65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
quinta-feira, novembro 29, 2007
Primorosa análise
Mais do que uma aula de ciência política, economia ou coisa do gênero, o artigo de hoje, do Luiz Fernando Veríssimo, em O Globo é preciso, conciso e a meu modo de ver, de correta e ampla análise. Vale mais do que o tempo que você dedicará para sua leitura:
Guerra de fronteira
As fronteiras ideológicas da Guerra Fria atravessavam países e continentes, separando o "mundo livre" do outro e dos simpatizantes do outro. A não ser que visitasse um país comunista ou freqüentasse algum "aparelho", você nunca as cruzava. Sequer as via. Independentemente das suas simpatias ou eventuais rebeldias, vivia dentro de um perímetro comum bem definido. Com o fim da Guerra Fria as fronteiras ideológicas desapareceram e nos vimos dentro de outra macrogeografia, a das fronteiras econômicas. Estas são visíveis demais. Separam bairros, dividem ruas, são fluidas e ondulantes - e no Brasil você as cruza todos os dias. Mais de uma vez por dia você passa por Flóridas, Suíças, Bangladeshes, algumas Bolivias...E em cada sinal de trânsito que pára, está na Somália.
É impossível proteger estas fronteiras como se protegiam as outras. A grande questão do novo século é como defender seu perímetro pessoal da miséria impaciente e predadora à sua volta. Os americanos não podem ajudar desta vez, a fronteira maluca ziguezagueia dentro dos Estados Unidos também. No Brasil da criminalidade crescente e da bandidagem organizada as fronteiras econômicas são, cada vez mais, barricadas e terras de ninguém. No fim é uma guerra de contenção, de proteção de perímetros. E os excessos cometidos são defendidos com a velha frase, que foi o adágio definidor do século 20 e ganha força no século 21: os fins justificam as barbaridades. As chacinas de lado a lado, o poder de pequenos tiranos com ou sem uniforme de aterrorizarem o cotidiano de todo o mundo, tudo é permitido porque é uma luta de barreira, onde se repele ou se força tomadas de território, como em qualquer fronteira deflagrada. Cara a cara, nação contra nação.
Há um sentimento generalizado, mesmo que não seja dito, que a maior parte da população do mundo é lixo. Excrescência irrecuperável, condenada a jamais ser outra coisa. Esta não é certamente uma constatação nova e nem qualquer utopista ultrapassado chegou a pensar que o contrário era completamente viável. A novidade é que hoje se admite pensar o mundo a partir dela. Já se pode dormir com ela. A ordem econômica mundial está baseada na inevitabilidade de a maior parte do planeta ser habitada por lixo irreciclável. Ser "politicamente correto" hoje é dizer o que ninguém mais realmente pensa - sobre raças, sobre os pobres, sobre consciência e compaixão - para não parecer insensível, mas com o entendimento tácito der que só se está preservando uma convenção, que a retórica dos bons sentimentos finalmente substituiu totalmente os bons sentimentos. É a intuição destes novos tempos sem remorso que move o entusiasmo crescente do público com a truculência policial na nossa guerra do dia a dia. Nem tem sentido discutir se as vítimas mereceram ou não. Não existe lixo inocente ou culpado. O que está no lixo é lixo. Demasia. Excesso. Excrescência.
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2 comentários:
Caro Roberto,
Texto sensacional. A globalização foi uma grande sacada. Globalizou a miséria e americanizou os lucros.
Me lembra uma frase que já ouvi faz tempo, e continua atual, a saber "no futuro existirão apenas os que não comem e os que não dormem".
"E não dormem por medo dos que não comem."
E mesmo imersos nessa insônia receosa são incapazes de observar o emaranhado social que liga tudo a todos. Eles ao resto, ao outro.
O novo IDH, publicado recentemente, demonstra o que muita gente não quer ver. Basta olhar os dez primeiros países e procurar saber quais são as políticas públicas e sociais desenvolvidas nesses.
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