terça-feira, dezembro 16, 2008

Um campista na África

Entrevista com Carlos Alberto Júnior
Ele hoje mora em Angola e é o correspondente da TV Brasil para todo o continente africano. Em Luanda, onde mora há seis meses junto com sua companheira, Fabiana Moreira, diplomata e secretária da Embaixada do Brasil em Angola, Junior também criou o blog Diário da África (http://www.diariodaafrica.blogspot.com/), que segundo ele, foi “uma evolução dos e-mails que mandava para os amigos contando as aventuras na África”. Em Campos na década de 80, logo depois de estudar na Federal, Carlos entrou para o curso de Comunicação na Fafic de onde partiu para atuar como redator na Rádio Cultura de Campos, depois, no jornal A Cidade como repórter, na Editora Abril como checador e repórter, na rádio Jovem Pan, também como redator, e mais: na Gazeta Mercantil, Agência O Globo, ambos como repórter, novamente na Gazeta Marcantil, mas na edição Latino-americana aí como repórter especial, daí para a Revista Época como repórter, editor-assistente e subeditor, por último, antes de assumir como correspondente da TV Brasil na África, Carlos Alberto Junior foi coordenador das editorias de Economia e Política do Correio Brasiliense. Se já não bastasse, este belo currículo, este jovem de menos de 40 anos, tem ainda sonhos e expectativas numa profissão onde muitos hoje temem seguir com receios de cumprirem pautas e matérias já definidas. O seu carinho com as instituições e os docentes que lhe ajudaram na formação fazem a gente ainda acreditar que há muito por ser feito. Antes de disponibilizar esta gostosa entrevista, o blog não pode deixar de registrar a contribuição do casal ao trabalho insitucional do Cefet em Angola, que é o de formar formadores e gestores de cinco centro profissionais, na área da Construção Civil e contribuir na instalação e equipagem de laboratórios em cinco diferentes províncias, num período de três anos, previsto para se encerrar até maio de 2011. A entrevista: Blog: Carlos, fale das suas experiências como jornalista fora do Brasil. Carlos Alberto Jr.: Minha experiência em viagens internacionais começou depois que eu me mudei para Brasília, em 1995. A primeira cobertura no exterior foi em 1998, quando eu trabalhava na sucursal da Revista Época e acompanhei o presidente Fernando Henrique Cardoso a Portugal, Espanha e Suíça. Foram 10 dias de trabalho intenso. A cobertura de uma viagem presidencial é exaustiva. Os jornalistas precisam chegar antes e sair depois do presidente. Isso significa acordar entre 5h e 6h da manhã todos os dias e encerrar o dia não antes da meia-noite. Mas é uma experiência muito gratificante, que permite ao jornalista ampliar seus horizontes. Também já fiz reportagens no Paraguai, na Argentina, Bolívia, Gana, Moçambique, Ruanda e na República Democrática do Congo.

"A imprensa brasileira ainda não descobriu a importância da África nem a relevância de se ter uma cobertura jornalística no continente" Blog: E a nova experiência na África, onde temos tanta identidade, mas também muitas diferenças. Carlos Alberto Jr.: A possibilidade de trabalhar na África como correspondente da TV Brasil será, provavelmente, uma das minhas maiores experiências profissionais. Estou aqui há apenas seis meses e há um universo a ser contado. O desconhecimento sobre o continente aí no Brasil é enorme. Só para citar um exemplo: pouco antes de eu me mudar para Angola, um colega jornalista me perguntou como eu ia me virar com o idioma. Ou seja: ele não sabia sequer que em Angola se fala português. E era um jornalista, supostamente uma pessoa mais bem informada do que a média da população. O desafio, portanto, é mostrar ao público brasileiro toda a diversidade de um continente com cerca de 50 países e realidades absolutamente distintas. Num mesmo país, por exemplo, há vários idiomas diferentes e nem a própria população consegue se comunicar direito. No Brasil, as pessoas sempre relacionam África à escravidão, capoeira, feijoada. As heranças cultural e culinária são, certamente, uma dádiva. Mas a África é muito mais do que isso. E a TV Brasil tentará mostrar um pouco disso a partir de agora. Blog: Qual a importância de se ter um correspondente brasileiro na África? Carlos Alberto Jr.: A imprensa brasileira ainda não descobriu a importância da África nem a relevância de se ter uma cobertura jornalística no continente. A TV Brasil identificou essa falha e decidiu ter um correspondente na África, que por acaso sou eu, tonando-se a primeira emissora de televisão do país a ter um correspondente aqui, baseado em Angola.

