O assunto classe média tem sido tema recorrente por aqui. Para ampliar o debate sobre este assunto, indo um pouco além da discussão sobre a possível inclusão social, pelo consumo, o blog interessante artigo do Artur Araújo, publicado originalmente no portal Carta Maior:
"Um espectro ronda o Brasil: a “nova classe média”.
"Para lhe fazer companhia, os balanços das eleições municipais de 2012 ressaltaram, à exaustão, as ideias de renovação, tempos novos, novidade. Fica, no entanto, uma pergunta no ar: quanto disso é fato, quanto é ferramenta de marketing, quanto é recurso retórico que produz boas manchetes e parcas matérias?
Fato número um: a integração de dezenas de milhões de brasileiros à faixa intermédia de renda significa isso mesmo. Estão “no meio”, por artes da aritmética, mas “classe média” não são (nos sentidos sociológico, econômico ou político que, tradicionalmente, se atribuem à categoria).
Trata-se de uma imponente ampliação quantitativa da classe dos trabalhadores assalariados, ao lado de uma visível expansão paralela de atividades de pequeno comércio e prestação de serviços autônomos.
Segundo fato, este sim, novo: pela primeira vez na história nacional a expansão quantitativa do trabalho assalariado urbano se fez acompanhar, simultaneamente, por alguma redução na desigualdade social; por crescente formalização das relações de emprego; por manutenção e, até, expansão de direitos; e, também, por forte ganho real na renda do trabalho.
Fato número três: a origem dessa movimentação econômica e social está na ação deliberada do governo federal e tem no Estado Nacional seu protagonista e elemento dinâmico. A combinação dos programas de combate à miséria com a política de decidida valorização do salário mínimo é a melhor tradução sintética dessa orientação, ainda que muitas outras iniciativas e programas convirjam positivamente.
Seus múltiplos efeitos levam à constituição de um autêntico mercado interno de massas que, ao lado da expansão das atividades exportadoras de produtos agrícolas e minerais, gera condições de dinamismo na economia capitalista brasileira. Guardadas as devidíssimas proporções, é um quadro já experimentado pelo país nos períodos Vargas e Juscelino; um seminovo, digamos.
Quarto fato: até pelo quanto é recente o fenômeno, a integração de grandes massas ao assalariamento (e sua chegada ao consumo um pouco além da subsistência) ainda não é acompanhada por alterações substantivas nos planos das ideias, dos valores e, até mesmo, dos comportamentos sociais.
Recorrendo ao velho cânone, pode-se dizer que, menos que classe “em si” ou “para si”, vivemos um período de classe “pré-si”, de multidão ainda por conformar-se como grupo de interesses históricos explícitos e organizáveis.
Os fatos acima delineados configuram, em linhas muito gerais, o novo cenário nacional. Entre os brasileiros se formou uma forte maioria, para quem este é um cenário de seu agrado. Um desafio se impõe de imediato: como impedir retrocessos, como assegurar sua continuidade e como buscar seu aprofundamento qualitativo?
A “fidelização dos recém-chegados” tem que ser o ponto de partida. O passo inicial e decisivo é o contínuo atendimento de seus interesses mais imediatos, notadamente os de ordem material. Esta é a âncora antirretrocesso e, ao mesmo tempo, o alicerce do programa político adequado à nova etapa que se abre. Ganham, portanto, relevância estratégica temas como a qualidade e presteza dos serviços públicos – notadamente saúde, educação, transporte de massas, moradia e segurança pública – como complemento obrigatório de uma política sempre expansiva em termos de postos de trabalho e valor real de salários.
As condições materiais necessárias para o desenvolvimento de tal modelo são as de uma contínua expansão da produção (notadamente a industrial) e da produtividade. Isso exige um combate sem tréguas ao rentismo, à financeirização, à proposta arcaica de uma rota principalmente “primário-exportadora” e da acumulação preponderante pela via dos mercados de capitais.
Um pacto pelo desenvolvimento, policlassista, orientado pelo crescimento continuado do mercado interno e pela penetração exportadora – principalmente nos mercados latinoamericanos, asiáticos e africanos - deve ser formalizado e explicitado. O enfrentamento dos principais gargalos de infraestrutura, de logística e tributários merece atenção especial.
Estabelecidas essas premissas “físicas”, há que se enfrentar uma renhida disputa pelos corações e mentes. André Singer, em artigo recente, criou uma imagem poderosa: “Do ponto de vista político, parece um erro pensar que se trata de nova classe média, Configura-se mais como um novel proletariado, que deve ter a cara do capitalismo lulista. Mas como esta ainda não ficou clara, tampouco é nítido o perfil de seus membros. Serão jovens assalariados que caminham para os sindicatos ou microempreendedores interessados em diminuir os impostos?”.
Até por razões de natureza prática – não há como se pensar uma economia “jeffersoniana” de milhões e milhões de pequenos proprietários no quadro do capitalismo moderno – a opção é, sem dúvida, a da socialização organizada da “nova multidão” pela via sindical.
O consultor sindical João Guilherme Vargas Netto é preciso em sua descrição do quadro: “Com o emprego em alta e cada vez mais formalizado o movimento sindical vê-se às voltas com os novos desafios colocados para ele pelos trabalhadores recém-contratados, em sua maioria jovens.
