65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
quarta-feira, fevereiro 13, 2008
"O Juiz, a Polícia e o Malandro"
O artigo abaixo foi postado há pouco no Blog do Noblat. O assunto da prisão do juiz federal Roberto Schuman, na Lapa, no Rio de Janeiro durante o carnaval gerou um interessante texto do próprio onde relata a sua verão sobre o ocorrido. Este blog posta-o aqui para estimular o debate sobre suas causas e consequências. Abaixo o texto na íntegra:
O Juiz, a Polícia e o Malandro
Segunda-feira de carnaval, saio de casa perto das 22:00 horas para encontrar a namorada na porta do Circo Voador, na Lapa. Lá chegando, saio do táxi falando ao celular para encontrá-la. Mas não é só. Além de tênis, bermuda e camisa, usava um chapéu, desses vendidos em todos os cantos da cidade a R$ 5,00. Presente da namorada. Coisa de mulher.
Então, atravesso a rua e quase sou atropelado por um camburão com luzes e lanternas apagadas com a inscrição CORE no carro. No mesmo momento o motorista grita " Ô malandro" e eu, assustado, dou um pulo para a calçada, peço desculpas e viro as costas, continuando ao celular e andando, já na calçada.
Ai, percebo que a viatura andava ao meu lado, com três policiais de preto, ao que escuto, em alto e bom som: "Saia da rua, seu malandro e bêbado". Nesse momento, pensei: Isto não é jeito de tratar as pessoas na rua e respondi: "Não sou bêbado nem malandro; se vocês não estiverem em operação, está errado andarem com essa viatura preta e apagada, pois quase me atropelaram e vão acabar atropelando alguém!"
Oportunidade em que os homens de preto descem da viatura dizendo: "Ô malandro, tu é abusado, tá preso". Ato contínuo, diante da voz de prisão, estendo os dois braços para ser algemado. Pergunto ao mais novo dos três, que estava completamente alterado: "Qual o motivo da prisão?" Resposta: "Desacato". Pergunto novamente: "O que os senhores entendem como desacato?" Resposta: "Até a DP a gente inventa, se a gente te levar pra lá". Neste exato momento, percebendo a gravidade da situação, disse: Estou me identificando como juiz federal e minha identificação funcional está dentro da minha carteira, no bolso da bermuda. Imediatamente o policial novinho, que se identificou como André e na DP disse se chamar Cristiano meteu a mão no meu bolso, pegou a minha carteira e a colocou em um dos bolsos de sua farda preta. Então o impensável aconteceu! Disseram: "Juiz Federal é o c..., tu é malandro e vai para a caçapa do camburão.
Fui atirado na mala do camburão como bandido, algemado, porém, com o celular no bolso e os três policiais do CORE da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro, dizendo que no máximo eu deveria ser "juiz arbitral ou de futebol". Temendo pela vida, por incrível que pareça me veio aquela frase de Dante, da sua obra "Divina Comédia": "Abandonai toda a esperança, vóis que entrais aqui". Então, sem perder as esperanças, peguei o celular do bolso mesmo algemado e liguei para a assessoria de segurança da Justiça Federal informando a situação, bem baixinho, e que não sabia se seria levado para DP, pedindo para acionar a PM e localizar a viatura do CORE que estava circulando pela Lapa comigo jogado algemado na mala.
Após a ligação, disse-lhes uma única coisa, ainda na viatura. "Vocês estão cometendo crime, ao que escutei dos três, aos risos: "juiz federal andando com esse chapéu igual a malandro. Até parece. Se você for mesmo juiz, a gente vai chamar a imprensa, pois juiz não pode andar como malandro."
Na delegacia, as gracinhas dos policiais continuaram: "Olha o chapéu do malandro". Então eu disse, já me sentindo em segurança: "Vocês querem que eu tire o chapéu e vista terno e gravata?"
O fato é que já na presença do delegado as algemas foram retiradas e, vinte minutos depois, um dos policiais de preto vem ao meu encontro e me pede: "Excelência, desculpas, nos agimos mal, podemos deixar por isso mesmo?" Respondi: "Primeiro. Não me chame de Excelência, pois até há pouco vocês me chamavam de malandro. Segundo. Não, não pode ficar por isso mesmo. Como é que vocês tratam assim as pessoas na rua, como se fossem bandidos. Terceiro. Vocês três não honram a farda que estão vestindo. Quarto. Desde a abordagem policial agi apenas como cidadão, no que fui desrespeitado e, depois de ter me identificado como juiz federal, fui mais ainda, logo, um crime de abuso de autoridade seguido de outro de desacato.
Depois do circo montado pelo próprio agente do CORE Cristiano, que ligara do interior da DP para os repórteres, de forma incessante, talvez temendo que ele e seus dois colegas de farda preta fossem presos por mim no interior da DP, decidi não fazê-lo porque em nada prejudica a instauração de procedimento administrativo na Corregedoria da Policia Civil, bem como a ação penal por abuso de autoridade e desacato, sendo desnecessário mencionar o dano à minha pessoa, como cidadão e magistrado.
