Aluysio José Rougemont, 44 anos, é carioca da gema. Nasceu no subúrbio do Rio que tem o sugestivo nome de Encantado. Segundo ele, nasceu em casa e sem parteira. Cresceu, estudou virou engenheiro químico e caiu no mundo. Hoje é também bacharel e professor da mesma área, com MBA em Gestão Empresarial e Qualidade Total. Além disso, é especialista em Gestão SMS (Segurança do Trabalho, Meio Ambiente, Saúde e Responsabilidade Social).
Aluysio tem 25 anos de experiência e participação na montagem e gerenciamento de laboratórios de análise química, ambiental, microbiológica e sensorial e da coordenação e aplicação de treinamentos para engenheiros, analistas e operadores. Trabalhou por 12 anos na Purac Sínteses em Campos e desde 11 de setembro (
que data, heim?) atua
Imcopa, empresa de importação, exportação e processamento de óleos que está instalada, na cidade de Araucária localizada, na região metropolitana de Curitiba.
Tanto aqui na Purac, como na Imcopa no Paraná, Aluysio teve e tem a responsabilidade pela implantação do Sistema da Qualidade (ISO 9001 e ISO 14001). Aluysio atuou como docente no Cefet, Senai e no Isecensa e é pesquisador, em projetos de produção de intermediários de química fina. Casado com Mônica, possui três filhos, Pedro de 20 anos (que foi meu aluno no Cefet), Laura com 18 e Vitor de 13 anos. Hoje saboreia a vida no delicioso bairro da Santa Felicidade, um local tipicamente italiano e de conhecida gastronomia.
É um entusiasta do que faz. Deixou amigos e admiradores do seu trabalho, da boa visão geral das coisas e da necessária integração, entre universidade e sistemas de produção. Como gestor fez continua fazendo contatos e links entre clientes, fornecedores e comunidades que se localizam em pontos distantes do planeta. É um sujeito linkado com o mundo da produção e dos mercados chamados globais. Por isso, este blog resolveu ouví-lo, sobre a experiência vivida em Campos e dos motivos que julga, que a nossa região, especialmente, o município de Campos dos Goytacazes, viver patinando em gestões amadoras em termos de eficiência que parece sobrar, na criatividade das maracutaias políticas.
A entrevista ficou maior do que o costume, para o espaço do
blog, mas vale a conferida nas opiniões de Aluysio, até como um especial de carnaval. Aproveito e deixo
aqui o seu
e-mail para aqueles que desejarem um contato direto. Eis a entrevista:
Blog: Como veio parar em Campos. Quanto tempo ficou? O que mais gostou e desgostou na cidade?
Aluysio: A minha decisão por morar e trabalhar em Campos foi motivada pela vontade de voltar ao Rio de Janeiro, meu estado de origem, pois sou carioca, depois de viver e trabalhar por dois anos em Maceió.
A vontade transformou-se em necessidade, quando, subitamente, a gerência de pesquisa da empresa em que eu trabalhava foi totalmente desativada e eu fiquei prestando serviço a esta mesma empresa, enquanto buscava recolocação.
Como sempre atuei em laboratórios de controle de qualidade e de pesquisa e desenvolvimento, e já possuía algum conhecimento na implantação de sistemas de gestão da qualidade (ISO 9001), vim para Campos para atuar como responsável pela área da qualidade de uma empresa multinacional localizada na Cidade.
Residi em Campos por 12 anos até que fui em busca de um novo desafio profissional em Curitiba.
O que eu mais gostei na Cidade de Campos foram as facilidades de se viver numa cidade de médio porte, onde é fácil conhecer as pessoas e se tornar uma face conhecida, facilitando a vida e reduzindo os problemas do dia a dia.
Blog: Como engenheiro químico com responsabilidades de gestão, numa indústria com fábricas no Brasil e fora você lidou com questões de inovação em gestão e automação. Nesta área encontrou interlocutores em Campos?
Aluysio: Este foi um grande desafio que encontramos, quando tivemos que promover uma grande atualização tecnológica nesta indústria multinacional. Tínhamos processos ultrapassados e um corpo de operadores sem as qualificações para atuarem com as novas tecnologias. Todos os equipamentos e instrumentos da fábrica, até então, eram operados localmente, exigindo a presença constante do homem em frente à máquina para o controle das variáveis e ajustes do processo.