A formalização do vínculo não implica a adesão ao sindicato e muito menos sindicalização; infelizmente o que temos visto, por ora, nos sindicatos são as grandes filas de jovens empregados entregando as cartas de oposição aos descontos sindicais.
Duas razões afastam ou, pelo menos, não aproximam os jovens dos sindicatos: a formação ou deformação ideológica sob o bombardeio do neoliberalismo que valoriza o egoísmo e é avesso à socialização sindical; e a própria conquista do primeiro emprego, em cuja fruição o jovem se aliena, desprezando as condições político-sindicais que o têm garantido. Ele acredita em si e na empresa e despreza, porque não conhece, a história das conquistas sociais.
[...] O movimento sindical precisa, com urgência, adicionar às suas preocupações mais esta: chamar para si os jovens trabalhadores falando a sua linguagem e educando-os, oferecer-lhes o sindicato como porta de entrada de sua socialização e instrumento eficaz na conquista de suas reivindicações, no atendimento de suas expectativas e na compreensão de seus interesses e comportamentos.”.
Isto, no entanto, não ocorre espontaneamente, ou por osmose ou por decantação. Ou bem o movimento sindical dos trabalhadores apercebe-se do desafio e assume sua tarefa intransferível e, também, arregimenta apoios partidários e governamentais, ou bem a oportunidade se esvai e se perde força vital para o processo.
Ressalvados todos os riscos e falhas de quaisquer metáforas, reducionistas por natureza, pode-se dizer que o “Novo Brasil” está postado em uma encruzilhada. A via à direita é regida pelas ideias do “americanismo”, do primado do individualismo, de “empreendedorismo” e do livre-mercado. À esquerda se abre a rota “europeia”, da construção do Estado do Bem-Estar, conduzida pelas ideias-força de coletivo, da solidariedade de classe e da firme presença estatal.
O que há de novo, na verdade, é que a boa e velha classe trabalhadora, acrescida de novos contingentes que somam dezenas de milhões, volta a ser chamada como espinha dorsal de um projeto de desenvolvimento nacional dinâmico e fortemente includente. Para os sindicatos e partidos políticos que reivindicam sua representação resta revelarem-se à altura da missão.
(*) Consultor especializado em gestão pública e empresarial.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
O sindicalismo perderá os jovens que estão chegando ao mercado porque alem de não serem os responsáveis únicos pelos avanços alcançados até aqui, não espelham a formação ou o caminho que este "novel proletariado" deseja.
A formação ideológica dos novos trabalhadores não se dá pelo "bombardeio do neoliberalismo", antes, e muito mais, por sua condição humana.
Se forem compelidos a decidir qual caminho escolher na encruzilhada (na verdade bifurcação) que o articulista indica, estejam certos: eles virarão à direita.
Na verdade acho que não há somente dois caminhos. Ou direita ou esquerda, Estados Unidos ou Europa, liberalismo ou regulação... Podemos construir uma opção nossa, uma via alternativa, intermediária. Até porque, as opções existentes falharam ou estão falhando.
É certo que o pragmatismo da gestão petista elevou este contingente da margem de pobreza, mas o grosso do capital político do governo federal não advém de ideologia ou consciência política. Ele chega no máximo aos históricos 30%. Trata-se de uma escolha racional feita por gente que sabe o que quer, e quer ser classe média ou o nome/classificação que se queira dar.
Esse debate é muito interessante, pois os rumos deste novo segmento social vao, em grande medida, definir os rumos do país.
Sobre a encruzilhada, concordo em quase tudo com o anonimo (po cara, porque ficar de anonimo num comentário tao interessante?). Principalmente concordo sua crítica ao uso dos modelos "europeu" e "americano" como as alternativas.
O "novel proleriado" tem aspiracoes e formas de vida que nao podem ser apreendidas por dicotomias usadas diferencias liberalismo e socialismo. Sao individualistas no sentido de que acreditam no esforco pessoal como fonte de conquistas.
Mas nao creio que sejam contrários à regulacao estatal e a protecao social.
A esquerda (digo o PT) tem sérias limitacoes intelectuais que a impede de compreender isso.
Em suas análises sobre o Lulismo, Andre Singer nao consegue fugir do chavao e condenar os "novos trabalhadores" pelo seu individualismo. Nao percebe que individualismo e bom em varios aspectos, que consumir tambem e inclusao social e que lacos de solidariedade vao mt alem do sindicalismo.
No funto, a esquerda tem um modelo de como os trabalhadores devem ser (o que nao é condenável, claro) que so permite perceber os sonhos do novo segmento como desvio, como falta.
Nao aceitam a tese de Mangabeira Unger (que vem se confirmando) de que os sonho deste novo segmento é "pequeno burgues". Na verdade, reproduzem o preconceito da esquerda européia (morta) contra o sonho pequeno burgues.
Ao Roberto Torres (e ao Moraes tambem) peço desculpas por não me identificar no primeiro comentário lá acima.
Estava tarde, 1h41min, e fiquei com preguiça de "logar" no google.
De qualquer forma, o debate é interessante e este blog já propôs esta discussão outras vezes.
Um grande abraço aos Robertos!
Em tempo:
*lá em cima*
Postar um comentário