Na abertura da apresentação dos resultados anuais da mineradora Anglo American, a 19 de fevereiro passado, sua CEO, Cynthia Carroll, afirmou que 2009 havia sido difícil. “Enfrentamos uma das mais duras quedas na economia global da história”, disse, para logo emendar que, apesar dos tempos adversos, a empresa havia obtido resultados melhores do que os projetados. Os analistas presentes pareciam menos animados com a queda de 25% do faturamento, de US$ 32,9 bilhões para US$ 24 bilhões e, pior, com o mergulho de quase 51% do lucro operacional, de US$ 10 bilhões para US$ 4,9 bilhões. A decisão de manter suspensos os pagamentos de dividendos, pelo menos até que o mercado em 2010 dê sinais claros de melhora, também foi recebida com contrariedade. As cifras mais negativas apresentadas naquela manhã em Londres, porém, eram relativas à operação de ferro no Brasil.
A divisão Anglo Ferrous Brazil possui dois projetos no país, adquiridos por siderais US$ 6,6 bilhões do empresário Eike Batista, entre 2007 e 2008. Um deles, o menor, é uma mina no estado do Amapá, comprada pouco após entrar em operação. O maior é um projeto batizado de Minas-Rio, incorporado quando ainda estava no papel. Uma vez concluído, o sistema deverá incluir, além da produção de ferro em Minas Gerais, um mineroduto e um terminal portuário próprio.
A primeira surpresa anunciada pela Anglo foi a decisão de desvalorizar a mina do Amapá em US$ 1,5 bilhão, menos de um ano e meio após comprá-la. A segunda foi o anúncio de que o capital necessário para tornar o projeto Minas-Rio realidade sofrerá um aumento de US$ 1,1 bilhão, num salto de 40% – de US$ 2,7 bilhões para US$ 3,8 bilhões. Em mineração, reavaliar ativos ou errar na previsão de custos não constitui uma novidade. Essa é, por natureza, uma atividade de risco. Mas o tamanho das mudanças na Anglo motiva uma pergunta simples: como foi possível que uma das maiores e mais antigas mineradoras do mundo tenha pago valores tão elevados por projetos tão problemáticos? A resposta mistura tensões internas, pressa, um mercado enlouquecido e a incrível habilidade de vender ideias do homem mais rico do Brasil, Eike Batista, cujo patrimônio, de acordo com a mais recente lista dos bilionários da Forbes, soma US$ 27 bilhões.
Numa indústria com cifras superlativas, as que aparecem no balanço de 2009 não deixam clara a dimensão do desafio da divisão de ferro da Anglo no Brasil. Das duas minas compradas, a do Amapá era a única que já possuía produção e logística montadas (uma ferrovia e um porto). A operação teve início em dezembro de 2007, menos de dois meses antes do anúncio da compra, e a projeção era de que seriam extraídas 4,8 milhões de toneladas de minério já em 2008. Foi apenas 1,2 milhão. A produção máxima, de 6,5 milhões de toneladas anuais, deveria ser atingida em 2009. Ainda não passou de 2,7 milhões. Na época, a Anglo sabia que as reservas dessa mina poderiam apresentar problemas. “Pela quantidade de perfurações que foram feitas nos estudos geológicos iniciais, sabíamos que havia muita incerteza”, afirma Stephan Weber, o atual CEO da Anglo Ferrous, que no período em que foi fechado o negócio trabalhava na Austrália, para a concorrente Rio Tinto.
Depois que a aquisição foi finalizada, no segundo semestre de 2008, ampliaram-se os estudos geológicos. O resultado foi um choque. Da estimativa de reservas de 1 bilhão de toneladas de minério de ferro, a Anglo conseguiu confirmar inicialmente apenas 130 milhões. O número final deve ficar mais perto de 200 milhões, afirma Weber. Ainda assim, cinco vezes menor do que a expectativa inicial.
As notícias ruins não pararam por aí. A qualidade do minério encontrado também era baixa e a dificuldade de purificá-lo aumentaria consideravelmente os custos.
Como num daqueles intermináveis comerciais das facas Ginsu, a empresa percebeu que diante das reservas encontradas o sistema de produção não era apropriado. Havia ainda muitas falhas na segurança, do sistema elétrico à falta de sinalização, o que provocou paradas não planejadas e caras – estima-se que cada dia parado na mina do Amapá custe US$ 1 milhão. Num empreendimento que depende de caminhões gigantes para transportar o minério, não existia sequer uma oficina mecânica digna do nome.
Esses problemas já seriam suficientes para azedar os resultados, mas havia mais. Desde sua implementação, o sistema do Amapá tinha um problema fundamental de logística. Seu porto, no litoral do estado, é muito raso e comporta apenas embarcações de 40 mil toneladas. Há dois detalhes nesse número. Primeiro, os maiores compradores do mundo estão na China, um mercado que praticamente não aceita um vendedor com navios que carreguem menos de 100 mil toneladas. É simplesmente caro demais descarregar embarcações menores. O outro é que o custo de transportar 1 tonelada de minério de ferro em um navio pequeno é no mínimo o dobro do que numa embarcação maior – são US$ 30 contra US$ 60 por tonelada, em média.
Para solucionar esse problema, a ideia divisada ainda nos tempos da MMX era usar balsas no transporte do minério para navios de grande porte em alto-mar, onde ele seria transferido por gruas. Acontece que para fazer isso são necessárias autorizações da Marinha que até hoje não foram obtidas. Segundo uma fonte familiarizada com a situação da empresa no estado, isso faz com que a Anglo tenha de pagar por um contrato de navios de grande porte que ainda não podem ser usados. Hoje a melhor perspectiva é que a produção máxima da mina chegue a 5 milhões de toneladas por ano. Tudo colocado na planilha, a Anglo conclui que sua mina valia US$ 1,5 bilhão a menos do que tinha imaginado quando a comprou, em 2008" .
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