O fenômeno da demanda cultural da classe C

Mais uma vez o blog mostra como é possível fazer um jornalismo de qualidade com reportagens que trazem informação qualificada, opinião e problematiza o tema, sem imaginar que o leitor é um ser passivo. O jornal Valor, além de ser trazer informações econômicas e políticas atualíssimas, costuma trazer discussões sobre temas, que ainda não foram alvo das pautas repetitivas da “velha mídia”. A publicação possui um caderno que circula, às sextas-feiras, chamada “Eu & Fim de Semana” que costuma trazer excelentes matérias, que via de regra é basicamente, cultural.

Nesta última, edição a matéria de capa possui um total de seis páginas enfocando um perfil diferente da classe C, vista quase sempre sobre a sua nova capacidade de consumir, mostrando a forma e os interesses de inclusão cultural da nova classe média. É uma matéria que vale a pena ser lida, na simples opinião do blog que escolheu três trechos para postar abaixo e, assim, estimular a sua leitura na íntegra aqui. (A matéria no Valor não é disponibilizada na íntegra para não assinantes)

Infelizmente, o blog não conseguiu localizar na internet uma entrevista complementar à matéria, feita com o sociólogo, Danilo Miranda, campista, radicado há muito tempo em São Paulo, onde é diretor regional do Sesc, que é entrevistado em diversos momentos da reportagem e emite opiniões interessantes sobre a cultura, como elemento de consciência de si, do outro e do seu entorno:

...”Ao abrir sua empresa Limo Inc. em 2008, as publicitárias Laura Chiavone e Ana Kuroki escolheram concentrar esforços na classe C, camada, segundo elas, pouco contemplada pelo planejamento estratégico das empresas. Pesquisando o público-alvo, constataram um fato curioso. Questionados sobre o que mais os surpreendia na vida, 46% dos entrevistados responderam que era "saber mais do que jamais teria esperado", à frente de "poder comprar mais" (36%), "sonhar mais" (35%) e "estudar mais" (34%). O resultado indica o peso que o conhecimento e a cultura têm nas preocupações da nova classe média, concluíram, e coloca em evidência uma avidez tão grande pelo acesso a atividades culturais quanto a bens de consumo.”...

..."Cultura e educação são facetas de uma mesma realidade. Se a preocupação for só com a educação formal, para o emprego, o que se cria é um país problemático para o futuro. É preciso discutir a educação do ponto de vista mais amplo possível. É educação humanista, aberta, que dá visão de mundo, perspectivas para a realidade, consciência de si, consciência do entorno, consciência do outro". A forma como se apresentam esses fenômenos aponta um caminho para responder se a prosperidade do brasileiro é passageira ou para ficar.”...

...“As pesquisas de Laura Chiavone e Ana Kuroki também evidenciaram uma procura por ampliação do repertório cultural, que passava despercebida no planejamento das empresas. "Logo vimos que o poder de compra era só o primeiro passo. Perguntando sobre as preferências de consumo, ficou evidente quanto o repertório das pessoas havia se expandido. Era uma ampliação do campo de visão, dos assuntos pelos quais se interessavam e que queriam e conseguiam discutir", relembram. Para ilustrar o argumento, evocam a pirâmide de necessidades humanas proposta pelo psicólogo americano Abraham Maslow. Na base, as prioridades são fisiológicas e imediatas. Correspondem a um estado de miséria: alimentação, respiração, sono. Quando essas necessidades são satisfeitas, as demandas se tornam complexas e atravessam fases que vão de segurança e estabilidade a moralidade e família, até atingir a realização pessoal e outras ambições mais abstratas.

À parte a parcela da população que ainda vive na miséria, o fenômeno que chama a atenção é de um contingente que, já incorporado ao consumo de massa, vislumbra a possibilidade de escapar da pobreza definitivamente e manter uma carreira próspera. O caminho está na educação, como manifesta a expansão universitária. "Mas rapidamente a educação se revela também cultura", dizem as publicitárias.”...