segunda-feira, setembro 24, 2007

“Entre 400 e 600 carros fazem transporte clandestino em Campos”

Estas e outras afirmações foram feitas por um diretor de uma empresa de transporte público que opera no município de Campos dos Goytacazes. Para isso, o blog do Roberto Moraes entrevistou o senhor, Sérgio Belém de Morais, diretor da Viação Tamandaré, uma das tradicionais empresas que operam o transporte público no município de Campos dos Goytacazes. Este bate-papo se dá como conseqüência de um artigo que este blogueiro publicou no dia 11 de maio deste ano no jornal Folha da Manhã, com o título “Emut – hora de abrir caminhos”. Se desejar releia-o aqui.

Na ocasião, o Sr. Sérgio respondeu através de um documento com interessantes observações, que por questões operacionais, só recentemente este blogueiro veio a ter acesso e que está disponibilizando-o aqui para seu conhecimento. Um texto suscitou o outro e assim um saudável debate. Por conta disso, este blog propôs ao Sr. Sérgio Belmor e ele topou, a entrevista abaixo que ajudará ao nosso leitor conhecer um outro lado da questão deste grave problema que atravessa atualmente como transporte público no município de Campos dos Goytacazes .

Sérgio Belém de Morais, tem 32 anos é mineiro do município de Divinópolis e mora em Campos desde maio de 2003. Sérgio é casado, pai de dois filhos campistas, tem formação superior em Administração de Empresas pela Faculdades de Ciências Econômicas de Divinópolis e possui ainda dez anos de experiência em gestão de serviços terceirizados e transporte público. É diretor da Viação Tamandaré desde o mês de maio de 2003.

A entrevista:
Blog do Roberto Moraes: O caos atual no trânsito de Campos tem diversas origens, o aumento do número de carros, o inadequado planejamento viário, mas também um transporte público que se apresenta deficiente que na opinião do blog leva o usuário, a descartá-lo em prol do transporte individual de carro, bicicleta, motos, etc. O que o senhor pode falar sobre isso?

Sérgio Belém: O declínio do transporte público teve início a partir de 1996, quando começou a gratuidade sem subsídio, de todos os estudantes da rede pública, deficientes (temporários e permanentes) e idosos a partir de 60 anos (e não 65 anos como manda a Constituição). Hoje as gratuidades representam 55 % do total de passageiros transportados, sem nenhum reembolso para as empresas. Este fato contribui para a dificuldade em renovação de frota, que em 1996 era de 4,5 anos e hoje tem média 11,5 anos. Junte-se a isto, as “facilidades” que a estabilidade econômica trouxe para aquisição de veículos, basta observar que em cada esquina tem uma agência de veículos, que oferece parcelamentos “a perder de vista” e ainda o baixo custo de se rodar com GNV. Mais ainda, Campos apesar de possuir a maior extensão territorial do estado não possui depósito público de veículos, o que incentiva a existência de veículos circulando sem pagamento de impostos e multas, condutores sem habilitação e ainda, o crescente número de veículos emplacados no Espírito Santo, onde o IPVA é a metade do preço e as multas não chegam lá. Portanto, o excesso de veículos causa estrangulamento do trânsito, dificultando a mobilidade e atraso nos horários dos coletivos.

Blog do Roberto Moraes: O setor de transportes públicos em Campos é muito mal visto pela população que se sente iludida e mal servida. Há ainda desconfianças de promiscuidade na relação com os gestores governamentais. Este sentimento é real ou não?

Sérgio Belém: Creio que a resposta anterior mostra que é uma desconfiança infundada, fruto da falta de conhecimento. Quanto a ser mal visto pela população, trabalhamos com seriedade para que isto não aconteça, mas só a competência e boa vontade da empresa não resolve, se tantos fatores externos têm influência direta.

Blog do Roberto Moraes: Os empresários do setor reclamam muito da baixa rentabilidade e até de prejuízos que o empreendimento traria aos seus gestores. Como então explicar a manutenção dos seus negócios?

Sérgio Belém: A frota envelhecida, dificuldades em se pagar a altíssima carga tributária em dia e recorrendo a parcelamentos intermináveis, atraso no pagamento de funcionários e fornecedores, ou seja, administramos um dia depois do outro, sem poder planejar estrategicamente. Exemplificando, se você tem uma casa, abriria mão dela porque tem vazamentos no encanamento? Como todo empresário brasileiro, esperamos sempre dias melhores.

Blog do Roberto Moraes: Sobre isso, corre à boca pequena, que o setor poderia fazer a lavagem de dinheiro. Certamente o senhor contesta esta acusação. O blog então perguntaria: de onde sairia tal acusação?

