"Concluí a faculdade de arquitetura e urbanismo, no Rio de Janeiro em 1990, e me lembro claramente da frase do paraninfo da turma: “O século XX é um século perdido, se temos facilidades no dia-a-dia, uma vida de qualidade, devemos dar graças aos avanços conquistados no século XIX.” Sendo assim, nenhuma frase se encaixa melhor no contexto político de Campos dos últimos vinte anos, do que a célebre dita, no século XIX, por Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar a alguns por todo o tempo. Mas não se pode enganar a todos por todo o tempo.”
Naquela ocasião, anos 80/90, Campos consolidava sua luta pelos royalties do petróleo para anos mais tarde, a partir de 1997, dispor das transferências destes recursos para serem aplicados na infra-estrutura geral da cidade visando atenuar os impactos relacionados à extração do petróleo e todas as atividades que seriam atraídas. O aspecto urbano da questão será o foco de nossa reflexão, haja visto que de lá para cá nada substancialmente mudou: há carência de infra-estrutura, especialmente de equipamentos e mobiliários urbanos, a aglomeração urbana continua desordenada em bairros surgindo
quase que espontaneamente, em meio aos vazios urbanos, e a população caminha sem esperanças de qualificação e bom emprego “pendurada” no comércio e na prefeitura. Não estaremos fazendo uma avaliação sócio-econômica, pois existem várias devidamente feitas por pessoas mais qualificadas do que eu.
O cenário urbano de ocupação que tínhamos, não contava com os atuais bairros: Parque Esplanada, Parque Alphaville, Parque Julião Nogueira, dentre outros, a Avenida Dr. Sílvio Bastos Tavares (Estrada do Contorno) era a partir de pouco mais adiante do DNIT, um caminho de terra batida e esboçava um viaduto em meio ao canavial, feito no peito e na raça por Dr. Raul Linhares, em sua administração. A UENF, teve em 1989, a inclusão de sua previsão na Constituição Estadual, por mobilização da sociedade organizada, não existindo portanto os condomínios fechados e bairros de seu entorno. A Avenida Pelinca era uma sequência de residências, algumas escolas e terrenos vazios –
chequei a jogar bola onde hoje é o Centro de Compras e estudei onde é o ParqueCentro Shopping. Não existiam, também, o Bairro Flamboyant, o Parque Imperial e bairros vizinhos. Campos aglomerava-se nos bairros próximos ao Centro Histórico, Turf Club, IPS, Parque Leopoldina, Parque Rodoviário, Parque Guarús, ao longo das margens da Ferrovia, do Rio paraíba do Sul e da Avenida 28 de Março. A área nobre era o Parque Tamandaré. Dois eixos determinavam a ocupação, sendo o primeiro ao longo da BR-101 Norte, polarizado por Travessão e outro em direção ao litoral – baixada campista, polarizado por Goytacazes. O cinturão das usinas canavieiras continha a expansão urbana horizontal, desta forma, a solução foi aumentar o adensamento nos vazios urbanos e iniciar o processo de verticalização, via PDUC de 1979, porém as áreas priorizadas continuaram sendo as impróprias ao desenvolvimento urbano, ou seja, o lado direito do Rio Paraíba do Sul, pois a área adequada, segundo a geologia, ao desenvolvimento urbano é a norte do município, margem esquerda, onde está o Distrito de Guarús, vitimado pelo preconceito e descaso do planejamento, com a direção indicada pelo Plano Urbanístico de 1944, descaso este que propiciou o adensamento hiper-desordenado, com pouca infra-estrutura conforme constatações atuais. Guarús é cenário, inclusive, de um dos maiores crimes ambientais: aterro e urbanização da Lagoa do Vigário.
Hoje, o ambiente global do município contempla todos os bairros que mencionamos, apenas preenchendo os vazios urbanos - com o Alphaville na sua versão III, por exemplo – também a implantação da Avenida Alberto Lamego se destaca, sendo o cenário agravado pelo intenso processo de verticalização, que tem na Avenida Pelinca seu exemplo maior, expandindo-se o seu novo alvo nas adjacências do Parque Pelinca e Parque Leopoldina, este que mudará o perfil de ocupação diante da nova Avenida Perimetral Arthur Bernardes e da forte centralidade imposta pelo verdadeiro Shopping
Center que fora recentemente inaugurado sem a devida responsabilidade do poder público municipal, de forma conturbada, prejudicando e colocando em risco de vida vários moradores, pelo improviso do acesso. Todos os bairros apresentam sérios problemas, como exemplificam as reportagens de um jornal local, especialmente a de 17 de junho de 2011, sobre o Parque Julião Nogueira.
