"Hipocrisias mercadistas"
"O Estado garantiu o capital paciente e capaz de encarar o risco das inovações, e ainda ajudou a coordenar as relações entre a grande empresa e seus fornecedores"
por Luiz Gonzaga Belluzzo — publicado 30/07/2013 15:18
"Leio na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns intrigantes, a respeito de políticas industriais, de comércio exterior e de competitividade, sobretudo as que envolvem uma forte presença coordenadora do Estado. O leitor de CartaCapital, sempre empenhado em fugir das banalidades e baboseiras ideológicas divulgadas pela mídia nativa, terá certamente interesse em enfrentar as páginas de dois estudos sobre o tema das relações entre os negócios e o Estado na era da economia global.
The Enterpreneurial State: Debunking Public vs Private Myths, de Mariana Mazzucato, e Subsidies to Chinese Industry: Capitalism, Business Strategy and Trade Policy, de Usha Haley e George Haley, tratam das relações entre as empresas e as políticas governamentais. Recorrem a uma exaustiva investigação empírica, sem apelar para o blá-blá-blá ideológico, não raro hipócrita, da falsa oposição entre Estado e mercado no capitalismo contemporâneo.
Os estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados nacionais, os sistemas empresariais, os programas de inovação tecnológica e a “inserção internacional”. Procuraram chamar a atenção para a centralidade da “organização capitalista” em que prevalecem nexos, digamos, “cooperativos” nas relações entre empresas e burocracias civis, militares e de segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço tecnológico (P&D).
Ao examinar essas relações nos Estados Unidos, Mariana Mazzucato desmascara o mito dos “gênios de garagem” e reduz a pó as lendas marqueteiras que celebram o papel do venture capital. Mazzucato descreve minuciosamente o roteiro para o sucesso da Apple, de Steve Jobs, e seus iPads e iPods. A ação do Estado não só garantiu o abastecimento do capital paciente e capaz de encarar o risco da inovação, como também ajudou a coordenar as relações entre a grande empresa integradora e seus fornecedores.
No caso chinês, é crucial a presença dos bancos públicos no provimento de crédito para permitir a apropriação da tecnologia, mediante a utilização das empresas estatais para a formação de joint ventures com o capital estrangeiro e promover a “administração estratégica” do comércio exterior. Essa arquitetura institucional não apenas assegurou excepcionais taxas de investimento e acumulação de capital, como também ensejou programas de “graduação” tecnológica.
A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global. Não é difícil perceber: as estratégias chinesas de expansão acelerada, o impulso exportador, a rápida incorporação do progresso técnico e uma forte coordenação do Estado foram inspirados no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e competidores.
Os sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram relativamente “primitivos” e especializados no abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores “escolhidos” como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação da dívida.
"Leio na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns intrigantes, a respeito de políticas industriais, de comércio exterior e de competitividade, sobretudo as que envolvem uma forte presença coordenadora do Estado. O leitor de CartaCapital, sempre empenhado em fugir das banalidades e baboseiras ideológicas divulgadas pela mídia nativa, terá certamente interesse em enfrentar as páginas de dois estudos sobre o tema das relações entre os negócios e o Estado na era da economia global.
The Enterpreneurial State: Debunking Public vs Private Myths, de Mariana Mazzucato, e Subsidies to Chinese Industry: Capitalism, Business Strategy and Trade Policy, de Usha Haley e George Haley, tratam das relações entre as empresas e as políticas governamentais. Recorrem a uma exaustiva investigação empírica, sem apelar para o blá-blá-blá ideológico, não raro hipócrita, da falsa oposição entre Estado e mercado no capitalismo contemporâneo.
Os estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados nacionais, os sistemas empresariais, os programas de inovação tecnológica e a “inserção internacional”. Procuraram chamar a atenção para a centralidade da “organização capitalista” em que prevalecem nexos, digamos, “cooperativos” nas relações entre empresas e burocracias civis, militares e de segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço tecnológico (P&D).
Ao examinar essas relações nos Estados Unidos, Mariana Mazzucato desmascara o mito dos “gênios de garagem” e reduz a pó as lendas marqueteiras que celebram o papel do venture capital. Mazzucato descreve minuciosamente o roteiro para o sucesso da Apple, de Steve Jobs, e seus iPads e iPods. A ação do Estado não só garantiu o abastecimento do capital paciente e capaz de encarar o risco da inovação, como também ajudou a coordenar as relações entre a grande empresa integradora e seus fornecedores.
Trabalhadora de fábrica têxtil em Huaibei, na província de Anhui, norte da China |
No caso chinês, é crucial a presença dos bancos públicos no provimento de crédito para permitir a apropriação da tecnologia, mediante a utilização das empresas estatais para a formação de joint ventures com o capital estrangeiro e promover a “administração estratégica” do comércio exterior. Essa arquitetura institucional não apenas assegurou excepcionais taxas de investimento e acumulação de capital, como também ensejou programas de “graduação” tecnológica.
A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global. Não é difícil perceber: as estratégias chinesas de expansão acelerada, o impulso exportador, a rápida incorporação do progresso técnico e uma forte coordenação do Estado foram inspirados no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e competidores.
Os sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram relativamente “primitivos” e especializados no abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores “escolhidos” como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação da dívida.
Nos fim dos anos 1980, intensificaram-se as pressões externas para a liberalização cambial e financeira, o que levou às concessões deflagradoras da crise de 1997-1998. À exceção da China, os asiáticos, particularmente a Coreia do Sul e a Tailândia, aceitaram os termos da “desopressão” financeira: 1. A eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade dos agentes domésticos de realizarem transações em moeda estrangeira que não decorriam de operações em conta corrente. 2. A liberação das taxas de juro, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados. 3. A desregulamentação bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar as atividades para além do financiamento das empresas produtivas.
A internacionalização financeira, em vez de maior eficiência na alocação de recursos, levou, isto sim, à valorização cambial, à especulação com ativos reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao sobre-endividamento e, finalmente, à parada súbita e à fuga de capitais.
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