A nova planta seria totalmente automatizada, com controles à distância, e precisávamos capacitar os funcionários, o mais rápido possível.
Outro desafio foi a seleção de novos operadores para atender à ampliação das unidades de produção.
Não houve outro jeito se não o de arregaçar as mangas e partirmos para a solução do problema utilizando recursos próprios e externos a medida da necessidade.
Juntamente com um colega, que naquela época respondia pela gerência de fabricação da empresa, elaboramos testes de conhecimentos gerais e de ciências exatas e da natureza para a seleção dos novos operadores, montamos os programas dos cursos de capacitação dos operadores, antigos e novos, e contratamos professores, via SENAI e CEFET para ministrar as aulas.
Tivemos uma dificuldade neste momento com a contratação dos professores, pois necessitávamos de profissionais com grande experiência prática em plantas químicas e não havia oferta na região, exigindo-nos a contração de instrutores de outras cidades do estado.
Esta dificuldade nos perturbou tanto, pois tínhamos um prazo muito curto para cumprir, que acabou sendo o tema do trabalho de conclusão do curso MBA em Gestão Empresarial. Eu e o colega da fabricação elaboramos o projeto de uma empresa de capacitação e treinamento de técnicos industriais.
O projeto está engavetado e é motivo de brincadeiras entre nós, agora que olhamos para trás e vemos que tudo deu certo. Quem sabe um dia nós o colocaremos em prática.
Blog: E sobre a questão ambiental dentro e fora da fábrica o que poderia nos dizer, sobre os problemas graves que ameaçam o mundo como a questão do clima levantado, de forma mais preocupante na semana passada?
Aluysio: Eu sou daqueles que, por consciência e por atividade profissional, sempre estiveram ligados às questões ambientais. Despertei interesse sobre estas questões logo que iniciei a vida profissional, pois trabalhava numa empresa estatal que despejava os seus rejeitos, sem qualquer tratamento, na Baía de Guanabara, onde fica o bairro no qual morava e ainda mantenho residência, a Ilha do Governador. Além dos despejos industriais, eu pude acompanhar a “morte” da Baía de Guanabara causada pelos despejos domésticos lançados pelos municípios que estão ao seu redor. Tal qual acontece com muitos rios e lagos do nosso País.
As leis ambientais brasileiras são muito severas, mais ainda pouco fiscalizadas.
Atualmente podemos perceber uma maior conscientização das empresas, as quais vêm implantando tecnologias mais limpas e mais eficientes tanto no consumo dos recursos naturais quanto na diminuição da emissão de rejeitos e poluentes.
Os fatores econômicos têm conduzido às empresas a mudança de atitude, principalmente aquelas inseridas em mercados mais competitivos, pois precisam ter processos eficientes, com baixo desperdício, e superar as barreiras não tarifárias, a exemplo da ISO 14001, para conseguirem atender aos mercados mais exigentes, principalmente de exportação.
Os cidadãos comuns, e não me eximo de responsabilidade, é que não apresenta a atitude necessária para promover as mudanças. Este é um fenômeno mundial, com maior negligência pelos povos de um ou outro país.
Poucos de nós se preocupam com os projetos e propostas de preservação ambiental, antes de escolher um candidato ao executivo ou legislativo.
Veja a enorme resistência que temos de abrir mão de algum conforto, como ocorre com os norte-americanos, que preferem conviver com os desastres ambientais (furacões Katrina e Vilma, temperaturas glaciais no inverno atual) do que reduzir o consumo de combustíveis fósseis.
Hoje temos a indústria da reciclagem como uma alternativa de redução do impacto ambiental, mas reciclar é uma reação ao problema. O ideal é trabalharmos preventivamente, preciclar é a palavra de ordem, pois nos obriga a pensar em como reduzir a geração de resíduos. Ainda estamos muito longe de um consciente ambiental coletivo de caráter prevencionista. Enquanto isto, nós continuamos exigindo que o balconista da padaria coloque o saco de pão dentro de uma segunda sacola plástica, pequeno desperdício que causa um impacto ambiental significativo, apenas para dar um pequeno exemplo.
