Há pouco mais de quinze dias este blogueiro foi procurado pela jornalista Keylla Thederich, do jornal O Diário, interessada numa entrevista para uma matéria com enfoque na "explosão imobiliária em Campos".
Conversamos por email e respondi a algumas perguntas e a matéria, por razões compreensíveis tomou um outro caminho. Vi no site do jornal que a matéria foi publicada no último sábado, dia 11 de maio, enfocando a verticalização e a geração de empregos na construção civil no município de Campos dos Goytacazes. A reportagem pode ser lida aqui.
Por entender que o assunto merece maior aprofundamento e debates, este blogueiro tomou a decisão de expor aqui, neste espaço, questões tratadas na conversa com a jornalista que aprofundam a discussão sobre habitação, urbanismo, especulação imobiliária, política, economia, emprego, etc.
Confira abaixo:
1) Qual a sua avaliação sobre o crescimento imobiliário em Campos? Por que e há quanto tempo ele acontece?
Roberto Moraes: O setor imobiliário cresce em todo o Brasil, especialmente
nas cidades de porte médio, polos regionais. Com o crescimento da população, da
inclusão social e do seu poder aquisitivo, ampliam-se as possibilidades de
aquisição da moradia que também foi muito facilitada pelo governo federal com financiamento
mais baratos, relativamente desburocratizados, como no caso do programa PAC - Minha
Casa, Minha Vida. Além de tudo, o direito à moradia é ABSOLUTO. A professora
Ermínia Maricato, que foi secretária-executiva do Ministério das Cidades,
sempre disse que a casa é a mais cara entre as mercadorias de consumo privado (roupas,
sapatos, carros, etc.). Nem todo mundo tem carro, mas todos têm que morar.
Roberto Moraes: A primeira consequência é o aumento do número de empregos
que é positivo. Pelo MTE (Caged), o município de Campos tem 8,2 mil
trabalhadores com carteira assinada na construção civil. Para o sindicato dos
trabalhadores, este número é atualmente de 11,8 mil trabalhadores. O percentual
de 13% dos trabalhadores nesta atividade, em relação ao total 83,6 mil trabalhadores,
com carteira assinada em Campos é, proporcionalmente maior do que os 7% no
plano nacional. Porém, a questão imobiliária envolve a cidade e seu
planejamento. A cidade não é apenas o lugar onde o cidadão vive, mora e
trabalha, mas, também onde se gera lucros, para alguns, às vezes a qualquer
preço. A questão imobiliária tem relação com a moradia, mas, também com a
questão urbana, da mobilidade, do transporte, cultura, etc., ou seja, para onde,
e de que forma a cidade vai se expandir. Isto tem que ser regulado pelo poder
público através do seu Plano Diretor e da Lei Orgânica do Município.
Roberto Moraes: Este é um ponto interessante. As grandes construtoras (na
verdade sete) identificaram demandas e possibilidades de expandir seus ganhos
para além das metrópoles. Assim chegaram às cidades de porte médio e polo
regional como Campos. Trata-se de grandes grupos em busca de lucros e da
captação daquilo que os economistas chamam do excedente de dinheiro em
circulação nestas cidades-polo. Compram terras nas periferias, ou nos vazios
urbanos, estimulando ganhos com renda patrimonial e juros de quem tem poupança.
Todo mundo sabe que os bancos em Campos, historicamente, são mais captadores de
dinheiro do que investidores. O ambiente construído é um dreno para o capital
excedente na sociedade. No caso específico de Campos, dinheiro gerado pelos
profissionais liberais em grande quantidade e por funcionários públicos. É
também nesta atividade que desaguam os dinheiros da corrupção, que acabam
lavados na falsa valorização, como se fossem lucros, impulsionando ainda mais a
especulação, numa ciranda que faz o cidadão dançar em meio à multiplicação de
lucros.
Roberto Moraes: Este é um dado curioso. Pelo Censo 2010 do IBGE, Campos tinha
142 mil domicílios. Destes, 31 mil (22%) não estão ocupados e 21 mil (15%)
estavam vagos e 10 mil (6%) tinham usos ocasionais. Portanto, um quantitativo
de 62 mil moradias, quase metade do total de domicílios, sem uso permanente. De
outro lado, também pelo Censo 2010, havia cerca de 5 mil domicílios em favelas,
17 mil imóveis alugados e 11 mil cedidos ou emprestados. Se somarmos a estes 33
mil, as chamadas co-habitação (parentes-filhos, morando juntos, mas planejando
morar independente) estimada em 4 mil, mais a demandas de novos moradores, também
estimada em 5 mil interessados, teríamos um déficit de cerca de 40 mil moradias
em Campos. Este número poderia ser muito bem atendido pelos domicílios vagos e
sem uso permanente. Daí se conclui que, muito mais que demanda, há especulação
para aumento dos valores para venda e aluguel, além de interesses na aquisição
para obtenção de renda de aluguel, juntando aí interesses de imobiliárias,
financeiras, incorporadoras, construtoras e também dos poderes políticos. Só em
2012, 14 imobiliárias se formalizaram na cidade.
5) Na
sua opinião, Campos vai se transformar em um município dormitório como Rio das
Ostras?