Anúncios na liberação de milhões são feitos e as ênfases das aplicações estão nas remodelações duvidosas de praças, Conjuntos Habitacionais com infra-estrutura das ruas, lotes e calçadas comprimidos, em desacordo com a Lei de Parcelamento, obras do Canal Campos-Macaé, além de um Centro de Eventos mal implantado. É a cidade de cabeça prá baixo, na medida em que ao contrário de remodelar as praças os recursos deveriam contemplar reformá-las e criar Parques Urbanos Municipais, de modo a garantir as reservas estratégicas de arborização urbana, principalmente na qualidade de vida das pessoas que caminham e se exercitam em meio aos veículos, diariamente, respirando monóxido de carbono. Continuamos carentes de equipamentos urbanos adequados, como Parques Urbanos, Praças, Centros Culturais, Hotéis, Hospitais, Teatros, Museus, Biblioteca, Jardim Botânico, Jardim Zoológico, Áreas Públicas de estacionamento rotativo, bicicletário, etc. Também, o Mercado Municipal está abandonado, ignorado, sem o devido tratamento. Idem para Parque Alberto Sampaio.
Outro evento que entra para os de improviso e má aplicação de recursos, se refere aos Conjuntos Habitacionais, cujo a infra-estrutura viária pretere os seus moradores do mesmo direito à cidade dos demais cidadãos, lá as ruas e calçadas são menores do que a Lei determina, os lotes de esquina idem, mas não é de se espantar devido a ingerência da EMHAB, que opera na ilegalidade, diante do Art. 105, II, do Plano Diretor Municipal, pois tem em sua estrutura de comando técnica e organizacional um lamentável exemplo de desconhecimento e despreparo para o enfrentamento das questões relativas à habitação, urbanização e saneamento. O ponto positivo está restrito as rotas acessíveis implantadas nos passeios públicos destes conjuntos, certamente um feliz acidente.
As obras da Avenida José Alves de Azevedo, sofrem do mesmo sintoma, trata-se de uma obra mal idealizada do ponto de vista urbanístico e paisagístico, que muito comprometerá a identidade urbana da cidade pelo “camuflar” do Canal Campos-Macaé, patrimônio histórico, em vez de valorizá-lo.
Isso sem falar que mais parece “obra de igreja”, pois se arrasta por longo tempo causando transtorno, poluição e engarrafamento diário, com fator de custo-benefício ruim. O Centro de Eventos Populares, CEPOP, levará sérios problemas de fluxo viário, e de turismo, devido a estar em local que induz o trânsito pelo interior do município, em detrimento do uso das avenidas perimetrais, sem qualquer infraestrutura da rede hoteleira, transporte e de serviços. Chama a atenção, principalmente, por estar
localizado em zona residencial de baixo impacto, como foi aprovado? Foi feito estudo de impacto de vizinhança ? Passou por análise do Conselho Municipal de Meio-Ambiente e Urbanismo? Entendemos que é produto da inconsequência e vaidade, como a ponte da Avenida Hélio Póvoa, empurrada goela a baixo, crivada de contra-indicações pelo Conselho Municipal de meio-Ambiente e Urbanismo à época, Conselho que está travado e emudecido atualmente, para não dizer omisso.
O município que já teve na construção de quiosques em praças o símbolo medíocre de qualidade do mobiliário urbano, não muda amigos e, continua de cabeça prá baixo. O mais incrível é que atualmente não se pode sequer usar o surrado argumento da falta de recursos, eles existem, cerca de três milhões por dia e são pessimamente utilizados. O momento é de investir na infra-estrutura de energia, água e esgoto, T.I. e transporte, especialmente, por ser este indutor de desenvolvimento, para garantir renda à população devido aos novos investimentos e empreendedores, atraídos pelo capital internacional que já aportou, confluente com a lógica urbano-territorial brasileira, mas a cidade está de cabeça prá baixo e obstruções como as das Avenidas Messias Urbano (Guarús), São Fidélis (Leopoldina), Princesa Isabel (Alphaville), Nossa Senhora do Carmo (Capão), sequência de condomínios fechados na Avenida Nilo Pessanha, construções ilegais nos afastamentos frontais dos lotes, mobilidade urbana prejudicada, ausência de alternativas inter-modais de transporte, representam sérios desafios a serem suplantados para que tenhamos um município que não apenas preencha vazios, embalado pelo engodo, mas que ofereça novos horizontes com qualidade de vida e oportunidades aos seus moradores de hoje e de amanhã, e verdadeiramente se desenvolva, dependendo de a sociedade organizada reagir, senão queridos, teremos que aprender a viver com os morcegos, afinal a cidade está de cabeça prá baixo!