O objetivo é lançar um olhar brasileiro sobre os assuntos do continente. Em geral, quando e que tipo de notícias o público brasileiro recebe da África? É sempre sobre uma catástrofe natural, mais um golpe de estado, conflitos étnicos, exploração de diamantes e outros recursos minerais por ditadores e grandes grupos internacionais. Admito que também são notícias importantes e merecem ser conhecidas, mas aí faço outra pergunta: como essas notícias chegam ao Brasil? São informações produzidas e divulgadas pelas agências de notícias internacionais, como Reuters, Associated Press, BBC, CNN, New York Times, Le Monde e por aí vai. Ou seja: são informações com um viés, um olhar europeu ou norte-americano, de países cujos interesses no continente africano são totalmente diferentes dos brasileiros. A missão de um correspondente brasileiro na África é, portanto, tentar explicar o continente para o público brasileiro com um olhar brasileiro, que é totalmente diferente dos outros países. Blog: Você afirma que não é possível pensar a África com os nossos olhos e a nossa lógica, o que quer dizer com isso? Carlos Alberto Jr.: O primeiro erro a ser evitado quando se decide viver em outro país é tentar interpretar o estilo de vida, a cultura e o povo a partir das referências que temos no Brasil. Os angolanos não são brasileiros. Eles são resultado de tudo o que aconteceu aqui, desde a escravidão, os tempos de colônia, a guerra da independência, a guerra civil que durou de 1975 até 2002 e deixou seqüelas profundas em toda a população. Qualquer pessoa com quem você conversar em Angola terá uma tragédia pessoal para contar. A realidade aqui é outra e se você não conhecer os fatos históricos que ajudam a explicar porque as pessoas vivem de se comportam como tal, estará perdido. A guerra destruiu tudo: o sistema de ensino, o sistema de saúde, as infra-estruturas do país, tudo. Não há quadros técnicos suficientes para atender a demanda. Por isso a parceria do CEFET com o governo de Angola é de extrema importância no esforço de reconstrução do país. As futuras gerações angolanas terão muito a agradecer ao Brasil e aos professores do CEFET que se dispuserem a vir aqui. Só quem conhece a realidade de Angola tem a percepção dos desafios que ainda precisam ser superados.

