quarta-feira, novembro 28, 2012

Crise na Grécia: uma das milhares de histórias

A crise da Europa iniciada na Grécia e alastrada para a Espanha e Portugal já é conhecida. Ela pode ser contada de diversas formas. As mais comuns são através de reportagens ouvindo especialistas, economistas, que mostram números, gráficos e chutam prognósticos de coisas e situações.

Outra forma, antiga e mais real de contar a tragédia que se abate sobre os pobres (como sempre) e agora também a classe média estes países europeus é falar das pessoas, da mudança de vida, do drama familiar e de como isto se comunica com o problema geral da crise. Sai do chão da realidade para entender o problema.

Uma história bem contada tem sempre o seu valor. Ela mais que análises nos ajuda a pensar como seria sobre nós tamanho problema. A partir daí, arregimentar forças, se articular em movimentos e lutar apra mudar esta realidade.

Este foi o motivo que fez o blog decidir publicar esta reportagem do The Wall Street Journal que pode ser lida traduzida, junto com outras aqui. Porém, para facilitar o leitor interessado republicamos abaixo:

Crise reverte progresso de famílias gregas
Retrocesso econômico esmaga classe média urbana formada nas últimas décadas

Por GORDON FAIRCLOUGH e NEKTARIA STAMOULI | Aristomênis, Grécia

Francesco Anseimi para o The Wall Street Journal
Panagiótis Triantafilopoulos, um profissional de desenho gráfico e impressão, trabalhou durante décadas em Atenas. Seu último emprego foi criar modernas embalagens para multinacionais da indústria farmacêutica.

Agora, esse grego de 54 anos passa os dias buscando lenha, cuidando de galinhas e se preparando para a colheita da azeitona nessa cidadezinha pendurada numa encosta no sudoeste da Grécia.

Depois de mais de dois anos desempregado, Triantafilopoulos teve poucas alternativas a não ser voltar à sua terra natal, há alguns meses, e tentar sobreviver com o que desse para tirar do pequeno sítio da família.

Eleftéria Triantafilopoulos, 18 anos, espera seu trem em Atenas
Panagiótis Triantafilopoulos e sua mãe, Sofia, no quintal de sua casa na zona rural, onde cultivam azeitonas e ela voltou a costurar para fora aos 81 anos

"Sou um 'novo pobre'", disse o grego, que foi para Atenas ainda adolescente, em 1975 — quando houve um verdadeiro êxodo de jovens do interior agrícola para centros urbanos do país. "A decisão de voltar foi difícil. A gente sonhava com algo maior".

Depois de quase cinco anos de uma dura recessão que fez o desemprego superar a casa dos 25%, o desenvolvimento na Grécia entrou em marcha a ré. Cidadãos que haviam subido à classe média nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial vivem hoje um doloroso retrocesso.

Profissionais desempregados estão indo morar com os pais já velhos ou voltando para lugarejos ancestrais. Outros estão aceitando ocupações braçais ou perigosas — pastor de animais, marujo em cargueiros — que os gregos basicamente tinham deixado de exercer com o enriquecimento do país. Alguns estão deixando a Grécia.

Panagiótis Triantafilopoulos voltou a morar com a mãe

Enquanto líderes da União Europeia buscam maneiras de aliviar o pesado ônus da dívida para os gregos e decidem se liberam mais fundos para o país, a contínua contração da economia grega ameaça anular o progresso de toda uma geração.

O poder aquisitivo dos trabalhadores gregos que ganham salário mínimo caiu a níveis registrados pela última vez na década de 1970 — a era de rápido desenvolvimento na qual surgiu a classe média urbana —, segundo estudo do Labour Institute, centro de estudos filiado ao movimento sindical. A renda média, hoje, recuou para o patamar de mais de dez anos atrás.

No caso de Triantafilopoulos, a crise literalmente o levou de volta ao ponto de partida. Ele dorme na cama de metal na qual nasceu, em 1958. Às vezes, passa a noite olhando para o mesmo pedaço do forro de madeira que fitava quando criança, tentando imaginar como será o futuro.

Até ser demitido, em maio de 2010, Triantafilopoulos e sua mulher — Eleni, que logo na esteira também perdeu o emprego — tinham uma renda anual somada de mais 30.000 euros, ou cerca de US$ 40.000. Moravam em uma casa espaçosa em Atenas, com quintal. Comiam fora com frequência e tiravam férias regulares.

