terça-feira, setembro 07, 2010

"Uma grande inversão"

O blog recebeu recomendação de diversos leitores postar o artigo "Uma grande inversão" de autoria do professor de História Contemporânea da UFF, Daniel Aarão Reis, publicado na página de Opinião, na edição de hoje do jornal O Globo. O texto remete a uma interessante reflexão entre os caminhos possíveis na política brasileira e a reação que ela tem provocado. Tudo isto independente das bobagens que alguns burocratas possam estar fazendo por conta de interesses menores. "Uma grande inversão" 'A disparada de Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião pública tem suscitado interpretações diversas.

Duas constatações mobilizam os comentaristas: a primeira é a popularidade do governo, atingindo patamares de quase unanimidade, se computados como favoráveis os que avaliam o desempenho de Lula como ótimo, bom ou regular. Depois de oito anos, trata-se de algo raro.

A segunda constatação é a capacidade de transferência de votos do presidente. Também não é algo comum.

O comum é o inverso. Líderes de expressão nem sempre conseguem “fazer” os sucessores. Isto se deve, em parte, à vontade deles mesmos, por medo que os herdeiros possam obscurecer sua liderança, apagandoos da história. Leonel Brizola era craque nisto: nunca elegeu um sucessor, embora saindo de governos com alto índice de popularidade.

O mesmo aconteceu na sucessão de FHC. Embora desgastado, foi notório que ele preferia transferir a faixa presidencial ao líder operário, mesmo porque estava convencido de que a gestão deste seria um fracasso, favorecendo, quem sabe, a sua volta ao poder. No entanto, mesmo que os líderes o desejem, a transferência de votos nem sempre se dá, ou se dá de forma tão parcial que os herdeiros perdem as eleições.

Ora, o que surpreende nesta campanha eleitoral é a capacidade de transferência de votos de Lula para Dilma. Esta era uma personagem desconhecida em termos eleitorais. Sua vocação era outra: a de servidora pública, empenhada na gestão de empresas estatais ou planos de desenvolvimento.

Assim, quando Lula sacou o seu nome e o apresentou ao distinto público, não faltaram análises de que o homem não queria eleger o sucessor, no caso, sucessora.

Escolhera um nome destinado a uma derrota eleitoral honrosa, evitando sombras em sua popularidade.

Mas não foi isto que aconteceu.

Lula investiu na herdeira, pessoalmente e com a máquina pública. Os resultados não se fizeram esperar e até agora espantam os analistas.

O que dizer destas evidências? Os mais simplórios, como sempre, denunciam sombrias manipulações.

É uma velha cantilena, de direita e de esquerda. Quando o eleitorado não acompanha suas propostas é porque está sendo manipulado. Para a velha UDN, era Vargas o grande manipulador.

Para as esquerdas, depois da ditadura, era a TV Globo que orquestrava as mentes. A conclusão é sempre a mesma: as pessoas não sabem votar.

Multidões passivas, despolitizadas, idiotas! Idiota, no caso, é a interpretação, incapaz de compreender a complexidade do processo histórico.

Uma outra linha interpretativa foi importada de análise feita nos EUA a propósito da eleição de Bill Clinton.

Um gênio teria formulado a frase: é a economia, seu estúpido! Queria dizer com isto que o eleitorado estadunidense estaria votando de acordo com seus interesses econômicos. Como Clinton falou, e muito, do assunto, ganhou as eleições com folga.

Transportada para o Brasil, a tese poderia ser assim traduzida: as classes populares, na grande maioria, estariam votando com o bolso, ou seja, como os governos de Lula as beneficiaram economicamente, elas tenderiam a manter uma fidelidade canina ao benefactor.

A análise não é destituída de fundamento.

Com efeito, os interesses econômicos são um ingrediente importante nas escolhas de qualquer eleitorado. Mas, se o ser humano não vive sem pão, sabe-se também que “nem só de pão vivem os humanos”.

A hipótese que sustento é que a aprovação do governo Lula e a sua inusitada capacidade de transferência de votos residem num processo mais profundo: o acesso progressivo das classes populares à cidadania.

Lula é a expressão maior disso. Ele é visto como o político que promoveu como ninguém este acesso. Isto tem a ver com bens materiais, sem dúvida.

Mas há outros bens, simbólicos, mais importantes que o pão nosso de cada dia. E é isto que as direitas raivosas e as esquerdas radicais não percebem. As pessoas comuns, desde os anos 1980, e cada vez mais, começaram a achar graça nas instituições e nas lutas institucionais. Política, assunto de brancos ricos, começou a ser também de pardos, negros, índios e brancos pobres.

Esta é uma novidade óbvia, senhores e senhoras das elites brancas (a expressão é de Cláudio Lembo, líder conservador). Se Vossas Excelências puserem o ouvido no chão, talvez sejam capazes de ouvir o tropel que se aproxima. Se olharem para o mar, vão ver o tsunami que vem por aí. Na história desta república, só antes de 1964 houve coisa parecida com o que está ocorrendo agora. Entretanto, na época, os movimentos populares queriam muito e muito rápido. Não deu. Veio o golpe, paralisou e reverteu o processo. Agora, não. A multidão come pelas bordas, com paciência e moderação, devagar e sempre, mas a fome destas gentes é insaciável.

Quando as pessoas comuns compreendem os benefícios da democracia, querem para elas também. É raso imaginar que tudo se esgota no pão.

O pão quentinho é gostoso, quem não gosta? É mais do que isto, porém: os comuns querem a cidadania. Plena.

Querem jogar o jogo político como gente grande, como antes só os brancos ricos faziam. Uma grande inversão.

Vai dar? Não vai dar? Veremos. Mas uma coisa é certa: não vai ser tão fácil deter esta onda."

6 comentários:

barreto disse...

Prezado Roberto. Não vou entrar no mérito político partidário da questão. Apenas, como simples brasileiro, gostaria que nossos gestores, tivessem uma visão maior de Mundo, pois, ainda agora, o MPF acaba de denunciar os últimos dirigentes do DINIT Regional por Improbidade Administrativa, ao não aplicarem, com o devido zêlo, as verbas alocadas para manutenção da BR 356 (Trecho Muriaé-São João da Barra). Tenho certeza que você não compartlha desta forma de governar. Entao...

ruivo disse...

dificil segurar a onda vermelho.

tenho constatado tbm q o povo ja nao cai mais nas armadilhas do PIG. fizeram de tudo pra manchar a candidatura de Dilma nesses ultimos dias, e mesmo assim ela so cresce nas pesquisass.

Anônimo disse...

Acho o seguinte:

Primeiramente, o bolsa família é voto certo. O brasileiro vota por R$ 50,00 no dia da eleiçãop; é claro que ele não vai querer correr o risco de perder o bolsa família, uma renda mensal certa~.

São cerca de 12 milhoes de beneficiados, que pode se multiplicar por dois ou três (pai , mãe, irmão do beneficiado).

Portanto, uns 30 milhões de votos são certos para a Dilma.

O restante´dos votos é que está na disputa. E como a oposição está muito fraca,teria muito a dizer do Governo do PT, mas não tem a capacidade de fazer (mensalão, tunga nos aposentados, estradas precárias, criminalidade cresxcente, saúde continua a mesma coisa - péssima, etc, a Dilma vai se passando por boa moça e vai ganhar fácil as eleição.

Anônimo disse...

O povo não é mais bobo não!
Serra acabou politicamente!
O povo quer comida na mesa, educação para os filhos e a maioria não ligariam a mínima de mostrar sua declaração de imposto de renda, porque o governo não encontraria nenhuma falcatrua nela!
Quem não deve não teme!

Anônimo disse...

A política econômica do Lula é amesma do Fernando Henrique. Cambio flutuante, metas de inflação, responsabilidade fiscal. O Brasil vem crescendo (poderia ser melhor) porque o PT segue a lição do FHC.

Aliás, na epoca do FHC o PT votava contra tudo, só para atrapalhar, torcendo para a economia não funcionar direito.

A política econômica do Lula é a mesma do FHC, porém sem um PT na oposição tentando atrapalhar.

douglas da mata disse...

Engraçado, a "política econômica é a mesma", mas só os resultados são diferentes:

2002- U$ 17 bi de reservas, 2010- U$ + de U$ 200 bi,

cotação do dólar em 2002- 3.97 reais por dólar, após corrida de capitais que só não ameaçaram as eleições pelo socorro de 40 bi de dólares do FMI, às portas das eleições.

cotação do dólar em 2010- R$ 1.75 por dólar.

salário mínimo em 2002-menos de cem dólares, hoje- mais de 300;

emprego em 2002- entre 10 e 12 %, hoje- mais de 10 milhões de empregos criados.

taxa média do PIB 93 até 2002, 2%
contra 5% no período entre 2003 e 2010.

crises do período- Rússia e México, muito menores que a crise global de 2008/09.

mais alguns resultados:

20 milhões deixaram a linha da pobreza, crescimento da renda média do trabalhador, a maior da história, desde o início das mediçoes, e por aí vai.

Eu pergunto: se é tudo igual, e enfrentamos uma crise muito maior, como se explicam resultados tão distintos?

Será que o guru do Serra ou algum prestigitador econômico demotucanalha se arrisca a explicar?