"Como mais da metade do país ainda está minado, a produção agrícola é mínima e tudo é importado. Um pé de alface, por exemplo, pode custar, facilmente, US$ 5".
Blog: O que mais aprecia e o que mais desgosta em Angola? Carlos Alberto Jr.: Ainda não tive a oportunidade de viajar para as províncias, mas a vida em Luanda é bastante difícil. Luanda foi escolhida, mais uma vez, a capital mais cara do mundo, na frente de Londres, Paris, Nova York e Moscou. O aluguel de uma casa de dois quartos não sai por menos de US$ 10 mil mensais, e em Angola os aluguéis são pagos com um ano de antecedência. Por causa da falta de investimentos em infra-estrutura durante a guerra, os cortes de energia são freqüentes. Pelo menos uma vez por semana ficamos sem luz e água. Como mais da metade do país ainda está minado, a produção agrícola é mínima e tudo é importado. Um pé de alface, por exemplo, pode custar, facilmente, US$ 5. O que mais admiro é a fibra do angolano, um povo que sofreu horrores mas mantém o “orgulho de ser angolano”, como diz uma música bastante conhecida aqui. Eles estão construindo uma nova nação. Angola está começando, praticamente, do zero. E me sinto orgulhoso de poder vivenciar um momento tão importante como este, como foi a cobertura das primeiras eleições legislativas em setembro. A primeira desde 1992 e a segunda desde a independência, em 1975. Blog: Que lembranças guarda do curso Eletrotécnica, na então Escola Técnica Federal de Campos, atual Cefet? Carlos Alberto Jr.: As melhores possíveis. Quando entrei na Federal (era como chamávamos a escola), em 1985, meu sonho era me formar em Eletrotécnica e trabalhar na Petrobras. A Federal já era uma potência, com laboratórios bem equipados e professores altamente gabaritados. Mas, logo no primeiro ano, descobri que a carreira técnica não era para mim. Tanto que virei jornalista.
"Também tive professores fantásticos. Tenho um carinho especial por dois deles: Edinalda, que hoje é professora aí no CEFET, e Orávio de Campos. Os dois sempre foram muito provocadores, no melhor sentido da palavra". Blog: E do curso de Comunicação da Fafic? Carlos Alberto Jr.: O curso de jornalismo foi uma grande aventura. Ali fiz grandes amigos, com quem tenho contato até hoje. Também tive professores fantásticos. Tenho um carinho especial por dois deles: Edinalda, que hoje é professora aí no CEFET, e Orávio de Campos. Os dois sempre foram muito provocadores, no melhor sentido da palavra. Graças a eles, tive acesso a livros fundamentais para a minha formação profissional, obras que me marcaram bastante. Infelizmente, naquela época a faculdade não tinha muitos recursos e a parte técnica do curso ficou bastante prejudicada. Não havia laboratório de fotografia, de telejornalismo, de rádio. Os alunos daquela turma formada em 1991 que, de fato, queriam ser jornalistas, conquistaram seu espaço no mercado. Blog: Fale de uma ou mais experiências que te marcou trabalhando como iniciante na profissão de jornalista em Campos. Carlos Alberto Jr.: Meu primeiro emprego, aos 18 anos, foi como coordenador de programação da TV Norte Fluminense, que na época era afiliada à Rede Globo. Poucos meses depois, comecei a fazer um estágio como redator na Rádio Cultura de Campos, a convite de Juscelino Rezende, e, em seguida, também por indicação de Juscelino, fui contratado como repórter do Jornal A Cidade. Lá, trabalhei três anos e fui chefiado por um grande editor, Hélio Cordeiro, com quem aprendi muito. Helinho é um profissional generoso, de caráter irrepreensível e talhado para formar jovens jornalistas. Ainda hoje, quase 20 anos depois de ter colocado os pés pela primeira vez na redação de A Cidade, ainda lembro dele escrevendo três pautas por dia para cada repórter naquelas laudas de 30 linhas de 72 toques. Blog: Como jornalista e blogueiro como vê o Brasil e a sua política para os países da África e em especial para os da CPLP? Carlos Alberto Jr.: O Brasil tem um interesse cada vez maior na África. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja duas, três vezes por ano para o continente, sempre levando empresários e inaugurando escritórios de alguma agência de fomento ou instituto de pesquisa. Os países lusófonos têm sido prioridade, pela questão da língua e dos laços históricos. Mas percebo um descompasso entre as intenções do governo de ter uma presença mais marcante no continente e as condições de trabalho oferecidas aos servidores públicos brasileiros que se dispõem a vir para cá. Quem se aventura a trabalhar na África precisa saber que enfrentará enormes dificuldades. As embaixadas do Brasil no continente carecem de mais diplomatas, de mais funcionários na área técnica. Isso tudo compromete parte do trabalho e faz o país perder grandes oportunidades de negócios. Mas já é um avanço. É melhor ter uma presença tímida do que nenhuma presença.
"É preciso desenvolver a agricultura e setores que não dependam do petróleo e sejam intensivos de uso de mão-de-obra, como indústria têxtil e construção civil. A educação também precisa receber uma boa parcela desse dinheiro".
