O artigo está na edição desta 2ª feira no Valor. Há quem defenda que a integração Latino-americana possa ensejar a criação de uma espécie de OPEP mineral e uma maior integração agora que o Chile, Colômbia e Equador tendem a valorizar melhor relação com Brasil e Argentina ao invés das relações do Pacífico. Confira o artigo:
O que diz Marco Aurélio Garcia
Os atritos de países sul-americanos com os Estados Unidos não se devem a um suposto "antiamericanismo" dos governantes, mas à falta de compreensão sobre o significado do novo nacionalismo latino-americano e à insistência do governo americano em subordinar as propostas de integração continental ao interesse nacional do país mais poderoso das Américas.
A tese é do assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, em extensa análise dos rumos para a política de integração sul-americana, exposta por ele no Chile, semana passada.
Visto como uma espécie de eminência parda na política externa, Garcia sempre foi um analista de confiança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No governo Dilma, perdeu o papel de destaque, às vezes de protagonista, que lhe dava Lula, mas seguiu como consultor presidencial e interlocutor nos governos sul-americanos, com os quais Dilma não tem a proximidade do antecessor.
Para o assessor, a Alca era um projeto de 'anexação econômica'
Mais que uma visão palaciana, o discurso de Garcia, em seminário do Instituto Lula, da Cepal e bancos regionais, reflete o esforço do PT em formular, no governo, uma orientação estratégica para sua política externa. É uma resposta às críticas de que a diplomacia petista não segue o ritmo da integração comercial dos países sul-americanos do litoral do Pacífico e abusa da "paciência estratégica" com governos como os da Argentina e Venezuela -de onde têm partido decisões prejudiciais a interesses de empresas e cidadãos brasileiros. A análise de Garcia é bom indicativo do que Lula e seu círculo político defendem para o governo no futuro próximo.
Garcia fez um histórico de intervenções dos EUA no continente, das alianças da "política da boa vizinhança", contra as potências do Eixo, na Segunda Guerra, às ações na Guerra Fria, de rechaço da influência da União Soviética, que terminou por levar os EUA a apoiarem ditaduras abaixo do rio Grande. O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), lembra ele, isolou Cuba, país associado à União Soviética, mas foi ignorado na Guerra das Malvinas, entre Argentina e Reino Unido.
As políticas do Consenso de Washington, especialmente as favoráveis à rápida ultraliberalização comercial, foram facilitadas pela falta de movimentos de massa fortes após a democratização no continente, acredita Garcia.
Ele mantém a acusação de que o projeto da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, era um projeto de "anexação econômica" e não de integração, por não prever concessões significativas dos EUA nos setores onde segue o protecionismo americano, como o agrícola, nem incluir transferências de recursos para minimizar os custos da liberalização sobre as economias dos países menos competitivos.
Garcia argumenta que o nacionalismo sul-americano não tem o componente xenófobo dos nacionalismos europeus, por exemplo, mas há uma forte demanda por soberania, e por mecanismos que reduzam o peso dos mais poderosos nas decisões que afetam a todos.
Ele acredita que os projetos dos EUA para o continente sempre partiram da necessidade de enfrentar desafios ao poder americano, e levanta a dúvida se a proposta recente de Parceria TransPacífico não teria o propósito principal de criar uma "barreira de contenção" à crescente influência da China na região.
"Não foi, pois, um sentimento antiamericano que minou as iniciativas de Washington", afirmou o assessor internacional, para quem é tarefa relativamente fácil esquecer contenciosos passados com os EUA. "O que frustrou as sucessivas políticas hemisféricas dos EUA foi a incapacidade de seus governos de proporem uma associação efetiva, que não tivesse caráter assistencialista ou de submissão."
A crise europeia mostra, para ele, a incapacidade daquele modelo de integração para lidar com demandas nacionais. Garcia dá ênfase à necessidade de um modelo que evite a exploração "neocolonial" de recursos naturais ou mão de obra barata. Defende iniciativas para "equalização das diferenças", como projetos multilaterais de infraestrutura, instrumentos coletivos de financiamento, programas de ciência, tecnologia e inovação e "sobretudo", políticas de complementação industrial, para "uma nova e equilibrada divisão produtiva regional".
Marco Aurélio Garcia apontou os bons resultados da criação da Unasul, reunindo os países sul-americanos, sobretudo em defesa, segurança, e combate às drogas, com solução para conflitos internos na Bolívia e entre Colômbia e o Equador, por exemplo. Não é muito clara, porém, qual a resposta da organização para políticas economicamente desastrosas, como se vê na Argentina e na Venezuela.
Os países de produção industrial e agrícola mais avançados devem criar formas de "convergência produtiva" para agregar valor aos produtos naturais, melhorar o bem-estar da população e estimular um mercado interno, defende ele.
"A integração, para ser efetiva, tem de ser entendida como um processo no qual as 'perdas' de soberania nacional sejam amplamente compensadas por efetivos 'ganhos' nacionais/regionais", afirmou Garcia.
A proposta não é nova, e esbarra nas idiossincrasias dos países vizinhos. Garcia dá uma pista, porém, de como criar, no continente, um mecanismo de pressão entre os pares, para desvios capazes de trazer problema à toda a vizinhança.
Ele propôs "a criação e/ou fortalecimento de instituições que possam, do ponto de vista estatístico, da informação, avaliação e certificação econômicas (aí incluindo a 'qualificação de riscos') emitir análises imparciais e de qualidade sobre a evolução regional". A Cepal, da Organização das Nações Unidas (ONU), poderia assumir essas tarefas e orientar a criação de agências complementares, acredita.
*Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB.
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