domingo, fevereiro 17, 2008

Cavalos e macacos

Recordação, pura lembrança. Boa para um final de semana. A notícia da coluna Gente Boa de O Globo de que, Faísca, o cavalo manga larga que acompanhou Beto Carrero por 32 anos, está com depressão desde a morte do seu dono foi a detonadora. Bairro do Turfe em Campos. Devia ser o ano de 1969 ou 1970, por aí. A gente começa a tomar contato com a morte quando vê a dita cuja levar gente que vive perto. Assim é com os vizinhos, quando a gente lamenta, mas dá graças a Deus não ter sido na sua casa. O caso já era inusitado. O Turfe ainda era um bairro quase rural. O caso me fez acreditar mais, quando meus pais me levavam para tomar uma tal de antitetânica, por conta dos muitos machucados que as brincadeiras na rua me provocavam. O caso: um vizinho devido a um tétano adquirido adoeceu e morreu, em menos de dois dias. Era um sujeito novo. Nunca mais duvidei da importância da injeção de prevenção. Seu corpo foi velado em casa, uma outra novidade, para a minha infância de nove anos. Até aí um caso corriqueiro como qualquer outro. O vizinho era da frente, do outro lado da rua onde havia um belo campo de futebol do tamanho de três grandes terrenos. Boas e disputadas peladas eram ali jogadas. Até jogo de camisa e times chegou a ocorrer naquele nosso campinho. Por conta da algazarra que a turma do futebol fazia o dono, de dois dos três terrenos colados à casa do falecido tinham sido indisponibilizados para os jogos. O dono dos terrenos era também proprietário de grandes caminhões de carga e para acabar com a boa zoeira ele mandou seus empregados espalharem diversos chassis pelo campo impedindo o prosseguimento dos jogos. A família do falecido possuía um mico, um macaquinho que ficava preso a uma corrente no quintal lateral que dava para o campo de futebol. Era uma diversão para a molecada. Pois bem, ou melhor, mal, durante o velório do vizinho em que alguns membros da família choravam e lamentavam o ocorrido, o macaquinho passou a também chorar. Era um lamento alto e seguido. Impressionado pelos ruídos subi à varanda superior do sobrado de nossa casa e de lá, assisti às cenas, que até hoje permanecem em minha memória. Depois de muito gritar o mico soltou-se da sua corrente e passou a correr agitado por entre os chassis espalhados no campo de futebol. O mais incrível eu ainda estava para ver. Depois de muito correr, indo e voltando em meio aos gritos, o mico passou a se jogar contra as ferragens do chassi em ato claro de suicídio. Atônito com o que via, desconfiado do que era aquilo acabei assistindo ao fim do mico junto do seu dono. Os demais vizinhos comentaram, por muito tempo e em detalhes, o desdobramento do caso. O fato vira e mexe volta nas minhas conversas em família quando a gente tenta reproduzir para os filhos e sobrinhos, as mirabolantes histórias que também ouvimos de nossos pais e avós mostrando como são os ciclos da vida de cada um nós. No caso dos filhos e dos sobrinhos, o que mais causa comoção e espanto é quando eu lembro que este mesmo mico, um ou dois anos antes foi responsável por uma bela dentada no meu braço direito, quando eu, junto com outras crianças o agitava passando capim do campo de futebol no seu corpo e no seu rosto. O sinal dos pontos dados, pelos enfermeiros do Sandu, ainda da rua Sete de Setembro marcado no meu braço, depois de quarenta anos, serve para dar realidade ao caso do macaco fiel ao seu dono. De tudo isso resta a satisfação de ter vivenciado este caso que faz a gente pensar nos detalhes das nossas vidas e de poder ouvir dos filhos (agora não mais, porque já adolesceram) e sobrinhos o pedido: tio conta de novo aquela história do macaco!

4 comentários:

Bruno Lindolfo disse...

Todo mundo que tem ou já teve um bicho de estimação, e gosta, sabe o quanto eles sentem nossa falta e nós também sentimos falta deles. É uma ligação muito interessante.
Mas confesso que nunca vi algo parecido com a história desse macaco.
Adolescer não significa perder o gosto por boas histórias, talvez seja uma fase onde nos inauguramos como contadores, abastecendo esse ciclo infinito. A insistência das crianças talvez seja um modo de sedimentar a história que contarão no futuro. O macaco gravou a dele à dentada.
Li hoje de manhã a história do mico, e já voltei aqui para "reler de novo" pelo menos umas 3 vezes. E já pensei no suicídio dele várias vezes durante o dia. É impressionante.
Parece até história de pescador.

Roberto Moraes disse...

Olá Bruno,

Pois é, para esta e outras coisas é que serve um blog: para contar histórias.

Ela foi pescada na profundeza d´alma no exato momento que soube daquela do cavalo do Beto Carrero.

Interessante que elas fiquem adormecidas em nosso íntimo brotando em alguns raros e poucos momentos.

Realmente ela não é uma história facilmente verossímil, mas lhe afianço sua autenticidade.

Neste final de semana recordei ainda mais detalhes da ocorrência em conversa, com uma de suas testemunhas, que é a minha mãe.

Abs,

Anônimo disse...

Roberto, emocionante a história. Legal tê-la contado em seu Blog (no meio de tantas "histórias" políticas, não muito emocionantes...).
Sds.

Anônimo disse...

Sou EDDY BULLOCK compositor e fã do grande FAISCA.
Alias convido pra conhecer a musica que fiz que foi a ganhadora entre as 500 inscritas.
A REDE CARLOS DIAS, me deu este presente para homenagear BETO CARRERO e seu fiel parceiro "CAVALO FAISCA".
A musica está no site www.clubedoscompositores.com.br chama-se "O CAVALO MAIS FAMOSO DO BRASIL". Tem participação especial de JORGE MOISÉS o sucessor de ZÉ DO PRATO.
VIRGINIA DE MAURO que pode ser vista no YOUTUBE quem gravou e é afilhada de BETO CARRERO.
O cavalo FAISCA deverá voltar a brilhar contra os MALDOKs em 2009.
O país tem que parar de matar a memória.
Parabens pelo BLOG, vou indicar