segunda-feira, junho 17, 2013

“As metrópoles brasileiras precisam deixar de ser expressão da secular discriminação contra os mais pobres”

Na reflexão sobre o momento atual fiz uma breve análise aqui na última sexta-feira com o título “As metrópoles pedem socorro”. Prossegui nos últimos dias com a inquietação em aprofundar o assunto, tentando resgatar o que havia lido e aprendido com outros autores. 

Assim, lembramos o texto do geógrafo David Harvey sobre as "Cidades Rebeldes". Depois citamos aqui o sociólogo espanhol, Manuel Castells sobre as manifestações em redes. E no texto abaixo trouxemos a reflexão sobre a análise política destas manifestações pelo Vinicius Wu (aqui) lá do Rio Grande do Sul.

Prosseguindo nesta busca e neste aprofundamento da análise sobre o que estamos vivendo, fui aos escritos da urbanista e referência no estudo sobre as cidades, Ermínia Maricato. É dela a expressão aspeada do título desta nota.

Ermínia Maricatto é professora e urbanista da Universidade de São Paulo (USP) foi secretária-executiva, quando o Ministério das Cidades foi constituído com Olívio Dutra à sua frente, já afirmava, em análise publicada em três documentos.

Uma entrevista no programa Brasilianas.org em fevereiro de 2012 (acesse aqui). Outra na revista do “Desenvolvimento” do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas), em setembro de 2011, com o título “Nossas cidades estão ficando inviáveis” (veja aqui). Por último, em seu livro, de 2011, que saiu pela Editora Vozes: “O impasse da política urbana no Brasil”.

O blog pinçou abaixo alguns trechos que considera interessante de ser resgatado neste momento. Na entrevista para o Ipea, “Nossas cidades estão ficando inviáveis”, a professora Ermínia, tratava da questão urbana, que está na gênese para a compreensão de parte do que está sendo objeto de discussão e manifestações em nossas cidades desde a última semana.

As manifestações têm como estopim, o preço das passagens e a questão do transporte público como um todo, mas, indo mais fundo na busca das causas básicas, é evidente que a periferização e apartação de classes, nas cidades brasileiras, mais ou menos adensadas é anterior.

Por isto, vale como reflexão resgatar um pouco das ideias e das críticas da professora Ermínia Maricato, feita há quase dois anos. Os grifos são do blog:

Para mim, o centro de tudo é a questão da justiça social, ou seja, de como as metrópoles brasileiras precisam deixar de ser expressão da secular discriminação contra os mais pobres”.

“Uma parte da população não cabe mais na cidade. E não é uma parte pequena. Tem a ver com uma trombada entre a população pobre e as áreas ambientalmente frágeis. Eu tinha a esperança de que o Ministério das Cidades inauguraria uma nova fase da cultura sobre o desenvolvimento urbano no Brasil, lançando uma ideia um pouco mais elaborada de planejamento e gestão, rompendo essa caminhada atual rumo ao abismo. Eu sabia que não seria uma tarefa fácil”.

A política urbana é de aplicação complexa no Brasil, porque o município é muito autônomo. E o poder local do município é um poder dominado pelo capital imobiliário e pelos proprietários de terra”.

“O centro da reforma urbana é a reforma fundiária, e por isso lutamos por uma constituição nova. Então, nós queríamos mudanças fundiárias. Quando o governo federal põe dinheiro e regulamenta a aplicação, as empresas imobiliárias começaram a aplicar e investir, aliado com o capital que vem de fora, da bolsa, e você tem um estouro no preço da terra. Lembrando que as empresas foram à bolsa antes do Minha Casa Minha Vida, que é de 2009.”

“Trata-se de uma questão estrutural: uma parte da cidade é feita ilegalmente, pelas mãos dos moradores. Para que? Para manter o mercado como ele é. Para manter a propriedade imobiliária como ela é e para manter a sociedade patrimonialista. Toda a população de zero a três salários está fora dessa cidade. Não foi só a demanda por moradia que aumentou nos últimos anos. Aumentou a demanda, mas não se mexeu na base fundiária. Mudar essa situação é o centro da proposta de reforma urbana, sistematizada desde 1963 no Congresso Nacional de Arquitetos”.

No seu último livro de 2011, Editora Vozes, “O impasse da política urbana no Brasil”, a professora Maricato disse:

Há quase quatro décadas é feita a crítica sobre a má localização dos conjuntos habitacionais populares e sobre a sua causa que é a disputa pela renda imobiliária. Estes estudos produziram um sem-número de livros e teses que referem à injustiça urbana, segregação territorial, produção da moradia informal, extensão horizontal urbana e insustentabilidade, especulação imobiliária, que deriva das características patrimonialistas da sociedade brasileira”

Revista Desenvolvimento do Ipea: Que interesses imobiliários são esses nas cidades?
Ermínia - As grandes empreiteiras controlam praticamente os investimentos urbanos dentro da lógica do rodoviarismo. O automóvel reina soberano e as empreiteiras propõem aos prefeitos as obras possíveis de serem concluídas em quatro anos. Argumentam que elas irão atrás do financiamento – e isso está ligado ao financiamento de campanha. Aí você tem uma prioridade às obras viárias nos orçamentos municipais no Brasil todo. Mas há algo espantoso. Em dez metrópoles eu tenho um indicador mostrando que 38% das viagens são feitas a pé. Isso significa que muitas pessoas não saem do bairro da periferia. É o chamado exílio da periferia. Em Salvador, segundo o Ubiratan dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros, apenas 8% da população anda de automóvel. Vá ver em Salvador o que se gasta em abertura de avenidas, asfaltamento etc. São obras vinculadas ao mercado de imóveis. O [arquiteto e urbanista] Candido Malta chama essas vias de avenidas imobiliárias. Não são rodoviárias. Elas abrem fronteiras da especulação. Há uma lógica que junta o automóvel, a infraestrutura urbana baseada no rodoviarismo e na especulação imobiliária, e o financiamento de campanha. São três forças que intervêm na política urbana e nos levam para o caos completo.”

Desenvolvimento - A senhora é pessimista com o futuro das cidades?
Ermínia - Sou realista. Eu sempre fui extremamente crítica. Depois de trabalhar por quarenta anos, examinando e formulando propostas nas quais eu acreditava, hoje acho que estamos regredindo e que a correlação de forças – que colocou o agronegócio com essa força toda no Congresso e no governo federal – é negativa para quem quer essas mudanças. Há uma exigência de que sejamos otimistas e o que eu falo é pesado. Nós temos propostas que já foram feitas. Podemos repetir: universalização do saneamento, resolução da questão da reforma fundiária, com a aplicação da função social da propriedade, prioridade para o transporte coletivo etc... Nós passamos vários anos construindo uma agenda de reforma urbana. Se a reforma não acontece, minha função agora, na idade em que estou, com o conhecimento que tenho, é chutar o pau da barraca."

Um comentário:

Unknown disse...

Caro Professor Roberto Moraes, acompanho o seu blog há muito tempo e gostaria de colaborar com o entendimento dessas manifestações no Brasil com essa entrevista do grande sociólogo francês Michel Maffesoli ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2013/04/sociologo-michel-maffesoli-fala-da-retomada-de-manifestacoes-juvenis-4105060.html

Um abraço!