Este inverno, disse, não vai haver dinheiro nem para o aquecimento da casa. A mãe, Sofia, está fazendo bicos de costureira para tentar ganhar algum dinheiro. A senhora de 81 anos de idade usa uma máquina de costura de ferro, movida a pedal, da década de 1920. O maior medo da família é que a filha de Triantafilopoulos não possa terminar a faculdade.

"Não me importo de ser pobre. Eu vim da pobreza", disse Triantafilopoulos, puxando um cigarro do bolso da camisa xadrez azul e verde. "O que não posso suportar é não poder ajudar meus filhos a se prepararem para uma vida melhor".

Depois de décadas reduzindo o fosso que separa o país de nações mais ricas da União Europeia, a Grécia está voltando a se distanciar. O PIB per capita, que correspondia a 94% da média do bloco em 2009, caiu para 82% no ano passado, nível registrado pela última vez no início da década de 1990. A história é parecida na Espanha e em Portugal. Esse recuo do combalido sul do bloco é um golpe para a meta fundamental da zona do euro: prosperidade para todos.

Na Grécia, a classe média assalariada não está só perdendo o emprego e esgotando a poupança. Também está sendo açoitada pelo imposto cada vez maior sobre a renda, o consumo e imóveis — consequência da batalha do governo para cumprir metas de déficit impostas por credores estrangeiros.

Com o recuo na renda e no patrimônio das famílias, vai-se o combustível necessário para que a economia volte a crescer. Segundo especialistas, a crise econômica também está elevando taxas de criminalidade e suicídio e reduzindo o número de casamentos e nascimentos, pois muitos hesitam em formar família em meio a tanta incerteza.

 O cidadão de renda média que no passado constituiu uma base sólida para a estabilidade democrática hoje adota posturas cada vez mais radicais, algo comprovado pela crescente popularidade dos extremos do espectro político. Hoje, o partido radical de esquerda Syriza ocupa o primeiro lugar em pesquisas de opinião pública. Já a agremiação ultranacionalista e anti-imigrante Aurora Dourada está em terceiro.

Durante a infância de Triantafilopoulos a Grécia vivia uma onda de crescimento e industrialização que duraria 20 anos. O país se recuperava da traumática ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial e da posterior guerra civil entre um governo grego de direita e forças comunistas.

Triantafilopoulos, que gostava de desenhar, queria ser artista gráfico. Com o apoio dos pais, aos 17 anos juntou o pouco que tinha numa mochila e rumou, de carona, para a capital. "Queríamos que ele fosse, para ter mais oportunidades", diz a mãe.

Durante anos, a vida em Atenas foi boa. Triantafilopoulos trabalhou em jornais, revistas, empresas de embalagens, casou e teve dois filhos. A certa altura, a família foi morar em um sólido bairro operário, o Metamorfosis, no subúrbio da capital.

"Não vivíamos com luxo, mas não faltava nada", disse a filha de 18 anos, Eleftéria.

Em 2010, essa vida começou a ruir. Como o agravamento da crise na Grécia, a empresa na qual Triantafilopoulos trabalhava foi perdendo clientes. Ele foi demitido, com dezenas de outros, em maio daquele ano. A mulher, que trabalhava no restaurante de um centro de convenções, também ficou sem trabalho.

Os problemas abalaram a relação de Triantafilopoulos com a mulher, dizem ele e a filha. O casal brigava cada vez mais sobre como usar o pouco dinheiro que entrava e para decidir se Eleftéria devia ou não adiar a faculdade até que as coisas melhorassem. Eleni Triantafilopoulos não quis falar com a reportagem.

O clima piorou em agosto, quando Eleftéria foi admitida para um curso para formação de parteiras em uma universidade no norte do país. Na Grécia, a universidade é gratis, mas a jovem terá de pagar aluguel, já que seu pedido de alojamento estudantil gratuito foi rejeitado, entre outros custos.

Quando Triantafilopoulos decidiu voltar ao vilarejo da infância, Eleni, sua esposa, ficou em Atenas, onde tem de cuidar da mãe, que está velha e faz diálise. Ele disse que se o casal tivesse dinheiro para pagar pelo divórcio, o casamento de mais de 30 anos provavelmente já estaria acabado. "A crise está destruindo famílias", desabafou.

Nenhum comentário: