Confesso que a notícia mexeu comigo. A entidade nacional dos estudantes universitários que tem a história da UNE estava, há algum tempo, sem uma bandeira de luta interessante. Verdade também, que esta retomada do seu espaço histórico, envolve mais a direção do movimento e a militância partidarizada, do que os estudantes de base, propriamente ditos.
Ainda assim achei interessante a causa e a luta. Talvez, seja sentimento individual, de quem tem mais história para trás, do que pela frente. Isto pode ser resultado também da passagem de mais um ano de vida e talvez, a presença no Rio de Janeiro no final de semana, ao final das férias no Cefet, quando da invasão (feita na quinta-feira) e a junção destas causas tenha provocado ou contribuído para este sentimento.
Porém, antes que isso vire mais psicologia que política, vamos à história: maio de 1979, eu já fazia engenharia no Rio de Janeiro, na Universidade Santa Úrsula, desde 1978, após transferência obtida da Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG) onde iniciei o curso, ao mesmo tempo em que trabalhava como técnico da Usiminas. No Rio de Janeiro, em pouco mais de um ano, já estava envolvido com o movimento estudantil, Centro Acadêmico (CA), DCE (Diretório Central de Estudantes) e até a União Estadual de Estudantes, da qual fui eleito diretor na última eleição direta para as UEEs e UNE em 1981.
No dia 10 de junho de 1980 foi marcada uma manifestação, contra a demolição do prédio da UNE na praia do Flamengo para as 15 horas. Na véspera fizemos convocações nas salas de aula de diversas universidades. O dia dez amanheceu bonito, saí mais cedo de casa e fui para a universidade e de lá, no início da tarde nos dirigimos para frente do prédio da UNE. Já havia ameaças de repressão. Quando cheguei vi que diversas ruas já estavam interditadas e cercadas por muitos PMs.
Na rua da praia, os carros de combate da PM, chamados de brucutu, mostravam a força da repressão e ameaçavam a realização do ato público em frente ao prédio. Antes mesmo das falações, os policiais avançaram e no corre-corre julguei tratar-se apenas, daquelas ameaças para dispersão e não recuei. Quando vi, junto com outros companheiros do movimento estudantil já estávamos cercados pelos policiais que usavam aqueles escudos e batiam com os cassetetes de madeira.
Neste momento vi, companheiros sendo, agarrados, presos e arrastados para as viaturas. Ainda vi o vereador do PMDB e MR-8, Antônio Carlos de Carvalho ser atingido por um policial com um cassetete na cabeça. Em questão de segundos, consegui pular a mureta que cerca a avenida do parque do Flamengo. Ao colocar as mãos e me jogar por sobre a mureta recebi um empurrão dado com a ajuda do escudo, de um policial que me deslocou no ar e me fez cair torto no chão do parque. A mureta era baixa para a avenida, porém alta, equivalente a aproximadamente três metros do outro lado.
Eu tinha à época 21 anos e o joelho meio maltratado dos jogos de handebol na Escola Técnica Federal se comprometeu de vez. Tive dificuldades em sair pulando numa perna. Fui ajudado pelo companheiro campista e então estudante de História na UFRJ, Celso Vicente Mussa Tavares. Apoiado, nos ombros de Celsinho consegui sair da área de conflito. A quantidade de policiais ao redor era enorme. Aqueles que foram atingidos pelos jatos d’água dos brucutus tinham ficado marcados com a tinta que era jogada misturada à água do carro de combate e viravam alvos mais fáceis para serem presos.
Consegui sair e voltar para a universidade. Não se devia voltar apara casa, pois muitos policiais acompanhariam manifestantes para saber os locais das suas residências. Lembro do Walter da Psicologia da USU, que era muito combativo e na manifestação foi preso e ficou detido por três dias. Paramos todas as aulas na maioria das universidades do Rio na noite daquele dia e no dia seguinte, como forma de solidariedade aos presos e feridos naquele ato de repressão da ditadura militar do General Figueiredo.
