O jornal espanhol “El Mundo” trouxe há cerca de três semanas, um interessante artigo com o título desta nota. Nele, seu autor Javier Ortiz questiona que “a partir dos anos 90, as nossas sociedades ocidentais passaram a fazer algo nunca visto antes: converter as vítimas em heróis.”
Ele prossegue dizendo que “as vítimas de qualquer desgraça: do terrorismo, da violência machista, de catástrofes naturais, dos linchamentos midiáticos... do que quer que seja, contanto que possam ser elevadas à categoria de vítimas e poder resultar numa “heroicidad” (melhor compreendido sem a tradução).
Ortiz interpreta que “o novo é o olhar social que recai sobre as vítimas. Antes a sociedade virava as costas aos desgraçados. Agora houve uma troca, a compaixão é um sentimento muito prestigiado que prepara a exigência de que as vítimas sejam acolhidas por leis especiais e respaldadas economicamente pelo estado.”
O autor do artigo cita ainda, um recente livro francês, de título idêntico ao do artigo: “Lê temps des victimes" de Soulez-Larivière y Eliacheff que daria conta, de que na França apareceu até “la victimlogía” como disciplina acadêmica, onde não só é possível estudar e diplomar-se no assunto que hoje trata-se de uma especialidade muito valorizada, onde nenhum licenciado em “victimologia” tem problema para encontrar emprego.”
Ortiz também questiona o que segundo ele “parece um paradoxo que algo assim aconteça numa sociedade que como a nossa, que pratica o culto ao vencedor. Porém, a função que cumpre a figura da vítima é chave para apontar outro fundamento da ordem atual: a ditadura da emoção sobre a razão. Ajuda também a suprimir a barreira entre o privado e o público e a desenvolver o crescente papel dos testemunhos pessoais nos quadros de dor que ocupam os noticiários das televisões.”
Antes de terminar, o autor diz que este modelo tem servido até aos dirigentes políticos que “rivalizam-se entre si para saber quem está sendo mais vítima (de calúnias, de baixarias, de acusações infundadas, etc.). Sarkozy está agora mesmo feliz, pelos ataques pessoais que lhes dirigem por ser meio estrangeiro e ter problemas matrimoniais. Dizem os autores do livro mencionado, que desde o momento em que uma pessoa é vítima, ela passa a ter o direito de atacar aos demais. Javir Ortiz termina o artigo dizendo: “acabada a solidariedade, a camaradagem e o companheirismo, estamos entrando no reino da compaixão”.
O texto que me pareceu interessantíssimo para análise e reflexão, pode tanto permitir uma leitura pelos caminhos da economia, muito comum numa Europa atual que cada vez questiona mais e mais, o papel do estado que banca o socorro paternalista aos seus cidadãos sofredores, ao intuir que “ser vítima pode resultar-se em algo rentável” ou, ainda questionar os caminhos que a nossa sociedade ocidental tem trilhado neste mundo, cada vez mais midiatizado e marionetizado.
Vale a reflexão. Se desejar ler na íntegra sem a intermediação deste blogueiro clique aqui.
Javier Ortiz é jornalista e escritor. Escreve a coluna Zoom, na página dois do jornal espanhol El Mundo segunda-feira e sábado. Se desejar mais detalhes do autor clique aqui e veja seu site.
Nenhum comentário:
Postar um comentário