terça-feira, outubro 04, 2011

O pequeno e o grande poder

Em épocas de grandes disputas pelo poder é sempre interessante analisar o comportamento das pessoas diante dele. Tendo a preferir as análises sociológicas, de caráter mais coletivo ou de grupos, do que as observações e pesquisas que buscam na personalidade e na individualidade, razões do interesse humano para ter e sustentar o poder.

Ainda assim, julguei interessante o artigo da colunista do Financial Times, Lucy Kellaway, em artigo que é replicado pelo Valor, quinzenalmente, as segundas e desta forma foi publicado ontem, 3 de outubro de 2011. Leia, analise e tire suas conclusões.

Particularmente, mesmo considerando que a análise da colunista e das pesquisas citadas parece fazer um recorte da questão, preferindo a discussão comportamental a uma análise política, o artigo suscita um debate sobre o poder que parece interessante. Na política, muito se fala hoje, que as pessoas se pautam mais na expectativa de poder, do que propriamente no usufruto do atual. Enfim, leia e comente abaixo sua opinião:

“O pequeno poder torna as pessoas mais cruéis e grosseiras”

"Na semana passada, estive no escritório de uma conhecida companhia para entrevistar seu presidente-executivo. Na recepção, um segurança me deu um crachá mas não me deixou passar pela catraca, alegando que eu havia prendido o crachá em minha bolsa, e não em meu casaco.

Quando fiz o que pedia, ele me deixou entrar, mas não sem antes me alertar, irritado, de que eu não poderia sair se o crachá não fosse devolvido intacto. Do outro lado da barreira, o CEO esperava, cheio de charme e cortesia.

O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente, conforme escreveu Lord Acton de maneira memorável. Mas acho que ele não estava completamente certo. Na minha opinião, o poder pode corromper, mas o poder absoluto corrompe bem menos que o poder parcial - conforme demonstra o caso envolvendo o segurança e o presidente-executivo.

Essa tese é sustentada por um novo estudo que mostra que as pessoas que têm um pouco de poder, mas não possuem status, podem se comportar de maneira grosseira e ter prazer humilhando os outros.

O estudo, que será publicado no "Journal of Experimental Social Psychology", descreve uma experiência em que estudantes foram orientados a dar ordens a outros. Aqueles designados para funções mais modestas tenderam a se deliciar ao forçar pessoas a fazerem coisas humilhantes - como fazê-las latir como um cachorro -, enquanto aqueles que receberam um status mais elevado trataram as pessoas com mais respeito.

Ler essa experiência me levou direto para uma cena de tortura e crueldade ocorrida seis semanas atrás no aeroporto de Heathrow. Eu havia chegado absurdamente cedo para embarcar meu filho em um voo para os Estados Unidos. Mas, após uma espera interminável no balcão da Delta, descobri que havia esquecido de conseguir um visto eletrônico para ele.

Então, teve início uma peregrinação pelo aeroporto na busca por um computador para digitar as informações e, finalmente, conseguir o visto. Depois, corremos de volta para o check-in, onde um homem com um walkie-talkie olhava para seu relógio. Ainda faltavam 58 minutos para o avião decolar, mas ele gesticulou com a cabeça: tarde demais. Meu filho começou a chorar. Eu implorei, humilhei-me e teria facilmente latido como um cachorro.

"Sinto muito, madame", disse ele com a voz menos pesarosa que já ouvi. Em seus olhos havia um brilho sádico. Ao relatar isso, não estou dizendo que todas as pessoas com funções mais modestas gostam de tiranizar uma mãe incompetente e histérica; alguns deles são muito gentis.

No entanto, há uma síndrome assolando as pessoas com cargos mais baixos que tende a ser subestimada na teoria administrativa. Frequentemente observamos que as pessoas no topo da hierarquia são tiranas, mas nos esquecemos de que as pessoas que estão mais abaixo na pirâmide podem ser ainda mais. O que não se trata realmente de uma surpresa: se eu fosse segurança ou trabalhasse no inferno de Heathrow, também seria muito malvada.

Os pesquisadores afirmam que a melhor maneira de desencorajar a tirania nos escalões mais baixos é ter certeza de que os cargos não serão um beco sem saída e que será possível progredir na empresa. Não concordo. As pessoas mais grossas com quem trabalhei eram administradores menos graduados, empenhados em subir na hierarquia.

Lembro-me de um determinado homem com quem trabalhei brevemente quando tinha meus 20 e poucos anos. Ele estava apenas um degrau acima de mim, mas, mesmo assim, costumava se deliciar lendo em voz alta os erros dos meus textos para que toda a redação ouvisse.

Hoje ele tem, de fato, um belo cargo e é bem menos desagradável. Encontrei-o em uma festa outro dia e ele até chegou a fazer uma piada consigo mesmo. É verdade que nem todo mundo fica mais civilizado quando sobe na hierarquia. Gordon Brown não ficou mais polido por causa da experiência no poder. Assim como Joseph Stalin.

Mas, para a maioria das pessoas, o sucesso parece significar que elas ficaram mais visivelmente agradáveis. Elas são mais confiantes e não dão tantas cotoveladas. Seus cargos são mais interessantes e todos os bajulam. Como se isso tudo não fosse suficiente, sempre há o consolo da remuneração estratosférica.

