65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
quarta-feira, julho 22, 2009
"Espelho, reflexos e reflexões"
O blog hoje vai tomar emprestado do professor Fabio Siqueira e do Monitor Campista, o belo e interessante artigo do outro professor, Renato Barreto que saiu publicado na edição desta quarta-feira:
"Espelhos, reflexos e reflexões"
Renato Barreto
Difícil imaginar um campista um mesmo um residente na cidade, que não tenha ouvido algum comentário depreciativo sobre os habitantes desta planície. Há insultos de diversas modalidades que enfatizam aspectos de nossas tradições socioeconômicas e, até mesmo, acusações difusas e aleatórias sobre a honestidade de nossa gente. Não acredito que estas manifestações sejam apenas expressões do bom humor e da gaiatice típica do brasileiro. Um exame nada sistemático e muito menos exaustivo de algumas obras da cultura nacional nos coloca diante de incômodas referências que perpassam o século XX e nos alcançam nos dias atuais. Citemos três:
Em 1925, Manuel Bandeira já escrevia em seu poema “Não sei dançar” os seguintes versos:
“A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral...”
Surge Campos representada por uma elite preconceituosa e arrogante incapaz de entender o Brasil, de pensá-lo e aceitá-lo como uma nação que é formada por seu povo. Segundo Raimundo Faoro é uma elite que vê as camadas populares como um vulcão que deve permanecer eternamente adormecido, a mesma elite que sempre quis ser francesa, inglesa ou norte-americana e que sempre rechaçou a arte e as manifestações populares, quando não reprimindo, articulando sua circunscrição aos subúrbios.
No livro FEBEAPÁ 1 – Festival de besteira que assola o país de 1966, Stanislaw Ponte Preta relata o julgamento simulado de Hitler que teria ocorrido na Faculdade de Direito de Campos no qual o líder alemão acaba absolvido. Novamente Campos é citada como exemplo de reacionarismo e irracionalismo.
Mais recentemente, o filme Bezerra de Menezes, que conta a história do médico dos pobres, exibe em uma determinada cena o discurso do doutor em favor da abolição da escravidão. Intempestivamente suas palavras são interrompidas por uma voz irascível que afirma:
- Em Campos não, em Campos não...
Mais do mesmo, desta vez a cidade é a terra que perpetuou tudo que sempre houve de mais atrasado no Brasil, a terra dos vícios, dos reacionários, do retrocesso, das práticas antirepublicanas e berço mais tranquilo dos conservadores que teimam em frear a modernização, se agarram ao passado e pretendem usar sua força para preservar privilégios.
Não se pretende aqui, avaliar as acusações ou mesmo pensar em eventuais defesas. É certo que uma cidade é mais que sua “elite” e que podemos buscar no passado e no presente exemplos de personagens e episódios que se contrapõem a essas imagens estereotipadas que apresentamos. Preocupa-nos mais o impacto sobre a construção das identidades coletivas, pensemos como estas visões negativas da cidade podem ter afetado e estar afetando a nossa autoimagem, lembremos que os recentes escândalos políticos só serviram para reforçar aspectos negativos que se vinculam a nossa memória coletiva. Segundo o sociólogo austríaco Michael Pollak, a memória coletiva, social e individualmente construída, é um dos alicerces de nossas identidades. Ou seja, a imagem que fazemos de nós, para nós e para os outros.
Há muito que pesquisar sobre este tema, persistem perguntas sem respostas que reivindicam estudos e reflexões. Afinal, existe uma identidade campista? Como ela se apresenta para os distintos grupos sociais que integram a cidade? Quais os discursos produzidos pelo poder público e pelos intelectuais com o propósito de construir nossa identidade? Nossa proposição é correta?
Existe mesmo um complexo de inferioridade provinciano que se hospeda muitas vezes no silêncio diante das provocações de outros citadinos? Precisamos enfrentar o espelho e superar o medo descrito assim pelo escritor argentino Jorge Luís Borges:
“Uma de minhas insistentes súplicas a Deus e ao meu anjo da guarda era não sonhar com espelhos. Sei que os vigiava com inquietação. Algumas vezes, receei que começassem a divergir da realidade; outras, ver meu rosto neles desfigurado por adversidades estranhas. Soube que esse temor está, outra vez, prodigiosamente no mundo.”
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2 comentários:
Essa idéia do espelho é muito sugestiva. Pois ao contrário da construção reflexiva e crítica da nossa identidade (que define a auto-determinação dos povos e a autonomia do indivíduos), parece que padecemos de um narcisismo primitivo autoreferente e precário. Esse culto reflexo de nossa auto-imagem distorcida tem ligação direta com a autorização tácita para o comportamento político socialmente predatório e com a atitude de desprezo pelo povo. Fiado ou à vista é sempre ele que paga!
Só p ilustrar, meu pai conta q meu avô, que nasceu em 1913 em S João da Barra, dizia o seguinte: que os filhos dos barões, fazendeiros, quando procuravam por ele, vinha logo a resposta - "eles estão fora se aperfeiçoando, na Europa".
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