Roberto Moraes: Não há esta possibilidade no médio espaço de tempo. Nunca
uma cidade 15 vezes maior que a outra, que é polo comercial e de serviços, se
transformaria em dormitório da outra, com isto que os técnicos chamam de
movimento pendular, trabalhadores morando numa cidade e trabalhando em outra.
Campos, normalmente, já tem muitos trabalhadores atraídos para o trabalho no
Complexo do Açu, pelo seu porte, densidade populacional e pela sua qualificação
profissional. Porém, pelos seus atrativos de serviços de educação, saúde e
lazer, Campos também atrai trabalhadores que vieram de fora da região e que já
fazem opção em morar na cidade maior, mesmo que mais distante do trabalho, mas,
com o conforto destas alternativas.
6) Outra
questão é por que os empreendimentos estão sendo construídos aqui e não em São
João da Barra, que tem o Porto do Açu?
Roberto Moraes: Acho que já respondi acima. Mas aproveito para insistir num
ponto. A habitação orienta a valorização imobiliária e fundiária com muitos e
poderosos interesses. O capital imobiliário explora a cidade visando rendas,
terras e imóveis através de incorporadores. O boom imobiliário não deve ser pensado como uma questão natural
fruto do chamado “progresso” e sim como uma etapa de um desenvolvimento de um
município que se espera para todos. Há na questão imobiliária, dois interesses em grande e permanente
oposição: usuários x setor imobiliário. Por isto é necessário o Programa de
Habitação de Interesse Social e é bem-vindo o Programa Morar Feliz da PMCG,
apesar dos seus altos custos. O setor imobiliário precisa pensar a cidade como
um todo, evitar a expulsão e a segregação de moradores nas periferias, cuidar
da preservação ambiental e por isto, precisa ser regulado pelo Estado (Poder
Público) sobre os interesses privados e dos lucros. A questão imobiliária
deveria ser planejada sob a ótica do interesse público usando o Estatuto da
Cidade e o Plano Diretor como referências, para que possam ter uma cidade
melhor para morar e viver em comunidade.
PS.: Abaixo a tabela
montada pelo blog com dados comparativos entre Campos e Macaé que foi objeto de uma postagem no dia 28 de março, comparando preços de venda
e aluguéis de imóveis nas duas principais cidades do Norte Fluminense.
5 comentários:
Outra ferramenta imprescindível dos blogs.
Polida e respeitosamente o professor Roberto publica todo o conteúdo de uma entrevista.
Possibilidade antes inimaginável. Após concedida a entrevista as palavras são propriedade do entrevistador que publica o que achar melhor.
Não estou fazendo este juízo de valor da matéria publicada em O Diário. Sequer li o conteúdo. Refiro-me à possibilidade de um entrevistado reter consigo o conteúdo de sua entrevista e dispor dela caso entenda necessário maior esclarecimento ou até para evitar uma contextualização indevida de algo que declarou.
As ferramentas estão melhorando...
Olá Roberto, parabéns pela matéria/respostas.
O Sr. falou que Campos tem quase metade dos imóveis com com pouca ocupação ou nenhuma, como explicar o valor altíssimos dos imóveis em Campos, uma vez que a cidade em seu entorno há diversas áreas para expansão?
att, Anderson
É esperar para ver como o mercado de imóveis na cidade vai se comportar com esta crise no Açu.
Percebo dois problemas fundamentais na chamada expansão imobiliária em Campos: o primeiro a maldita verticalização, acompanhanda de uma convivência doentia forçosa entre cidadãos em míseros metros quadrados. A segundo diz respeito aos serviços oferecidos à população: Campos, essa província retrógrada, ainda não possui serviços básicos e fundamentais nos bairros, tais como Correios, limpeza pública, água e esgotamento sanitário. Se pensarmos que bairros inteiros ainda se utilizam de fossas sépticas, não contam com serviços dos Correios e ainda possuem problemas banais de infra estrutura, como ruas de terra batida, vemos a gravidade do tema.
A prefeitura desse município mostra-se totalmente ineficiente quando o assunto é urbanização. Ruas e avenidas que há muito deveriam ter fluxo em sentido único, devido ao elevado trânsito de veículos, continuam funcionando em mão dupla, o verdadeiro caos.
Então o que teremos ? Uma verdadeira zona, um salve-se quem puder, onde a desordem, o caos e a sujeira são o cartão postal de uma cidade dita "Meu Amor". Será mesmo ?
Roberto, o link para a matéria não está mais "funcionando". É triste emitir uma opinião séria e ela ser manipulada para favorecer interesses de terceiros, mostrando uma empregabilidade que não condiz com a realidade, mas que contempla apenas uma parcela pequena da população sem qualificação adequada, saúde, cultura e qualidade de vida. Acidentes se repetem diariamente na construção civil campista, na qual não há treinamento, mas aproveitamento de um conhecimento empírico destes trabalhadores. Segurança do trabalho parece palavrão para trabalhadores que não tiveram capacitação. Por isto, só de olhar despretenciosamente para o alto dos edifícios, vemos muitos sem EPI, pendurados por cordas e polias velhas e distraídos. Enquanto isto, só podemos torcer para que seu futuro não tenha como pano de fundo a trilha sonora buarqueana, "Construção".
Postar um comentário