O arquiteto Janot fez uma crítica, em seu
artigo publicado sábado, em O Globo, sobre
os hábitos modernos do consumismo que vão modelando a vida nas cidades, que
assim vão ficando cada vez mais iguais, entre aqueles que identificam no consumo
a razão de trabalhar e de viver. Há algo melhor a se fazer em nossas vidas.Vale a nossa reflexão:
“Templos para o consumo”
“Há um
contingente significativo de pessoas que acham normal viver enfurnadas em
shoppings”
Luiz
Fernando Janot – Publicado em 19/05/12 em O Globo
“Com a
consolidação da sociedade industrial, a partir da segunda metade do século XIX,
diversas cidades europeias passaram por um processo radical de urbanização para
se adequarem às transformações econômicas e sociais que ocorriam naquela época.
Paris foi a cidade que melhor representou esse momento com a construção de um
espetacular conjunto de avenidas, praças, parques, monumentos, belos edifícios
residenciais e uma grande variedade de lojas e magazines sofisticados. Até hoje
essa valiosa imagem se mantém conservada e despertando admiração nos que lá
vivem ou que visitam a cidade. Trata-se, sem dúvida, de uma época significativa
para a evolução urbana das cidades e a valorização das suas áreas centrais.
Com o
passar do tempo, novos modelos de ocupação urbana começaram a aparecer,
especialmente nas cidades americanas. Nova York, durante a primeira metade do
século XX, se tornou o paradigma da cidade verticalizada e símbolo de uma
modernidade renovadora. No entanto, com a popularização do automóvel e a
construção de autoestradas, uma parte considerável da próspera classe média
americana optou por morar em aprazíveis bairros residenciais na periferia e se
locomover diariamente para trabalho localizado no centro da cidade. Essa
tendência levou grupos empresariais a construírem, às margens das rodovias,
diversos supermercados e centros comerciais para atender à demanda cotidiana dessa
população itinerante. Da mesma forma surgiram os primeiros shoppings
periféricos. Em geral, eram edificações desprovidas de qualquer preocupação
estética que se assemelhavam a grandes caixas retangulares fechadas enfatizando
apenas o caráter utilitário do empreendimento. Com o passar dos anos, esse
despojamento inicial foi sendo substituído por projetos mais aprimorados para
atrair novos consumidores.
No Rio,
essa tipologia de estabelecimento comercial despontou, nos anos 1980, na Barra
da Tijuca, onde o planejamento urbano privilegia os grandes espaços privados de
uso coletivo como alternativa aos espaços públicos tradicionais. À medida que
esse modelo foi se incorporando aos hábitos de vida da população, os
empreendimentos se multiplicaram e aquele vasto território se transformou na
maior concentração de shoppings da cidade. Do dia para a noite, esses
equipamentos deixaram de ser exclusivos para compras e se tornaram, também,
espaços para o lazer e o entretenimento. Ao fazer desse comportamento uma rotina,
talvez uma parte significativa da população carioca esteja virando as costas
para o valioso patrimônio natural e cultural que a cidade do Rio de Janeiro
possui. Ou será que a exuberância do Rio já não é mais suficiente para
contrapor a sofreguidão consumista que enclausura nos shoppings uma parcela
considerável da sociedade? A resposta para essas questões exige uma reflexão
apurada, principalmente quando se entende que o espaço público é, por natureza,
o lugar ideal para o convívio democrático entre as diferentes camadas que
constituem a sociedade.
É verdade
que, nos últimos anos, a noção de cidade vem passando por uma radical
transformação. Hoje, já existe um contingente significativo de pessoas que
consideram absolutamente normal viver enfurnadas em shoppings e em
megacondomínios multifuncionais sem contato direto com a cidade. São pessoas
que, além de adotar um comportamento segregacionista, não medem as
consequências negativas que a privatização dos espaços públicos causa nas
cidades brasileiras. Todavia, não se pode negar que a proliferação dos
shoppings se deve, também, à paranoica procura por segurança e a sua
caracterização como uma espécie de território protegido dos conflitos da
cidade.
Atualmente,
no Rio, se nota a presença de grandes shoppings em bairros pobres que sequer
possuem rede de esgoto e ruas asfaltadas. O contraste perverso entre esses
locais sem infraestrutura e os bem cuidados ambientes dos shoppings contribui
para a valorização dos espaços privados e a desvalorização dos espaços públicos.
