Royalties para quem?
Este blog entrevistou a economista, professora e pesquisadora, Denise Cunha Tavares Terra, da Ucam Campos que está desenvolvendo um interessantíssimo estudo, sobre a utilização dos recursos dos royalties do petróleo, hoje equivalentes a 72% de todo o orçamento, no período compreendido entre 1993 e 2004 e seu significado, na redução das desigualdades socioespaciais no município de Campos do Goytacazes.
O estudo que foi objeto de um artigo no último Boletim (N° 13) Petróleo, Royalties & Região é também, o tema de sua tese de doutorado desenvolvida no curso de Geografia da UFRJ. Denise é mestre em Ciência Política pelo IUPERJ e também coordenadora do Cepecam (Centro de Pesquisas da Ucam-Campos).
Veja a entrevista na íntegra:
Blog: Qual a principal conclusão a que você chegou até aqui no seu estudo?
A principal conclusão é a de que os investimentos em obras públicas, provenientes em sua maior parte das rendas petrolíferas auferidas pelo município de Campos dos Goytacazes, não vêm sendo utilizados como instrumento de política compensatória, mas, ao contrário, têm servido para reforçar as desigualdades socioespaciais, influenciando o nível de distribuição interpessoal da renda real em benefício das classes de maior poder aquisitivo. Adoto o conceito de renda real como o controle sobre os recursos escassos. Desta forma, a renda real de uma família varia não só em função do poder de compra de seu salário ou renda monetária, mas também em função da acessibilidade aos serviços e equipamentos coletivos, emprego e amenidades.
Blog: A sua pesquisa faz uma análise mais detalhada dos investimentos em obras. Que comentários você poderia fazer sobre as crescentes despesas com pessoal (considerando o número de 29 mil servidores) e de custeio na nossa máquina pública municipal?
Não acredito que estas sejam as melhores formas de aplicação dos recursos das rendas petrolíferas. Se aceitarmos a justificativa de que os municípios recebem royalties por uma questão de justiça intergeracional, por tratar-se de um recurso finito, as rendas petrolíferas deveriam ser utilizadas para melhoria da qualidade de vida da população e para a diversificação produtiva. As despesas com pessoal e custeio comprometem a oportuna montagem de uma estrutura produtiva mais complexa e mais condizente com a especificidade dessas rendas.
Blog: Seria possível interpretar que os investimentos direcionados às classes mais baixas seriam mais voltados para a assistência do que para a emancipação social, ao ver os reflexos disto nos investimentos em infra-estrutura? Haveria relação entre isto e a distribuição socioespacial dos investimentos em obras?
Não posso afirmar que os investimentos direcionados às classes de menor status socioeconômico seriam mais voltados para a assistência, pois desconheço as especificidades e valores destinados aos projetos sociais implantados pelas gestões municipais do período analisado. Posso, no entanto, afirmar que a elevação das rendas petrolíferas não repercutiu numa alocação dos investimentos em obras públicas, de forma que as classes menos favorecidas fossem as mais beneficiadas ou que, pelo menos, contribuísse para a sua emancipação social. Ao contrário, os dados obtidos nas licitações de obras públicas demonstram que os investimentos públicos privilegiaram, nas duas últimas gestões analisadas, as áreas de maior status socioeconômico.
Blog: O período avaliado envolve os mandatos de Sérgio Mendes (1993-1996) Garotinho/Arnaldo (1997/2000) e novamente Arnaldo Vianna entre 2001 e 2004. Sem querer personalizar a análise, mas só para facilitar a interpretação do leitor do blog, a que conclusões sobre os investimentos dos recursos dos royalties em cada um destes mandatos você chegou?
A primeira gestão foi a menos beneficiada com os recursos dos royalties do petróleo e foi a que destinou 41% dos investimentos per capita para as áreas de baixo status socioeconômico. Foi a gestão que adotou uma política compensatória na alocação dos investimentos públicos, possibilitando uma redistribuição de renda pela localização dos bens públicos criados. A segunda gestão destinou 19% do investimento per capita para as áreas residenciais dos grupos de menor status, privilegiando principalmente as áreas de médio-alto e alto status com 64% dos investimentos per capita. A última gestão, a que apresentou a maior capacidade de investimento pelo elevado volume de rendas petrolíferas, alocou apenas 18% dos investimentos per capita para as áreas de baixo status, não utilizando o potencial redistributivo dos mesmos.
Blog: Diante deste quadro, como explicar a rejeição e/ou aceitação popular destes ex-prefeitos?
A ruptura política aconteceu antes do ingresso das significativas receitas de royalties, quando Garotinho venceu pela primeira vez as eleições municipais de Campos, em 1989, representando as forças oposicionistas que se aglutinaram em torno do partido do então governador Leonel Brizola (PDT). Os compromissos assumidos por essa nova classe política beneficiaram as populações de menor poder aquisitivo, repercutindo nas decisões de alocação dos investimentos da primeira gestão analisada (1993-1996), de Sérgio Mendes, eleito com apoio de Garotinho. No entanto, a segunda e terceira gestões já não privilegiaram os investimentos para as áreas de menor status socioeconômico, o que permitiu o retorno recente do Garotinho como arauto novamente das demandas desse grupo e a realização das campanhas eleitorais nitidamente populistas e assistencialistas. A “máquina” do governo, no entanto, é muito forte o que vem rendendo ainda ganhos políticos para os que já detêm o poder.
Blog: Como pesquisadora e cidadã como se sente ao identificar que “a abundância de recursos extras não contribuiu, até aqui, para a melhoria no quadro das desigualdades socioespaciais do município”, ao contrário, aumentou, e que “a riqueza do petróleo não tornou o poder público mais solidário com a sua população?”
Comungo com a idéia de que as rendas petrolíferas apresentam um caráter público, social e que devem ser alocadas em um fundo público voltado para a dinamização econômica e para a redução das desigualdades socioespaciais decorrentes, entre outros fatores, do caráter fragmentador e excludente da forma como a alocação dos recursos públicos tem sido decidida. Como pesquisadora e cidadã, sinto que é necessário criar instâncias de controle social, constituídas legitimamente, e que estas monitorem permanentemente a atuação do poder público local, pressionando-o para uma alocação dos recursos que beneficiem, de forma mais igualitária, os que detêm menor poder de barganha política.
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