Sérgio Belém: Mais um fruto da falta de conhecimento da realidade, pois as empresas de Campos são tradicionais, em sua maioria empresas familiares, que já estão na segunda ou terceira geração e o fato de manter a duras penas o seu negócio, não faz do empresário, um criminoso. Para conhecedores do assunto, manter empresa de qualquer ramo, no Brasil, é um desafio diário, mas para leigos resta imaginar e acusar sem fundamento.

Blog do Roberto Moraes: Na sua opinião porque o chamado transporte alternativo ganhou tanta força em Campos?

Sérgio Belém: Campos é vista como “uma cidade rica do povo pobre”, isto pode ser comprovado pela própria estrutura de moradia da cidade, juntamente com o assistencialismo que a meu ver é extremamente nocivo para qualquer cidade que almeja crescimento. Portanto, a falta de empregabilidade, aliada a falta de qualificação profissional, leva pessoas a buscarem meios individuais de sobrevivência, da forma que for mais facilitada, como abordado na primeira resposta. Para refletir:
- as rádios ilegais existem por ineficiência das rádios legalizadas?
- os camelôs, as barraquinhas no meio das calçadas e o comércio nos sinais de trânsito, comprovam a falta de qualidade do comércio que paga impostos e é regularizado e fiscalizado?

“Hoje existem casas que abrigam verdadeiras repúblicas de topiqueiros de outras cidades e estado”

Blog
do Roberto Moraes: O senhor tem elementos para estimar o número de veículos clandestinos e de transporte alternativo operando em Campos?

Sérgio Belém: Realizamos pesquisas rotineiramente e constatamos, entre carros de passeio, kombis e vans, uma variação entre 400 e 600 veículos dependendo da época do ano. Campos se tornou a opção para este tipo de transporte, principalmente pelas facilidades comentadas na primeira resposta. Hoje existem casas que abrigam verdadeiras repúblicas de topiqueiros de outras cidades e estados, por exemplo, Av. Carmem Carneiro esquina com Murilo Peixoto (estrada da Codim).

“Um indivíduo observa quando os ônibus vão sair e despacha a van na frente, ou seja, não viaja nos intervalos e sim aparecendo na frente”

Blog
do Roberto Moraes: O senhor vê possibilidades de convivência harmoniosa com o transporte alternativo na prestação deste serviço de transporte público, em Campos?

Sérgio Belém: Principalmente da forma que está sendo conduzida a questão, envolvendo pessoas idôneas que buscam sustentar a família e a maioria composta de oportunistas, é praticamente inviável. Seria o mesmo que pedir ao dono da loja de discos para conviver em harmonia com o camelô que vende cd pirata na porta da loja dele. O que o setor de transporte enfrenta hoje é uma concorrência ruinosa por parte do transporte clandestino, que não trabalha suprindo necessidades e sim “marcando” os ônibus para passar na frente deles, levando os pagantes e deixando as gratuidades. Quando acaba o horário de maior movimento, mudam de linha ou recolhem os veículos para não terem prejuízo de andarem vazios, enquanto as empresas regulares têm obrigação de manter a frota na rua. Um exemplo claro desta prática pode ser vista no ponto final da Penha, onde as empresas Tamandaré e Brasil saem para cumprir itinerário para Pecuária e Centro. Um indivíduo observa quando os ônibus vão sair e despacha a van na frente, ou seja, não viaja nos intervalos e sim aparecendo na frente. Além desta prática, temos observado a utilização de “batedores” que retêm o ônibus na fila do ponto, enquanto outros topiqueiros avançam para os pontos seguintes. Por exemplo, ponto na beira-valão logo após a Tenente Coronel Cardoso.

“Na realidade, hoje trabalham neste órgão pessoas sem conhecimento técnico, sem treinamento e sem estrutura nenhuma”

Blog
do Roberto Moraes: Qual a sua opinião sobre o papel desempenhado pela Emut que é o órgão regulador da prestação do serviço público que sua empresa opera?

Sérgio Belém: Com a recente troca de Diretoria, a EMUT passou a fiscalizar o transporte de maneira imparcial, o que antes não acontecia, porém, o que se vê é um “jogo de empurra” de responsabilidades entre a EMUT e Guarda Civil Municipal, ou seja, ninguém quer a “batata quente”. Ações têm sido realizadas em alguns pontos da cidade, porém sem apreensão de veículos irregulares e com aplicação de multas que não serão pagas ou nem sequer chegarão a ser registradas no sistema, como me disse recentemente o Major Sandro, Diretor Técnico da EMUT. Na realidade, hoje trabalham neste órgão pessoas sem conhecimento técnico, sem treinamento e sem estrutura nenhuma para exercerem a função que ocupam, são simplesmente cargos políticos.

Blog do Roberto Moraes: A informação que circula em Campos é que o grupo empresarial que o senhor está à frente que hoje comanda a Viação Tamandaré seriam originários de Minas Gerais. O blog então pergunta, se comparado com aquele estado, o negócio de transporte público em Campos é atraente? Se não, como explicar o estabelecimento de vocês por aqui?