Para os moradores dessas áreas da periferia, os shoppings são vistos como
verdadeiros templos para o consumo. Em sociedades com fortes desigualdades
sociais, como a nossa, a cultura do consumismo desenfreado exacerba um estilo
de vida que não está ao alcance de todos e, consequentemente, provoca
frustração e discriminação social. Para que o Rio consiga se tornar, de fato,
uma cidade sustentável e possuidora de uma urbanidade solidária nos espaços
públicos é indispensável rever certos conceitos urbanísticos que estimulam a
construção indiscriminada de shoppings em qualquer lugar da cidade.”
Luiz Fernando Janot é arquiteto urbanista. E-mail:
lfjanot@superig.com.br.
3 comentários:
Olha professor... eu, que era contra a tal "shopinização" da vida... agora torço para sair do meu bairro far west Jóquei para dar um pulinho no Shoping ver a civilização. Ô coisa boa !
Quero aproveitar esse trecho para comentar.
" O contraste perverso entre esses locais sem infraestrutura e os bem cuidados ambientes dos shoppings contribui para a valorização dos espaços privados e a desvalorização dos espaços públicos. Para os moradores dessas áreas da periferia, os shoppings são vistos como verdadeiros templos para o consumo. Em sociedades com fortes desigualdades sociais, como a nossa, a cultura do consumismo desenfreado exacerba um estilo de vida que não está ao alcance de todos e, consequentemente, provoca frustração e discriminação social. "
Eu discordo em parte, creio que os shoppings sejam centro de consumo, mas não acolho a idéia de que shoppings desvalorizam a área, muito pelo contrário, valoriza.Seguindo o raciocínio do comentarista anterior disse, eu não vejo a hora de esse shopping que está previsto para ser construído onde é atualmente é o Rio Branco, ao lado do HGG, em Guarús. As pessoas de bairro de periferia também vão a esses lugares, tambem consomem, vão a cinemas, passeiam, entre outras coisas.Nós 'guarulhenses' quando queremos ver filmes no cinema como o "Os vingadores", temos que pegar um carro ou ônibus para ir ao Shopping Avenina 28 ou o Shopping Boulevard, quando uma pessoa quer comprar uma roupa de marca, a mesma coisa.Não quero interpretar a fala dele como um preconceito, mas eu acho que o que se deve desconcentrar aquilo que está concentrado demais.
O nobre arquiteto e urbanista tem razão em grande parte de sua análise, especialmente nas consequências das relações dos habitantes com suas cidades devido a extensão territorial desproporcional, a cidade renascentista sofreu com isso. Também tem razão na falta de contra-partida ambiental pela implantação dos grandes empreendimentos, apesar de existirem instrumentos de gestão urbana, como Estudo de Impacto de Vizinhança, Outorga Onerosa e Plano de Ordenamento do Território (POT), dentre outros. Como maior implicador nestas questões está a lógica que privilegia o automóvel, e desmonta a noção de espaço público próximo, rareando equipamentos urbanos, como as praças por exemplo, que além de proporcionarem encontros, são verdadeiros elementos estratégicos que podem ser utilizados no controle ambiental das cidades,seja pela preservação de áreas infiltráveis, seja pela arborização urbana, visto os nossos logradouros serem cada vez mais impermeáveis e desarborizados.
Contudo, no caso dos shoppings, estes são um dos principais vetores de desenvolvimento, mas não obrigatoriamente replicantes aos moradores atuais das localidades periféricas onde são implantados, pois atendem a outra lógica: a do capital imobiliário, que irá proporcionar a médio e longo prazo uma profunda reedificação e consequente requalificação da infra-estrutura urbana, com edificações de padrão mais elevado, "expulsando" os moradores atuais para áreas mais remotas, haja visto nenhum empreendimento ser viável em áreas permanentemente degradadas ou sem a adequada infra-estrutura ambiental básica. Os grandes empreendimentos habitacionais fazem o mesmo. Há de se pensar em uma fórmula de consenso para esta difícil equação, que é inserir os moradores destas áreas periféricas; pode ser uma contra-partida interessante a qualificação ambiental, urbanística, destas áreas pelos grandes empreendedores. Por aqui, em Campos, o entorno dos Soppings 28 e Boulevard, este maior impacto, já sofrem estas mudanças, com oferta inclusive de imóveis para uso comercial. As na infra-estrutura, são mais lentas, mas irão acontecer. Existem o canal e área residencial, que se localizam na parte posterior do Shopping Boulevard, mas sequer o entorno possui rede de esgoto, portanto, é oportuno o Poder Público levantar a questão neste momento em que é anunciado para 2013 a expansão do Shopping Boulevard, afinal, não pega bem um empreendimento com este nome implantado em ambiente com sérios problemas ambientais, inclusive o viário.
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