"Órfãos de Eike em São João da Barra tentam sobreviver"
Comerciantes, lavradores e trabalhadores perderam clientes, empregos, terra e renda
O DIA
Rio - Eles não estão incluídos no processo de recuperação e não vão fazer parte de nenhum cronograma de pagamento de dívidas. São a ponta menos visível da crise do grupo X, do empresário Eike Batista: pequenos empreendedores que investiram para aproveitar oportunidades no Porto do Açu e agricultores desalojados para construção de um distrito industrial na Zona Rural de São João da Barra, Norte Fluminense, local do empreendimento.
“Está abandonado!”, gritou o motorista de ônibus ao ver a reportagem ao lado da cerca das obras do estaleiro da OSX, em São João da Barra, norte fluminense. Lá dentro, apenas um imenso galpão sem trabalhadores ou máquinas operando confirma: as obras estão suspensas.
A desmobilização jogou uma pá de cal sobre as expectativas dos moradores da região, que, desde o início das obras do porto, colhiam os lucros da intensa movimentação de empregados das empreiteiras e prestadoras de serviço contratadas pelo empreendimento.
“Vendia 800 quentinhas”
“Cheguei a vender 800 quentinhas por dia”, conta Paulo de Freitas Bastos, dono de um restaurante. “Hoje, não passa de 200”, conclui. Ele deixou a capital em 2007 rumo ao município, atraído pelas oportunidades que o porto geraria. Bastos se viu envolvido na espiral de calotes que assolou a região após o começo da crise. Hoje tem aproximadamente R$30 mil a receber.
“Antes de abril, tinha fila de ônibus, estava lotado de trabalhadores. Agora, está deserto”, lamenta Denis Toledo, dono de uma lan house no centro de Barra do Açu, próximo ao porto.
“Chegaram de mansinho e depois nos mandaram sair”
Pesquisador do Instituto Federal Fluminense (IFF) Roberto Moraes estima que haja R$ 2 milhões em dívidas de fornecedores das empresas X junto a empresários do Norte Fluminense. Como se tratam de subcontratados, estes credores não fazem parte do processo de recuperação judicial.
Dono de uma pousada e um restaurante na cidade, João Batista Stellet Alves prefere não revelar o prejuízo que teve. Ele investiu R$300 mil no empreendimento, inaugurada em 2012.
“Eles primeiro chegam de mansinho, medindo as terras. Depois botam a placa e dizem que é deles”. A reclamação do produtor rural Reginaldo de Almeida, em frente ao terreno que pertence a sua família há 40 anos, foi feita com dedo em riste. Na mira, uma placa que identifica o terreno de 13 quilômetros quadrados, desapropriado para receber o polo siderúrgico da ítalo-argentina Ternium.
Com a retração do mercado de siderurgia e a entrada da empresa no grupo controlado pela Usiminas, porém, o empreendimento foi interrompido em setembro e a expectativa é que a companhia devolva as terras, hoje improdutivas. Outros produtores também foram desapropriados para as obras do distrito industrial.
A DESAPROPRIAÇÃO
A desapropriação iniciou em 2009. Estudos feitos à época definiram a necessidade de 70 quilômetros quadrados de área, antes dividida em 466 lotes de pequenos produtores rurais. Desde então, 292 propriedades já foram desapropriadas, mediante ação judicial.
Em contrapartida, o governo ofereceu em troca um assentamento próximo, além de auxílio-produção de um a cinco salários por dois anos. “Foram pagos R$ 2,8 milhões para 190 famílias, das quais 35 foram para o assentamento”, disse o governo estadual à reportagem.
Para os casos em que não houve acordo, já existem ações na Justiça e, hoje, as indenizações vem sendo feitas por depósito judicial. A resistência ao processo, que vem sendo usado como arma pela oposição ao governo Cabral, aumenta à medida em que o projeto do porto perde tamanho.
“Não precisava ter abraçado o mundo com tanta pressa. Esse porto está lá longe e nós perdemos pasto e área para plantar”, diz o produtor Manoel Peixoto, 61 anos.
Há um ano ele foi detido por resistência à desapropriação. A área de apenas um alqueire, está atualmente cercada por arame farpado. “Me agarraram pelo pescoço e me algemaram com meus dois filhos, como bandidos”, recorda. Ele lamentou terem jogado areia sobre a terra, que ficou improdutiva — mesmo que não seja mais usada pelo porto.
Reportagem de Nicola Pamplona
Com a suspensão das obras do estaleiro da OSX, que também pediu recuperação judicial, o clima é de apreensão no município de 35 mil habitantes. Desde abril, quando a crise se aprofundou, o movimento no comércio despencou e muitos empresários passaram a conviver com calotes da clientela.
Dos empreendimentos previstos, incluindo siderúrgicas e um polo metal mecânico, apenas o terminal de minério de ferro e duas fabricantes de equipamentos petrolíferos continuam em obras. A maior parte do terreno do porto permanece como estava antes da chegada da empresa: com grandes pastos e áreas de restinga. A população tem esperança de dias melhores, embora saiba que o empreendimento não terá o mesmo porte inicial.