Sérgio Belém: O grupo ao qual faço part, teve ou tem negócios em São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, em Minas e na Bahia. Na ocasião, a Tamandaré estava à venda e nós queríamos expandir nossos negócios e após pesquisa de mercado, descobrimos que Campos tem potencial, cientes que o trabalho seria árduo, porém esperávamos mais receptividade do poder concedente, para otimizarmos o negócio. Apostamos tanto nesta cidade que compramos a Viação São João da Barra e Rangel nos anos seguintes, dobrando o tamanho do nosso investimento por aqui.O ramo de transporte é um desafio em qualquer região do mundo que esteja em desenvolvimento.

Blog do Roberto Moraes: Os últimos dados que o blog dispõe aponta para a existência de 14 empresas operando este serviço em Campos, com 191 ônibus em 87 linhas urbanas e 76 veículos em 45 linhas distritais. Fala-se no número de 22 milhões de passageiros transportados por ano, nas linhas urbanas e 3,2 milhões de passageiros nas linhas distritais que gerariam uma receita anual em torno de R$ 32 milhões. Estes números conferem?

Sérgio Belém: Os números podem ser confirmados diretamente na EMUT, pois todas as empresas enviam relatório mensal e não tenho acesso a números de outras empresas.

Blog do Roberto Moraes: A oferta de linhas e seus itinerários oferecidos no município na sua opinião são adequados?

Sérgio Belém: Merece ser reestruturado, porque em várias linhas há sobreposição de empresas e há deficiência em outras, mas isto ocorre desde o início e tem que ser estudado por quem entende do assunto e não como ocorre ocasionalmente, por pessoas leigas. Nenhum empresário quer ficar sem sua linha mais rentável e pegar uma linha que só dá prejuízo.

Blog do Roberto Moraes: Observando logicamente pelo lado empresarial que você representa, o blog solicita que elenque cinco prioridades a serem implantadas para uma efetiva melhoria do transporte público em nosso município.

Sérgio Belém:
- Subsídio das gratuidades;
- Eliminação do transporte clandestino;
- Reestruturação completa do sistema viário, que tem vários pontos de estrangulamento e é o principal culpado pelos atrasos de horários;
- Diminuição da quantidade de empresas que operam no município;
- Ação efetiva no sentido de eliminar veículos que não têm condição de estar circulando e inibir a prática de motoristas que dirigem sem habilitação.

2 comentários:

FÁBIO SIQUEIRA disse...

Parabéns Liderança.
Mais uma vez esse blog sai na frente e aprofunda um debate fundamental para a cidade!
Os problemas com as pontes revelaram o quanto o trânsito da cidade é desorganizado e caótico!
Sem um transporte coletivo eficiente, não há solução boa para o problema. É preciso reestruturar e racionalizar o sistema de ônibus e pensar também em uma alternativa como VLT para transporte de massa - tese confirmada pelo sucesso da recente reativação emergencial do trem poara Guarus!
Na lógica empresarial, o diretor da Tamandaré apresenta pontos de vista até avançados e coerentes para melhoria do transporte coletivo em Campos.
Das cinco prioridades que ele apresenta para o setor, só uma me pareceu estranha: "diminuição da quantidade de empresas que operam no município". Algo contra a sudável concorrência, tese tão cara aos liberais?

Renato disse...

Caro Roberto,
Incitado pelo Professor Fábio passei a ser leitor de blog's e por consequência do seu em particular.O tema do debate que você abre me incomoda profunda,inicialmente como usuário do sistema de transporte coletivo depois como liderança que ajudou a consolidar o passe livre para estudantes da rede pública e hoje como cidadão.Desde então não consigoler ou ouvir determinadas afirmações sem contesta-las,vejamos:
1-sobre as gratuidades;é verdade que a lei orgânica prevê o devido pagamento sobre a gratuidade oferecida pois sabemos que "não existe almoço gratis", no entanto a partir do momento em que os preços das passagens é calculado em cima de uma planilha de custos que é dividida somente entre aqueles que pagam passagens fica evidenciado que quem subsidisia as passagens em Campos são os próprios passageiros,portanto se voltar a ter subsídios temos que reduzir proporcionalmente o valor das tarifas praticadas o que não seria má idéia.
2-sobre as relações governo X empresas;salta os olhos a relação promiscua entre eles.As roletas não dizem a verdade sobre o número exato dos passageiros em Campos.Adoraria saber esses dados e poder saber o real valor da tarifa.
Ou seja os empresários do setor são também comandantes deste "TITANIC" QUE SE TRANSFORMOU O SETOR EM NOSSA CIDADE.
Um grande abraço,
Renato Gonçalves