Leia abaixo o artigo de autoria de Carlos Lessa publicado no Valor.
Entre outras preocupações de ordem econômica, o economista reforça a
preocupação com a chamada “Maldição Mineral”. Vale sua leitura:
“Risco
geopolítico”
“Poucas
coisas, para mim, são mais satisfatórias do que ler um artigo que gostaria de
haver escrito. Reinaldo Gonçalves publicou no número 31 da Revista da Sociedade
Brasileira de Economia Política um artigo que alcunha de
"nacional-desenvolvimentismo às avessas", a trajetória econômica do
Brasil no novo milênio. Sintetiza nacional-desenvolvimentismo como um projeto
"de desenvolvimento econômico, assentado na industrialização e na soberania
dos países latino-americanos". Desdobra o desempenho brasileiro nas
últimas décadas como um desempenho no qual a economia, as estruturas de
produção, o comércio exterior e a propriedade do ativo produtivo caminharam no
sentindo contrário ao projeto que animou o Brasil de 1930 a 1980.
Gonçalves,
de forma rigorosa, mostra que houve redução na participação da indústria de
transformação no Produto Interno Bruto (PIB). O Brasil perdeu participação no
panorama industrial mundial. Mostra, de forma inequívoca, que o que cresce no
país é o valor adicionado da mineração e da agropecuária. A política econômica
foi orientada para a liberalização comercial, e o coeficiente de importações em
relação ao consumo aparente cresceu de forma sistemática entre 2002 e 2010.
A participação
dos manufaturados caiu no valor das exportações, e houve a queda assustadora da
dos produtos altamente intensivos em tecnologia entre 2002 e 2010. Todas as
indicações mostram aumento de dependência tecnológica. A diferença entre o
valor de importações e bens intensivos em tecnologia, exportações brasileiras
destes bens, evoluiu de US$ 19,3 bilhões em 2002 para US$ 85 bilhões em 2010.
São
precárias nossas salvaguardas ante uma crise mundial que inexoravelmente
produzirá mudanças
Houve uma
dramática perda de competitividade internacional; aumentou a vulnerabilidade
externa, houve concentração de capital e explosão da lucratividade dos bancos.
A rentabilidade "lucro/patrimônio líquido" dos 50 maiores bancos no
Brasil é de 17,5% ao ano entre 2003/10.
Enquanto
isso, a rentabilidade das 500 maiores empresas industriais foi de 11% ao ano.
Brasil e Turquia são os dois países que têm os mais elevados custos de dívida
pública nas 24 principais economias do mundo. Nestes países, custo médio da
dívida é de 4%, enquanto no Brasil é de 8,6%. A relação entre pagamento de
juros de dívida pública e do PIB no Brasil apenas é superada pela Grécia, sendo
que a média dos 24 países é 2%, enquanto que a brasileira é 51%. Quem quiser
conhecer em detalhe, leia este artigo.
São
corretas as advertências que os dirigentes da política econômica estão fazendo
aos bancos privados, porém claramente insuficientes. O ministro Guido Mantega
advertiu no Fundo Monetário Internacional (FMI) que "o Brasil fará de tudo
para impedir" o ingresso de capital de curto prazo especulativo. Porém,
anunciou que não descarta o controle de capitais voláteis. Isso se faz sem
advertência. É correto baixar juros; aumentar a competição dos bancos públicos;
barrar capitais do exterior que se nutrem no nosso juro excessivo; tocar para
frente o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Porém,
tudo isso chega a conta-gotas e de forma tímida. Em um cenário em que a crise
mundial se desdobra na Europa, há redução do crescimento da China (o FMI
advertiu que a alta das commodities será interrompida), não se deve cutucar a
onça com vara curta. São precárias as salvaguardas brasileiras ante uma crise
mundial que inexoravelmente produzirá mudança de sinal no balanço de pagamentos
brasileiro. Há um discurso eufórico que desconhece vulnerabilidades. Nas
palavras de Gonçalves: "É visível a crescente vulnerabilidade externa
estrutural brasileira em função do aumento do passivo externo financeiro".
A
Argentina expropriou a YPF. Luiz Carlos Bresser-Pereira publicou na "Folha
de São Paulo", no dia 23, um brilhante artigo: "A Argentina tem
razão". A mídia internacional chegou a falar "de um tribunal
internacional". 62% dos argentinos apoiam a medida. O FMI declarou que a
matéria é de soberania. Não mergulharei em detalhes sobre a escandalosa
privatização da YPF feita pelo neoliberal Carlos Menem. É incrível nenhum
tribunal internacional ter se pronunciado sobre a auditoria externa que
"escandalosamente" subestimou (para baratear) o patrimônio estatal
argentino. Bresser-Pereira mostra a competência do governo argentino nessa
medida.
Diz:
"Não faz sentido deixar sob o controle estrangeiro um setor estratégico
para o desenvolvimento do país". Se a recuperação pela Argentina de um
ativo estratégico gera tal reação, nós brasileiros deveríamos, de forma
inequívoca, nos aliar ao país irmão. Argentina solicitou à Maria das Graças
Foster, presidente da Petrobras, que o Brasil aumentasse sua participação na
produção de petróleo na Argentina de 8% para 15% (a principal razão da
expropriação foi a medíocre atuação da Repsol em produção de petróleo na
Argentina). Além das óbvias implicações no balanço de pagamentos, a Argentina,
um país de clima temperado, necessita manter suas residências aquecidas no
inverno, lhe é vital aumentar sua disponibilidade energética. Desconheço
detalhes, mas pelo menos uma empresa chinesa foi convocada pela Argentina.
Nesta questão, o Brasil não deveria vacilar em apoiar o país irmão.
A
política de outorga de lotes nas reservas brasileiras, e principalmente
concessões no pré-sal, é para o Brasil um erro estratégico. Sei que durante o
governo Lula e no atual o Brasil conseguiu colocar um brasileiro no 6º (ou 8º)
lugar na lista de maiores fortunas mundiais. O interessante é que esse salto aconteceu
sem a produção de nada, apenas metamorfoses patrimoniais consagradas pela
valorização de ações do empreendedor vendidas a capitais internacionais. Faz um
estranho contraponto com a correta elevação do poder de compra do salário
mínimo real colocar uma fortuna brasileira baseada em valorização de lotes de
petróleo no pódio dos grandes patrimônios individuais. Façamos votos para que
no futuro não tenhamos que enfrentar a maldição de país primário-exportador de
petróleo. Ainda é tempo para não expor a soberania de um país que, no Atlântico
Sul, pode vir a ser "dono" da terceira maior reserva mundial de
petróleo. Há enorme risco geopolítico nessa matéria.
Carlos
Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia
brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.”
2 comentários:
Será que temos tanto petróleo assim?
A exxon supendeu a exploração do seu único bloco na bacia de santos por considerá-lo inviável. Antes espeialistas falavam que as reservas deste bloco seria igual a de tupi
Resumindo:...O PT é mais desgoverno que governo.
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