O poder absoluto não torna boas as pessoas ruins, mas há menos necessidade de ser desagradável apenas por diversão. A corrupção funciona de uma maneira diferente no topo: as pessoas realmente poderosas desaparecem em uma névoa de vaidade de tal forma que as outras pessoas não são importantes o suficiente para serem torturadas ou merecer consideração.

Se alguém duvida disso, posso citar outra pesquisa que será publicada em breve pela Organisational Behaviour and Human Decision Processes. Ela prova que os poderosos não prestam atenção nas outras pessoas. A única surpresa aqui é que foram precisos quatro acadêmicos da Universidade de Nova York e dois anos e meio para se chegar a uma conclusão que todo mundo já conhecia.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira.”

7 comentários:

Pedro disse...

professor, o tre publicou agora pouco a decisão do MS 66159, veja lá.

Roberto Moraes disse...

OK. Trata-se da informação da publicação do teor da decisão no Mandado de Segurança, transcrita abaixo:


"Vistos etc.

Nos termos da jurisprudência dos Tribunais Superiores, não é cabível mandado de segurança contra decisão judicial que se sujeita a recurso específico, como no caso em análise.

Tal entendimento encontra-se consolidado, a teor do verbete nº 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".

Com efeito, cinge-se a peça vestibular a manifestar o inconformismo dos impetrantes com a decisão proferida pelo Juízo da 100º Zona Eleitoral, não restando configurada qualquer ofensa à direito líquido e certo passível de ser amparado em sede mandamental.

Ora, a pretensão dos impetrantes restringe-se à atribuição de efeito suspensivo à decisão que julgou procedente o pedido formulado em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a estes manifestamente desfavorável.

Assim, e por entender que o presente writ não é o instrumento cabível para se alcançar a pretensão deduzida, indefiro liminarmente a inicial do mandado de segurança, nos termos do art. 10, caput, da Lei 12.01612009."

Anônimo disse...

Excelente artigo. De certa maneira sou um preguiçoso que espero sua seleção para ler o melhor... obrigado por seguir em frente.

Fernando disse...

Prezado,Roberto
A pesquisa de certa forma concretiza aquilo que de uma forma genérica já percebíamos.Acredito que as grosserias impostas por muitos que detém o chamado pequeno poder,acontecem por ser o único diferencial capaz de ser externado junto a comunidade que os cercam ou ocasionalmente como uma forma de vingança do indivíduo revoltado por falta de visibilidade social.
Isto é o ser humano...

Anônimo disse...

Eu discordo em genero numero e grau. Todos sabem que as pessoas gostam de humilhar akeles que julgam ter tarefas menores e sem status social. Assim é com o "guardinha de transito" só pra dar um exemplo. Enquanto o pobre tenta organizar dentro da lei suas atribuições, é achincalhado pela população que não o respeita. Só pra dar um exemplo... Como não se revoltar???!!!! e ser grosseiro??!!!

Blog Católico do Leniéverson disse...

Professor, me permita colocar uma notícia que acabei de ver no site da Folha e que tem a ver com o seu post em questão

"04/10/2011 - 19h06
Juíza manda vereador assumir Prefeitura de Marabá


FELIPE LUCHETE
DE SÃO PAULO

A juíza Cláudia Favacho determinou na tarde desta terça-feira (4) que o presidente da Câmara Municipal de Marabá (PA), Nagib Mutran (PMDB), assuma a prefeitura da cidade por cinco dias.

Ela cassou ontem o mandato do prefeito Maurino Magalhães de Lima (PR) e do vice dele, Nagilson Rodrigues Amoury (PRB), por considerar que houve caixa dois durante a campanha eleitoral de 2008. A defesa de ambos nega.

Assessores de Mutran, vereador da base aliada do prefeito, disseram que ele já assumiu a cadeira.

Até o início da tarde, a defesa de Magalhães dizia que ele continuava prefeito, porque havia conseguido uma liminar na segunda instância do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) que suspende o andamento do processo de cassação.

A dúvida sobre qual determinação seguir gerou "instabilidade administrativa" no município, segundo a vereadora Irismar Sampaio (PR), vice-presidente da Câmara. Ninguém sabia dizer quem era o prefeito de Marabá --cidade cotada para ser capital do Estado de Carajás, caso o Pará seja dividido no plebiscito que ocorre em dezembro.

Para a juíza, sua sentença foi publicada antes que a liminar chegasse, por isso a decisão da segunda instância não vale.

O juiz José Rubens Barreiros de Leão, relator da liminar, disse à Folha que o juíza está descumprindo a hierarquia da Justiça. Mesmo que a sentença já tivesse sido publicada, segundo ele, Favacho não poderia notificar outras pessoas para assumir o cargo.

Ontem, a juíza convidou o segundo colocado nas urnas em 2008, o deputado estadual João Salame Neto (PPS), para assumir a prefeitura. Ele tinha 24 horas para responder, mas conseguiu hoje mais cinco dias para dar a resposta.
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/poder/985636-juiza-manda-vereador-assumir-prefeitura-de-maraba.shtml
"

Anônimo disse...

É isso aí! As pessoas tendem a menosprezar os ditos pequenos poderes. Assim o é com o guardinha de transito(muito bom exemplo). Só que estas mesmas pessoas não consideram, como a escritora do artigo, que esses donos dos pequenos poderes estão ali o dia inteiro lidando com pessoas de todos os tipos e expostos, enquanto a madame fresquinha quiz passar por cima das regras, pq deve se achar especial.