Renato C.A. Siqueira
Arquiteto e urbanista
Perito técnico
Professor."
11 comentários:
Vi só crescer o número de bares, botequins e afins, enquanto que não vi surgir ambientes para a prática de esportes, como campos de futebol, quadras de voley e basquete, pistas de atletismos, dentre outros, em quantidades razoáveis para uma população se desenvolver de forma saudável, muito pelo contrário, os espaços que tinham foram extintos ou esquecidos.
Em Campos, manda quem não pode e obedece quem não tem juízo. Isso aqui é uma zona ! Comércios ilegais, construções fora dos padrões exigidos pela prefeitura, bairros inteiros sem calçamento e sem água, esgoto e serviço dos correios (Novo Jóquei, por exemplo). Isso aqui é o caos ! Como pode a secretaria de saúde fazer propaganda de combate a dengue se no Jóquei existem carcaças de veículos abandonadas a céu aberto ? Isso tudo só pode ser uma brincadeira de mal gosto ! A posturas não funciona, trata-se de um órgão de fantasia.
Estou aqui a 11 anos e estou de saco cheio dessa cidadela de bosta. Quando me aposentar nunca mais volto aqui !
Será que existe cidade diferente da nossa em algum lugar ?
Excelente Raio-x de nossa cidade; péssima a realidade que desnuda. Campos é o tipo de cidade com uma base boa: avenidas largas e solo plano... mas incrivelmente estão conseguindo superar isso e produzir o cáos urbano pela inoperância dos responsáveis
PARABÉNS PELA LUCIDEZ DO ARTIGO:
PENA QUE VIVEMOS DE MUITA MÍDIA E POUCA COMPETÊNCIA!!!
O que mais me incomoda aqui e não me conformo, é com a ausência de áreas verdes como parques municipais onde possamos passar uma tarde de descanso, além de não haver calçadas, refúgio e prazer para a população! A predominância na paisagem são os veículos (a cidade é deles) e o estresse causado pelos mesmos, com a poluição, o caos, barulho, etc. Até quando vamos tem que viver com essa qualidade de vida ruim, não temos voz! Ainda tem gente que diz que a cidade é maravilhosa, isso porque não tem referências. do que seja uma cidade agradável e se acostumam a viver nesse purgatório! O nome disso é Ignorância e descaso com uma cidade com tamanha verba!
Leonardo
desde quando Campos é uma cidade provida de avenidas largas?
Nem avenidas largas, nem calçadas.
Mas isso não é privilégio de Campos.
Avenidas largas, nunca! Uma boa localização geográfica, um belo rio uma grande área, dinheiro e um enorme potencial, e o que se faz? A propósito...cadê as calçadas? Totalmente irregulares e estreitas, você não consegue andar 5 metros em linha reta.
É importante citar as calçadas, estão relacionadas a mobilidade urbana, que temos tratado nas últimas semanas pela imprensa. O município inclusive está sob o TAC com o Ministério Público, relativo ao assunto. O número é: IC 10/2008.
PARABENS!!! Nesse tempo que vc cita, só vi ricos ficando mais ricos e pobres ficando mais e mais no bolço dos politicos, porque se manifestarem são demitidos e mais esculachados pelo sistema.
Primeiramente gostaria de parabenizar pela boa reflexão em torno da cidade de Campos. Não só por esse texto “raio-x”, mas pela atuação do ator (a quem tive a oportunidade de conhecer a alguns poucos anos) junto a sociedade civil.
Não resido em Campos, mas a conheço por ter estudado por 4 anos na cidade. Não tenho ideia como era a cidade em anos anteriores, mas fiquei decepcionado ao deparar com a infra-estrutura da cidade. Achei que Campos fosse mais atrativa aos moradores e aos seus visitantes, uma fez que trata-se de uma municipalidade marcada por vultuosos recursos públicos. O que notei logo nos primeiros dias que a prática do principio da causação circular (investimentos sobre investimento em algumas áreas e outras abandonadas) é marcante. Um dos comentaristas desse post afirmou que a situação de Campos não é exclusiva da cidade. Concordo, mas a capacidade de investimentos que o poder público tem nas mãos é quase que exclusivo, quando comparado com os quase 5 mil municípios brasileiros. Campistas, não durmam com os morcegos, como o Siqueira adverte! Vocês podem (e devem lutar por isso) dormir em bons colchões!
Siqueira, obrigado pela voz! Mesmo que esteja clamando no deserto... continue.
Postar um comentário