Antes de voltar para casa, já por volta das 23 horas fui levado por um companheiro para ser medicado no Hospital Miguel Couto. Durante as três semanas seguintes manquei sem conseguir pisar com a perna direita. No início das férias de julho fui operado para extração dos meniscos do joelho.
Como o leitor, que chegou até aqui pode ver, meu apoio à causa da recuperação do terreno e reconstrução do prédio da sede da UNE tem história do país envolvida, mas a minha causa é particular, porque nela há um cruzamento com a minha simples militância de líder estudantil. Para o país, o prédio é importante, mas para mim o resgate da minha pequena participação me basta.
PS.: Nas fotos é possível ver a altura da mureta que me referi e também o vereador Antônio Carlos Carvalho, Tonico (1), os deputados Raimundo de Oliveira (2) e José Eudes (3) cercados pelos policiais e no detalhe da segunda foto, o vereador Tonico sangrando depois de atingido.
Ainda assim achei interessante a causa e a luta. Talvez, seja sentimento individual, de quem tem mais história para trás, do que pela frente. Isto pode ser resultado também da passagem de mais um ano de vida e talvez, a presença no Rio de Janeiro no final de semana, ao final das férias no Cefet, quando da invasão (feita na quinta-feira) e a junção destas causas tenha provocado ou contribuído para este sentimento.
Porém, antes que isso vire mais psicologia que política, vamos à história: maio de 1979, eu já fazia engenharia no Rio de Janeiro, na Universidade Santa Úrsula, desde 1978, após transferência obtida da Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG) onde iniciei o curso, ao mesmo tempo em que trabalhava como técnico da Usiminas. No Rio de Janeiro, em pouco mais de um ano, já estava envolvido com o movimento estudantil, Centro Acadêmico (CA), DCE (Diretório Central de Estudantes) e até a União Estadual de Estudantes, da qual fui eleito diretor na última eleição direta para as UEEs e UNE em 1981.
No dia 10 de junho de 1980 foi marcada uma manifestação, contra a demolição do prédio da UNE na praia do Flamengo para as 15 horas. Na véspera fizemos convocações nas salas de aula de diversas universidades. O dia dez amanheceu bonito, saí mais cedo de casa e fui para a universidade e de lá, no início da tarde nos dirigimos para frente do prédio da UNE. Já havia ameaças de repressão. Quando cheguei vi que diversas ruas já estavam interditadas e cercadas por muitos PMs.
Na rua da praia, os carros de combate da PM, chamados de brucutu, mostravam a força da repressão e ameaçavam a realização do ato público em frente ao prédio. Antes mesmo das falações, os policiais avançaram e no corre-corre julguei tratar-se apenas, daquelas ameaças para dispersão e não recuei. Quando vi, junto com outros companheiros do movimento estudantil já estávamos cercados pelos policiais que usavam aqueles escudos e batiam com os cassetetes de madeira.
Neste momento vi, companheiros sendo, agarrados, presos e arrastados para as viaturas. Ainda vi o vereador do PMDB e MR-8, Antônio Carlos de Carvalho ser atingido por um policial com um cassetete na cabeça. Em questão de segundos, consegui pular a mureta que cerca a avenida do parque do Flamengo. Ao colocar as mãos e me jogar por sobre a mureta recebi um empurrão dado com a ajuda do escudo, de um policial que me deslocou no ar e me fez cair torto no chão do parque. A mureta era baixa para a avenida, porém alta, equivalente a aproximadamente três metros do outro lado.
Eu tinha à época 21 anos e o joelho meio maltratado dos jogos de handebol na Escola Técnica Federal se comprometeu de vez. Tive dificuldades em sair pulando numa perna. Fui ajudado pelo companheiro campista e então estudante de História na UFRJ, Celso Vicente Mussa Tavares. Apoiado, nos ombros de Celsinho consegui sair da área de conflito. A quantidade de policiais ao redor era enorme. Aqueles que foram atingidos pelos jatos d’água dos brucutus tinham ficado marcados com a tinta que era jogada misturada à água do carro de combate e viravam alvos mais fáceis para serem presos.