Blog: Ainda como homem da mídia você vê identidades entre Brasil e Angola, no que diz respeito, à importância da produção de petróleo? Existe realmente a tal Maldição Mineral? Carlos Alberto Jr.: A maldição existirá – e se tornará realidade - se os governos não tiverem a sabedoria de investir os recursos proveninentes da exploração do petróleo e de outras riquezas minerais na diversificação da economia. É preciso desenvolver a agricultura e setores que não dependam do petróleo e sejam intensivos de uso de mão-de-obra, como indústria têxtil e construção civil. A educação também precisa receber uma boa parcela desse dinheiro. E o CEFET dará uma grande contribuição na formação dos quadros técnicos que permitirão ao país avançar em outras áreas. Blog: Para fechar: você, que no Brasil trabalhou em importantes órgãos de comunicação, do que sente falta? E de Campos, restou alguma boa lembrança ou saudade? Carlos Alberto Jr.: Vou começar pela segunda pergunta: na verdade, eu morei poucos anos em Campos. Saí daí com dois anos de idade e fui criado no interior de Minas. Quando minha família voltou, eu já estava com 14 anos. Fiquei em Campos até os 21 anos, quando fui aprovado num estágio no jornal O Estado de S.Paulo, em 1991, e fui embora. Mas minha família toda mora aí: meus pais, irmãos, tios, primos, sobrinhos. Sem falar nos amigos. Por causa da distância, apareço menos do que gostaria. Os anos em que aí estive foram fundamentais na minha formação. Como todo mundo, sou um produto do meio. Sou conseqüência das experiências que tive, das pessoas que conheci, dos livros que li (Edinalda e Orávio aqui de novo) e da vida que levei em Campos, uma cidade do interior com muitos problemas. Tenho, sim, excelentes lembranças e saudades do tempo que passei aí, mas foi um período da minha vida. Posso dizer que houve duas coisas sensacionais na minha vida: a primeira foi ter nascido e vivido em Campos. A segunda, ter ido embora de Campos. Uma coisa complementa a outra e me ajuda, o tempo todo, a entender melhor o mundo.
Em relação à primeira pergunta, sinto, e lamento, que os grandes veículos de comunicação estejam, cada vez mais, abandonando a reportagem. O surgimento da internet e de ferramentas de pesquisa como o Google tem dois lados. Facilitou o trabalho, mas tem colaborado muito para tornar o jornalismo mais medíocre. E quando você junta um repórter preguiçoso com a internet, o resultado pode ser desastroso. Mas isso é outra discussão e íamos precisar de outra entrevista só para tratar disso. Blog: Agora sim a última: quando virão ao Brasil e a Campos para nos brindar com palestras e debates sobre estes e outros temas, nas instituições pelas quais passou como aluno? Carlos Alberto Jr.: Devo ir a Campos em março (uma previsão apenas) e teria enorme prazer em encontrar alunos e professores do CEFET e da Filosofia. Desde que terminei o curso de jornalismo, em 1991, sempre comento como gostaria de voltar para um bate-papo com os estudantes, contar um pouco da experiência que tive ao longo dos anos. Imagino que muitos ali sonhem, como eu sonhava, em trabalhar em veículos do Rio, de São Paulo e Brasília. Acho que a mensagem principal que gostaria de deixar para os colegas aí de Campos é que nada é impossível. Também é verdade que nada vem fácil, mas somos do tamanho dos nossos sonhos.
PS.: A foto enviada ao blog por Carlos Alberto foi tirada em Rutshuru, cidade a 80km de Goma, capital de Kivu Norte, no extremo leste da República Democrática do Congo. Ao fundo está o general rebelde Laurent Nkunda, que comanda cerca de 7 mil soldados na região e quer derrubar o governo do presidente Joseph Kabila.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não tenho hábito de garimpar em blog, mas o faço, geralmente quando o tempo permite. Que beleza esse "campista na África"! Silvinha Salgado ligou sugerindo a leitura e, cá com meus botões, de uma longa e bastante vigorosa (permitam!) trajetória, fico todo bobo mesmo. Não apenas com o Carlos Alberto Júnior, mas com todos os demais (mais de 20, talvez 30) “cordeiretes” (como gostavam de ser chamados) que interagiram nos estágios e trocas de conhecimentos. Que bom! Antes de viajar para a África, Júnior esteve comigo. Vai muito mais longe esse rapaz, profissional de primeira linha e caráter irretocável. Orgulho-me muito de todos os que comigo trocaram conhecimentos e experiências nos estágios... Júnior, Gustavo Araújo, Cilênio Tavares, Elis Regina, Caê, Elba Wilmen, Márcia Barcelos, Joyce Trindade, Angélica Paes (e que me perdoem os demais pela memória falha). Chega a dar saudades! Sinceramente, o Roberto Moraes acaba de me presentear nesta contagem regressiva para o Natal. Obrigado. (Helinho Cordeiro).

Anônimo disse...

Roberto,

Vou comentar um outro assunto. Dr. Herbert que se cuide, porque o que não podia acontecer, aconteceu.
Ele não deve estar nada satisfeito com o novo presidente do TJ/RJ. Desejo a ele toda sorte e força, pois é um homem empreendedor que merece ver o império que construiu prosperar nas mãos de quem trabalha e não de quem "empola" quando ouve falar em trabalho!