Pensei, por fim: "Se como juiz federal fui ameaçado por três homens de fardas pretas com pistolas automáticas, algemado e jogado como um bandido na mala de um camburão, simplesmente por tê-los repreendido, de forma educada, como convém a qualquer pessoa de bem, o que aconteceria a um cidadão desprovido de autoridade e de conhecimento dos seus direitos?" Duas coisas são certas, de minha parte: Não permitirei nada "passar" em branco, pois são fatos sérios e graves que partiram daqueles que têm o dever de zelar pela segurança da sociedade e, no próximo carnaval, não usarei o presente da namorada, o tal "chapéu". É perigoso. Pode ser coisa de malandro.
Roberto Schuman – Cidadão e Juiz Federal no Estado do Rio de Janeiro
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4 comentários:
O depoimento dos policiais envolvidos no imbróglio com o juiz revelou uma série de contradições e versões que não batem, a conduta do magistrado pode não ter sido tão didática e educada na prática, como expõe em sua carta, mas é inquestionável que houve abuso na ação policial.
O concurso público é sem dúvida a forma mais correta e democrática de contratação de pessoas para desempenho de atividades públicas, é falho, no entanto, afinal, o mais capaz é aquele que perpassa um caminho que preza estritamente a técnica. Não é possível pesar, no caso, bom caráter, bom senso, tendências a abuso de poder, vaidades, animus para desvirtuar valores, preconceitos etc.
Daí o surgimento de figuras nefastas como: o policial gaveteiro; o juiz positivista, sem sensibilidade para julgar; o professor desidioso e outros parasitas e detratores do serviço público.
Infelizmente, em se tratando de gente, é forçoso reconhecer que esse contingente sempre existirá, em alguns lugares mais em outros menos, dependendo do grau de civilidade e comprometimento com a coisa pública e com o outro.
Essas exceções ameaçam virar regra quando instigadas pelo próprio governo, que no caso da polícia, por exemplo, dá a essa um poder de ação que deveria ser seu, corrompido e de valores inversos, registra-se.
A polícia que é ponta final do processo, ou deveria ser, passa a ser a promotora da justiça e dos programas sociais, na ponta da bala e da porrada, para atender a lei do mais fácil e calar o clamor da sociedade burra e, também, cansada de apanhar.
Recentemente, um estado o qual não me recordo, deu aval para que sua polícia atirasse para matar ante qualquer demonstração atípica de resistência à abordagem policial.
Uma arma nas mãos de um policial mal pago, mal treinado e desestimulado, por si só deve gerar uma inflação de ego enorme, ungido de poder ilimitado, então, não pode resultar em algo muito benéfico. O juiz teve sorte por ser o que é, fato idêntico com outro malandro qualquer...
As sociedades contemporâneas vivem uma verdadeira crise de identidade.
Estamos perdendo as referências e os referenciais. Há uma desconstrução generalizada no que diz respeito a ética, respeito, autoridades e moral, dentre tantos outros aspectos.
Na verdade, nossas referências: Políticos, Polícia, Justiça e tantas outras Instituições, se desconstroem permanentemente e perdem a identidade e credibilidade.
Tá dificil acreditar em algo!
Caros amigos,
Esse assunto parece bem demodé...A questão não é a condua distorcida dos agentes da lei...a revolta jusstificada da autoridade judicial...e, nem tampouco as circunstâncias do fato...A pergunta é: se fosse um cidadão comum o Noblat teria repercutido...As comunidades pobres têm sua voz repercutida na imprensa e na mídia quando sofrem violências inenarráveis...Naõ!
Um estado patrimonialista...polícia miliciana, pretoriana...Judiciário e leis elitistas, foro provilegiado, prisão especial, etc, polícia idem...A diferença é que na ausência da jurisdição legal (porém ilegítma) a polícia faz suas arbitragens a seu "preço"... pode ser uns trocados, mas pode ser também uma "verba" para manutenção das viaturas, ou das instalações policiais...como pode ser um favor político, uma transferência, etc...Quem não tem o que "trocar" não merece "consideração" e "respeito", triste, mas é assim...
Se você trata homens armados coo animais, não espere que eles respondam como cavalheiros...Se a sociedade diz o tempo todos que é uma "guerra", como você espera que os "soldados" reajam, com ponderação...
Xacal
Caros Bruno, Vitor e Xacal,
Três bons argumentos para um bom debate. Pena que não há muita gente interessada nela e muito menos, em soluções que são complexas, demoradas, mas necessárias.
Falo sobre muitas coisas. Bobagens a perder de vista, mas sobre o assunto segurança sempre considero-me incompetente para falar algo que pudesse ser minimamente aproveitável. Até por isso saúdo estes comentários.
Abs,
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