domingo, julho 07, 2013

"As máscaras do conservadorismo"

Este breve texto do Wanderley Guilherme dos Santos publicado originalmente no blog "O cafezinho" traz questionamentos sobre as políticas públicas necessárias, não apenas para as regiões metropolitanas, para além da reforma política e chama a atenção sobre quem seriam os seus beneficiários. Vale a leitura:

"As máscaras do conservadorismo"
Por Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político

Com uma esquerda que debanda ou adere ao primeiro berro selvagem da direita, não surpreende que as instituições representativas, Legislativo e Executivo, respondam um tanto como baratas tontas, um tanto como gatos tentando surrupiar sardinhas. Medidas aprovadas por coação antes que por convencimento nem sempre acertam a dose ou mesmo o alvo pretendido. Os dois prá lá dois prá cá na alocação dos recursos futuros do petróleo à saúde e educação, por exemplo, podem estar contratando problemas futuros de não pouca monta. Hospitais sem aparelhos ou médicos a contento serão focos de insatisfação antes que unidades prestadoras dos serviços esperados. O mesmo se diga de unidades escolares, em qualquer nível, sem apoio logístico material e pessoal apropriado. Falar em pessoal equivale a introduzir o tema da remuneração do serviço público, cujo montante é sempre considerado absurdamente elevado pela mesma classe média a pedir melhor atendimento nos hospitais que, aliás, não frequenta. Exigir melhores serviços públicos e ser contra as medidas – impostos e salários públicos dignos – necessários à sua materialização é típico dos conservadores, expresso na tese de que Rousseaus, altruístas, são os outros, bastando-lhes o magnífico egoísmo individualista de Adam Smith.

Em algum momento a aprovação do passe livre universal para estudantes – não apenas para os do Pró-Uni – há de ser devidamente analisado. Enquanto os trabalhadores sem carteira assinada e os que trabalham por conta própria não forem cobertos por um programa distributivo do tipo “vale-transporte” – financiado este pelo empresariado aos que possuem carteira assinada -, o passe gratuito universal para estudantes será, em larga medida, um privilégio dos rebentos da classe média. Não esquecer que a demanda por tarifas subsidiadas para estudantes se repete anualmente há quase cem anos, em busca do mesmo mimo, assim como o pagamento de meia-entrada em centros de diversão. O problema crucial do trabalhador com carteira assinada não é o custo da passagem, mas o custo em tempo e desgaste físico do trajeto casa-trabalho-casa. Mas ai, prezados, o problema não está só do lado dos legisladores suscetíveis a suborno, mas também dos corruptores sobre os quais os anônimos não dão um pio: empreiteiras, imobiliárias, bancos, que destruíram a civilidade de nossas grandes metrópoles. Enquanto nos Estados Unidos a população, sabendo onde mora o perigo, ocupa Wall Street, aqui os muito bem treinados mascarados conduzem a multidão a depredar Assembleias Legislativas, justamente as Casas criadas para ajudar a defender os vulneráveis dos instintos canibalescos dos mercados.

E a cereja do bolo: a reforma política – a mais peçonhenta manobra sacada por políticos acuados para escapar a uma prestação de contas de respeito. No caso atual, não há nem uma proposta em circulação que seja nova ou que aumente a liberdade dos cidadãos. Ao contrário, várias visam justamente reduzir sua capacidade de intervenção. Enquanto necessário escreverei às terças e quintas analisando o perjúrio em andamento."

3 comentários:

Anônimo disse...

A classe média, mormente das grandes cidades mas aqui tambem, esbraveja nos engarrafamentos.
O articulista foi num ponto importante do transporte urbano: enquanto a sociedade empurrar a pobreza para as franjas da cidade, seremos os responsáveis por não dar conta de um transporte eficiente. Perderemos horas nos deslocamentos com altos custos para todos os envolvidos.
No Chile, precisamente em Santiago, há uma experiência recente de moradia popular que não priorizou o metro quadrado construído. A solução dos arquitetos chilenos foi selecionar áreas bem localizadas para construir habitações. Habitações mais simples sim, com um projeto dinâmico e expansível, que escutou a população e deu mais importância à localização do que ao tamanho das moradias. Todos concordaram em estar bem localizados em um apartamento/casa menor, mas com possibilidades de expansão. Isto é claro economiza tempo e dinheiro das pessoas para outras atividades, inclusive expandir sua casa num futuro próximo. Todos ganham neste modelo: a cidade e sua diversidade, o transporte, a economia. Muitos ficam satisfeitos, exceto os especuladores e os conservadores mascarados do texto, que rejeitam ter trabalhadores como vizinhos.
Enquanto o nosso modelo for de concentração e segregação, os problemas urbanos tendem a se agravar

Anônimo disse...

É isso. Higienizar a cidade implica em mandar o pobre para longe. Esta dando no que está dando.
Veja o que o Leonardo Sakamoto diz em seu blog sobre isso, comentando mais um incêndio em favela de São Paulo:

"Ao longo do tempo, fomos expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas. Eles, que têm menos recursos financeiros, gastam mais tempo e mais de sua renda com transporte do que os mais ricos que ficaram nas áreas centrais – com exceção das Alphabolhas da vida. Cortiços e pequenas favelas em regiões de fácil acesso abrigam centenas de famílias. Sem o mínimo de saneamento básico, às vezes sem água e sem luz. A maioria dos moradores desses locais prefere continuar assim, pois transporte é o que não falta e a casa fica próxima ao trabalho – ao contrário do que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o centro chega a levar três horas, dentro de ônibus superlotados e caros."

Roberto Moraes disse...

Esta fórmula está prevista em nosso Estatuto das Cidades e em diversos Planos Diretores.

Trata-se das ZEIs, zonas especiais de interesse social, ou AEIS, Área de Interesse Social.

Os objetivos dela são exatamente os descritos por você.

Já tratamos deste assunto aqui no blog:
http://www.robertomoraes.com.br/2013/05/por-um-novo-modelo-de-desenvolvimento.html

E aqui:
http://www.robertomoraes.com.br/2013/05/setor-imobiliario-em-campos.html

Uma boa discussão.