Hoje trabalho numa indústria de processamento de soja e tenho recebido muitos visitantes dos países europeus interessados em comprar o nosso óleo de soja para a produção de biocombustíveis. Sabemos que esta alternativa isolada não conseguirá suprir a demanda de petróleo e ainda vai concorrer com a necessidade de óleo vegetal para alimentação humana. Outras alternativas devem compor a matriz energética para sairmos do dilema do que acabará primeiro: o petróleo ou o mundo.
Desejo que o novo relatório da ONU, sobre alterações climáticas, publicado em 2 de fevereiro de 2007, motive as nações que ainda resistem a redução do uso dos combustíveis fósseis a repensar as suas políticas energéticas.
O que nos preocupa é a idéia de que a energia nuclear é a modalidade energética mais próxima, de atender à demanda mundial.
Blog: Como vê a questão, da nossa cidade ter uma oportunidade com os royalties, que parece não estar sabendo aproveitar?
Aluysio: Mais uma vez, a nossa passividade de cidadãos que se mantêm impassíveis, diante do “dragão” que devora os recursos públicos é a causa, da situação que presenciamos em Campos.
A cretinice e o egoísmo dos políticos locais é tanta que não se sentem culpados, ou ameaçados, pelo desperdício de recursos tão valiosos, para a construção da sustentabilidade da Cidade, para quando os royalties acabarem.
Campos possui favoráveis condições ao desenvolvimento, como escolas profissionalizantes e universidades, recursos naturais disponíveis, proximidade com grandes centros de consumo e, desavergonhadamente, despeja os recursos na vala negra da corrupção e da hipocrisia.
Blog: Com orçamento quase igual ao de Curitiba fale, sobre as diferenças e se existe alguma semelhança entre estas duas cidades.
Aluysio: Não sei explicar este fenômeno sociológico, mas eu percebo que o Curitibano é naturalmente mais exigente, demonstram a sua insatisfação com mais freqüência, talvez pela maior presença da cultura européia.
Infiro, sem nenhuma base científica, que o clima mais quente e maior número de dias com sol tornem o povo do sudeste, nordeste e norte mais bem humorados, porém demasiadamente tolerantes e complacentes. Aqui as relações humanas são mais distantes, permitindo, talvez, uma a cobrança de resultados de forma mais profissional.
Fiz esta introdução para concluir dizendo que aqui as benfeitorias são visíveis. A cidade oferece toda a infra-estrutura aos cidadãos, o transporte coletivo e o tráfego pelas ruas são bem desenhados para facilitar o fluxo, os serviços públicos funcionam e são usados como exemplo até para o exterior.
A primeira boa surpresa que a minha esposa teve ao chegar a Curitiba foi como as calçadas, que são largas e bem cuidadas, facilitando a movimentação de pedestres e de pessoas com necessidades especiais.
Blog: Tendo atuado como docente no CEFET, SENAI e no ISECENSA que impressão ficou do ensino em nossa cidade?
Aluysio: Antes de tudo, a oportunidade de lecionar em Campos foi uma experiência muito gratificante e uma retribuição aquilo que conquistei vivendo aí, como também uma forma de dividir com os profissionais em formação aquilo que aprendemos ao longo da nossa vida.
Mais do que os conhecimentos técnicos científicos, eu procurei, como tantos colegas com quem pude discutir esta necessidade, despertar nos alunos o interesse por diferentes temas e áreas do conhecimento e do comportamento humano.
Conforme comentei acima, os estudantes de Campos não se diferenciam de outros no que se refere à bagagem de conhecimentos, pois tenho dois filhos que se formaram no CEFET e hoje estudam em universidades federais no Rio de Janeiro e em Curitiba. O que falta aos alunos é uma visão maior das suas próprias limitações, portanto não conseguem traçar um plano de vida que venha a suprir tais carências.
A sociedade mais abastada de Campos é, no meu modo de entender, formadora de opinião deste estado de baixa reflexão, que se estende sobre a população, pois não valoriza o conhecimento como base para a qualidade de vida, mas sim o pseudo e frágil status econômico e social como seus valores essenciais.
A contraposição a este estado de coisa refugia-se nas instituições de ensino, que devem assumir a sua responsabilidade de estabelecer um novo padrão na Cidade de forma a sustentar o seu progresso.
