O professor, pesquisador, ecologista e também articulista da Folha da Manhã, Arthur Soffiati encaminhou a este blog o texto abaixo, segundo ele "escrito de um só fôlego, assim que li o artigo de seu xará". Este espaço continua aberto a todos que queiram se manifestar sobre o assunto, quaisquer que sejam suas opiniões. Leia abaixo o artigo do Soffiati na íntegra:
Autonomia universitária
Em 24 de abril deste ano, recebi a seguinte mensagem eletrônica de um jornalista da revista Exame cujo nome, por razões óbvias, não menciono: “Caro professor Arthur, trabalho na Exame, sucursal Rio. Estou produzindo uma matéria sobre como os municípios estão utilizando os royalties do petróleo. O problema é que estou em busca de pessoas que conheçam de perto o que as cidades como Rio das Ostras e Campos estão aplicando seus recursos. Pelos dados, Rio das Ostras aparenta ter uma experiência mais interessante do que Campos, tanto numericamente (em R$) quanto qualitativamente. É verdade? O senhor tem acompanhado esses dois municípios? Se o senhor puder me ajudar, por favor, me avise.”
Respondi-lhe oferecendo-me para ajudar. Falamo-nos por telefone. Ele me fez várias perguntas. Dei-lhe a minha visão, abordando os seguintes pontos:
1- O governo de Campos usa apenas 10% dos royalties do petróleo, não se sabendo com clareza a destinação dos 90% restantes, conforme artigo o professor Rodrigo Serra.
2- Não existe nenhum organismo comunitário para fiscalizar a aplicação dos royalties.
3- Pelo que se sabe, os royalties vêm sendo aplicados em shows superfaturados, em obras de necessidade duvidosa com valores não explicados, em convênios estranhos e em desapropriações milionárias. Mencionei o estudo da professora Denise Terra, da Universidade Candido Mendes sobre a profusão de obras nos bairros ricos e a escassez delas nos bairros pobres.
4- As políticas sociais públicas estão muito aquém das carências da população. A política da habitação popular, por exemplo, é uma anti-política. A política de transportes valoriza apenas o transporte individual em detrimento do transporte coletivo de qualidade. Antes mesmo de ser divulgado na imprensa que a política de educação era uma das piores do Estado, também comentei sobre ela.
5- Para o meio ambiente, não havia destinação de recursos suficientes para a criação de unidades de conservação, para a proteção de áreas de preservação permanente e para atacar os graves problemas de poluição da água, do ar e do solo.
6- O governo municipal criou o Fundo de Desenvolvimento Municipal (Fundecam) para atrair empreendimentos econômicos, sobretudo industriais, oferecendo aos empresários o dinheiro mais barato do mundo, segundo propaganda veiculada na televisão. A opção do governo municipal foi a de ajudar os ricos a criarem emprego para os pobres, em vez de criar linhas de crédito diretamente para estes mediante programas sociais bem elaborados.
7- Ruralistas e usineiros conseguiram, por pressão, uma parte dos royalties para um fundo paralelo denominado Fundecana.
8- O uso dos royalties pelo governo de Campos produz impactos ambientais e sociais, contrariando o espírito da primeira lei dos royalties, que só permitia seu emprego para correção de problemas ambientais e sociais.
9- Os royalties derivam de um recurso finito. Campos está perdendo a grande oportunidade de sua vida de criar uma estrutura para caminhar com os próprios pés. Quando tais recursos acabarem, ou mesmo se a torneira for fechada agora, Campos pára.
10- Rio das Ostras está aplicando melhor os royalties do que Campos, o que é evidente, embora tenha condições de fazer melhor.
Sugeri os nomes dos professores Roberto Moraes, Rodrigo Serra e Denise Terra para serem entrevistados por considerar que conhecem o assunto melhor do que eu. Não sei se o jornalista já tinha em pauta seus nomes. Na reportagem, meu nome não foi mencionado nem isto é importante, mas estou endossando, como se lê acima, o que meus colegas declararam.
O artigo “Contradição absurda”, de Roberto Barbosa, secretário municipal de comunicação, acusando a Universidade Candido Mendes de cuspir no prato por receber recursos do governo municipal e, ao mesmo templo, criticá-lo, foi extremamente infeliz, pois ele não sabe o que é autonomia universitária. Ele não sabe que qualquer contribuição do governo à educação é um dever público e não uma mordaça. Ele deve pensar que a academia raciocina como ele.
Arthur Soffiati
Professor da Universidade Federal Fluminense
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