ladrão”, as oportunidades dos convênios surgiram como alternativa de atender a diversas questões de interesses mais eleitorais do que governamentais, como a de poder contratar apadrinhados políticos, atender a lideranças políticas cooptadas para o projeto político maior, acessos a recursos públicos de forma rápida e ágil para sustentar os projetos eleitorais, etc. Enfim, esta é apenas uma pequena historinha que se não fosse o espaço do blog ficaria apagada lá no fundo do baú das lembranças individuais. Se depois da leitura julgou-a sem importância o que posso fazer além de pedir desculpas?

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