A desmobilização jogou uma pá de cal sobre as expectativas dos moradores da região, que, desde o início das obras do porto, colhiam os lucros da intensa movimentação de empregados das empreiteiras e prestadoras de serviço contratadas pelo empreendimento.
“Vendia 800 quentinhas”
“Cheguei a vender 800 quentinhas por dia”, conta Paulo de Freitas Bastos, dono de um restaurante. “Hoje, não passa de 200”, conclui. Ele deixou a capital em 2007 rumo ao município, atraído pelas oportunidades que o porto geraria. Bastos se viu envolvido na espiral de calotes que assolou a região após o começo da crise. Hoje tem aproximadamente R$30 mil a receber.
“Antes de abril, tinha fila de ônibus, estava lotado de trabalhadores. Agora, está deserto”, lamenta Denis Toledo, dono de uma lan house no centro de Barra do Açu, próximo ao porto.
“Chegaram de mansinho e depois nos mandaram sair”
Pesquisador do Instituto Federal Fluminense (IFF) Roberto Moraes estima que haja R$ 2 milhões em dívidas de fornecedores das empresas X junto a empresários do Norte Fluminense. Como se tratam de subcontratados, estes credores não fazem parte do processo de recuperação judicial.
Dono de uma pousada e um restaurante na cidade, João Batista Stellet Alves prefere não revelar o prejuízo que teve. Ele investiu R$300 mil no empreendimento, inaugurada em 2012.
“Eles primeiro chegam de mansinho, medindo as terras. Depois botam a placa e dizem que é deles”. A reclamação do produtor rural Reginaldo de Almeida, em frente ao terreno que pertence a sua família há 40 anos, foi feita com dedo em riste. Na mira, uma placa que identifica o terreno de 13 quilômetros quadrados, desapropriado para receber o polo siderúrgico da ítalo-argentina Ternium.
Com a retração do mercado de siderurgia e a entrada da empresa no grupo controlado pela Usiminas, porém, o empreendimento foi interrompido em setembro e a expectativa é que a companhia devolva as terras, hoje improdutivas. Outros produtores também foram desapropriados para as obras do distrito industrial.
A DESAPROPRIAÇÃO
A desapropriação iniciou em 2009. Estudos feitos à época definiram a necessidade de 70 quilômetros quadrados de área, antes dividida em 466 lotes de pequenos produtores rurais. Desde então, 292 propriedades já foram desapropriadas, mediante ação judicial.
Em contrapartida, o governo ofereceu em troca um assentamento próximo, além de auxílio-produção de um a cinco salários por dois anos. “Foram pagos R$ 2,8 milhões para 190 famílias, das quais 35 foram para o assentamento”, disse o governo estadual à reportagem.
Para os casos em que não houve acordo, já existem ações na Justiça e, hoje, as indenizações vem sendo feitas por depósito judicial. A resistência ao processo, que vem sendo usado como arma pela oposição ao governo Cabral, aumenta à medida em que o projeto do porto perde tamanho.
“Não precisava ter abraçado o mundo com tanta pressa. Esse porto está lá longe e nós perdemos pasto e área para plantar”, diz o produtor Manoel Peixoto, 61 anos.
Há um ano ele foi detido por resistência à desapropriação. A área de apenas um alqueire, está atualmente cercada por arame farpado. “Me agarraram pelo pescoço e me algemaram com meus dois filhos, como bandidos”, recorda. Ele lamentou terem jogado areia sobre a terra, que ficou improdutiva — mesmo que não seja mais usada pelo porto.
Reportagem de Nicola Pamplona
Um comentário:
Roberto, há alguns meses, recebi de você links interessantes para o debate do aumento da criminalidade violenta em cidades nordestinas, justamente na mesma proporção que aumentaram os investimentos e o desenvolvimento econômico daquelas regiões, antes consideradas "atrasadas"...
Quando os investimentos no Açu e região se anunciaram, este blog, o blog que escrevo e outros comentaristas, alertaram para os impactos sociais que adviriam destas mudanças geoeconômicas...
Fomos chamados de catastrofistas, derrotistas e outros adjetivos impublicáveis, como se o chamado "desenvolvimento" justificasse "tudo", e que em nome desse "tudo", tivéssemos que abrir mão de qualquer debate que procurasse, senão impedir, ao menos mitigar as ameças às populações mais frágeis - os pobres (e por isto mais suscetíveis aos efeitos da violência criminal e letal), que é o estrato social que mais sofre com a concentração de recursos públicos na promoção da acumulação econômica privada, pela exclusão destes enormes contingentes do alcance das políticas públicas, para as quais os recursos são sempre escassos...
Pois bem, o fato está aí, e nem foi preciso alcançar o ápice dos investimentos para as populações que não podem pagar carros blindados, helicópteros, seguranças privadas (ou contar com a rapidez seletiva da polícia), sofrerem na pele os efeitos do "desenvolvimento"...
Com certeza, as viúvas X dirão que a violência no Açu é culpa da falência, ou do descaso dos governos em escancarar mais as pernas para que o "desenvolvimento" possa continuar seu estupro da sociedade.
Postar um comentário