Consegui sair e voltar para a universidade. Não se devia voltar apara casa, pois muitos policiais acompanhariam manifestantes para saber os locais das suas residências. Lembro do Walter da Psicologia da USU, que era muito combativo e na manifestação foi preso e ficou detido por três dias. Paramos todas as aulas na maioria das universidades do Rio na noite daquele dia e no dia seguinte, como forma de solidariedade aos presos e feridos naquele ato de repressão da ditadura militar do General Figueiredo.
Antes de voltar para casa, já por volta das 23 horas fui levado por um companheiro para ser medicado no Hospital Miguel Couto. Durante as três semanas seguintes manquei sem conseguir pisar com a perna direita. No início das férias de julho fui operado para extração dos meniscos do joelho.
Como o leitor, que chegou até aqui pode ver, meu apoio à causa da recuperação do terreno e reconstrução do prédio da sede da UNE tem história do país envolvida, mas a minha causa é particular, porque nela há um cruzamento com a minha simples militância de líder estudantil. Para o país, o prédio é importante, mas para mim o resgate da minha pequena participação me basta.
PS.: Nas fotos é possível ver a altura da mureta que me referi e também o vereador Antônio Carlos Carvalho, Tonico (1), os deputados Raimundo de Oliveira (2) e José Eudes (3) cercados pelos policiais e no detalhe da segunda foto, o vereador Tonico sangrando depois de atingido.
8 comentários:
Meu querido amigo e professor Roberto.
Recordo-me deste momento cruel que os ultimos estertores da Ditatura odiosa nos fez sofrer.
Foi o tempo das bombas no Riocentro,
Do enterro da Maria Lidia,
Das grever do ABC,
Do nascimento politico de Lula e do PT para o Brasil.
Algum tempo depois a Ditadura morria isolada e se travestia de varias formas de opressão.
A UNE perdeu o predio, a identidade e os estudantes o rumo e o pudor.
Lula perdeu a vergonha e o PT perdeu o respeito.
Mas não perdemos nossas memórias e os sonhos com que alimentamos nossos corações por tantos anos.
Porque, ainda que um sonho impossivel, cabe-nos a delicada glória intocavel e imaculada de sonhar.
Grande e saudoso (e saudosista) abraço pelos bons e eternos tempos.
O amigo
Luis.
Caro Luis,
Saudoso resgate. Resta-me o desejo de manter, mesmo que esmaecida, a capacidade de ainda continuar a sonhar.
Covenhamos, quem conhece a verdade histórica sabe que até 1940 o prédio na Praia do Flamengo, 132, Rio de Janeiro, pertencia ao Clube Germânia - o primeiro clube social do Brasil, fundado em 1821. Integrados à cidade, em 1900, a Sociedade Germania construiu a sede na Praia do Flamengo. O prédio tinha restaurante com vista panorâmica, grandes salões de baile. Até o físico Albert Einstein passou por ali.
Os estudantes da UNE invadiram e tomaram à força o prédio, mesmo antes do Brasil adentrar na II Guerra Mundial. Getúlio Vargas, com receio das mobilizações estudantis, "agradou-os" cedendo o prédio em 1942.
Portanto o Presidente Lula deveria ter devolvido o terreno e as devidas indenizações a quem de direito. Os presidentes continuam "agradando"...
A UNE assistiu calada os 8 anos de corrupções.
È uma "UNIÃO de ESTUDANTES(estudantes?) PELEGOS.