Blog: E sobre a relação delas com o setor produtivo?
Aluysio: Eu tive muitos contatos com escolas técnicas profissionalizantes, faculdades e universidades, pois, por seis anos, coordenei a área de treinamentos da empresa em que trabalhei em Campos.
Foi possível constatar, ao longo destes anos, o movimento de aproximação das escolas às empresas, seja para cumprir com a sua missão social ou para tentar se diferenciar das demais, visto que houve uma proliferação de escolas de 3º grau na Cidade, algumas de qualidade discutível.
Há muito que fazer na relação escola-empresa e, principalmente, na relação escola-escola.
Não espero muito das instituições de ensino particulares, pois possuem como empresas, a necessidade de competir, umas com as outras pela sustentabilidade do negócio, ou seja, pelo lucro. Mas gostaria de ver escolas públicas, universidades e escolas profissionalizantes de 2º grau, realizando projetos em conjunto e que atendam as demandas da região.
Nos meus últimos dias de trabalho em Campos, soube que o CEFET e a UENF estavam por iniciar uma parceria de ajuda mútua. Torço para que avancem e que esta sinergia promova a melhor utilização do potencial de conhecimento científico retido nas duas instituições, e que isto se reverta em melhorias para as empresas e para a Cidade.
Blog: Como surgiu a possibilidade de ir para Curitiba. O que faz esta empresa para onde foi trabalhar e qual a função exerce?
Aluysio: Eu não descobri a oportunidade de trabalhar em Curitiba, mas fui descoberto.
A empresa na qual trabalhava em Campos passou por mudanças na sua estrutura de comando e, veladamente, buscava a renovação do seu quadro de executivos e redução de pessoal. Esta situação é muito comum nas empresas, principalmente quando entram num processo de perda de rentabilidade.
Decidi disponibilizar o meu currículo num site de uma empresa de recolocação de profissionais, quando percebi que não teria mais oportunidades na empresa onde atuava. O meu tempo se esgotara e eu estava angustiado e infeliz.
Estou atualmente numa empresa que se dedica ao processamento de soja, destinando os seus produtos: farelo, óleo, tocoferol, álcool e lecitina de soja ao mercado externo, pois empregamos somente soja tradicional, ou seja, livre de organismo geneticamente modificado (não OGM). Tais produtos são muito valorizados na Europa e Japão.
Somos a 5ª empresa do setor no país, sendo a 1ª genuinamente brasileira. As quatro primeiras são multinacionais. Sou o responsável por 44 funcionários e pelo Sistema Integrado de Gestão de cinco unidades de produção, armazéns de grãos e terminais portuários localizados em seis diferentes cidades do Paraná. A empresa ainda possui escritórios e terminais nos portos de Brake na Alemanha e Rotterdam na Holanda.
O Sistema Integrado de Gestão mantém 12 certificações conferidas por organismos internacionais para as atividades: de controle e gestão da qualidade, meio ambiente, produção não OGM, e de responsabilidade social no Campo. Esta última certificação é, ainda, um fato inédito no Brasil e no Mundo.
Blog: Ficou alguma ligação com Campos? Se tivesse convite voltaria a Campos?
Aluysio: O que me liga e sempre me ligará a Campos são os amigos que deixei. Tenho saudades e muito orgulho de ter participado e contribuído, dentro das minhas limitações e possibilidades, para o crescimento da Cidade.
Ainda há muito que fazer, mas o mais importante é que não existem grandes problemas ou barreiras intransponíveis. O futuro de Campos só depende dos seus cidadãos e da melhoria da qualidade dos seus homens públicos.
Iniciativas como as suas, Roberto Moraes, que através do seu blog e artigos, promovem uma discussão dos problemas da Cidade e apresenta uma interpretação mais independente dos grupos que detêm o poder político e econômico de Campos, pode alavancar o processo de tomada de consciência e crescimento do município.
Desde que saí da minha cidade natal, há 14 anos atrás, já trabalhei em três cidades e estados diferentes. Será difícil voltar a atuar profissionalmente em Campos, mas não impossível.
Um grande abraço e obrigado pela oportunidade e confiança. PS.: As fotos da entrevista foram todas mandadas pelo Aluysio.