REPASSES
Os valores recebidos pela UNE nos dois governos, de acordo com a ONG Contas Abertas
- Governo FHC (1995-2002)
R$ 1.137.782,63
- Governo Lula (2003-2010)
R$ 42.872.607,82 (até 17/12)
leia : http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101218/not_imp655302,0.php
Roberto
Eu também estava lá nesse dia e fui preso junto com o meu irmao Roberto, que estudava na PUC Walter da Psicologia da Santa Úrsula. Havia dez presos, que passaran a noite no DDPS, cujo predio foi cercado de ativistas e da imprensa. Em Brasilia alguém fez um discurso na Câmara denunciando essas prisoes. O mais engraçado é que dos dez presos so nós tres tinhamos atuação política, os demais eram passantes. Tinha inclusive o pipoqueiro. Eu fui preso em uma situaçao muito peculiar, horas depois de terminada a manifestaçao, quando fui pegar o meu carro estacionados. Os sete passantes foram libertados bem cedo no dia seguinte, mas nos colocaram num camburao e nos deixaram em São Cristóvam, para que nao pudessemos falar com a imprensa. De lá pegamos um taxi para a Zona Sul. O transito tava parado e o motorista disse: "estao fechando as ruas porque uns estudantes foram presos".
Pauo Lyra
Caro Paulo Lyra,
Não me recordo do xará, da PUC, mas me recordo do Walter que ficou preso. Eu também era da USU. Saí com dificuldades da Praia do Flamengo e voltei para a USU apoiado por amigos que me ajudaram a pegar um táxi.
Na USU, mesmo informado, da presença de pessoas do DOPS, entrei em diversas turmas para parar as aulas, por conta da prisão dos estudantes, e em especial, do Walter que era do DCE da USU.
Depois disto tudo, um amigo me levou à emergência do Hospital Miguel Couto, já que eu andava com dificuldades por conta de uma lesão séria no joelho direito, que me obrigou depois a fazer uma cirurgia. Temíamos estar sendo seguidos, mas, consegui ser medicado e depois fui para casa.
Interessante relembrar destas histórias mais de 30 anos depois.
Gostaria de ter contato com as pessoas que também viveram estas experiências, especialmente o Walter, um militante sério, dedicado e corajoso.
Um abraço e obrigado pelo comentário.
Aquele dia foi uma batalha!!!....eu estudava na UFF em Niterói ...saímos um grupo de companheiros pra defender nosso espaço de protesto, nossa entidade que era o estandarte de defesa da democracia e a entidade odiada pelos militares,,,, estávamos dispostos a tudo,,,que acontece hoje com os estudantes...estão passivos..e a UNE? vamos debater ?
Paulo de Tarso
Aquele dia foi uma batalha!!!....eu estudava na UFF em Niterói ...saímos um grupo de companheiros pra defender nosso espaço de protesto, nossa entidade que era o estandarte de defesa da democracia e a entidade odiada pelos militares,,,, estávamos dispostos a tudo,,,que acontece hoje com os estudantes...estão passivos..e a UNE? vamos debater ?
Paulo de Tarso
Olá Roberto ou como lembro de você na USU "Bob Fields", encontrei o blog justamente buscando registros do movimento estudantil e especialmente da atuação da USU no final doa anos 70 e início dos 80.
Eu, estudante de Nutrição e atuante na política estudantil estive naquela tarde de junho em frente ao Prédio que deveríamos defender não importando as consequencias.
Dias antes porém fiz muitas vigílias em frente ao prédio da praia do Flamengo, desafiando os pelotões do exercito que lá se mantinham para garantir a demolição do predio. Na memória afetiva ainda vejo alguns moradores do entorno chegarem com palavras de apoio, café e bolo para que seguíssemos (eu e Valter da psicologia dentre outros colegas que não recordo agora) na vigília com ânimo.
Do dia da manifestação, ainda sinto o cansaço de tanto que corri conseguindo me desvencilhar dos ataques chegando à Cinelândia.
Ainda assim, voltei para a USU e entrei em várias turmas para denunciar a prisão do Valter e paralizar as aulas.
Quando saí da USU ainda mantive contato com alguns colegas da psicologia e em especial, o Valter.
Perdemos o contato. Não tenho mais notícias dele mas, ainda encontro militantes da época que eram da UFRJ e recordamos aqueles momentos fazendo um paralelo com a atuação do movimento estudantil que veio depois, tão desmobilizado.
Muito obrigada por essa oportunidade!!!
Um abraço
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