Escravizem os robôs e libertem os pobres
Em 1955, Walter Reuther, diretor do sindicato dos trabalhadores na indústria automobilística dos Estados Unidos, relatou uma visita a uma nova fábrica da Ford operada automaticamente. Apontando para todos os robôs, seu anfitrião perguntou: "Como você vai recolher mensalidade sindical desses caras?" Reuther respondeu: "E como você os fará comprar Fords?"
A automação não é nova. A discussão sobre seus efeitos também não. Em que medida, então, o que Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee chamam de "A Segunda Era da Máquina" altera as perguntas ou as respostas?
Esbocei o principal argumento na semana passada. Observei que a ascensão da tecnologia da informação coincide com a crescente desigualdade de renda. Lawrence Mishel, do Economic Policy Institute de Washington, contesta a ideia de que a primeira foi a causa principal da última. Mishel observa: "A alta dos salários dos executivos e a expansão, e a melhor remuneração do setor financeiro podem responder por dois terços do aumento da renda da camada mais alta". A mutação das normas sociais, a ampliação da remuneração em ações e a extraordinária expansão do setor financeiro também contribuíram. Embora tenha tido influência, a tecnologia não determinou os efeitos econômicos.
A ascensão das máquinas inteligentes é um momento da história. Ela vai mudar muita coisa, inclusive nossa economia. Mas o potencial das máquinas está claro: elas possibilitarão que os seres humanos tenham uma vida muito melhor.
Mas a tecnologia pode se tornar muito mais importante. Os professores Brynjolfsson e McAfee também argumentam que ela nos tornará mais prósperos; e que ela vai mudar a distribuição de oportunidades entre os trabalhadores e entre os trabalhadores e os detentores do capital.
Os impactos econômicos das novas tecnologias são muitos e complexos. Estão entre eles: novos serviços, como o Facebook; eliminação da intermediação de velhos sistemas de distribuição via iTunes ou Amazon; novos produtos, como os smartphones; e novas máquinas, como os robôs. Estes últimos despertam temores de que máquinas inteligentes tornarão dispensável um grande número de pessoas. Recente estudo de Carl Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, conclui que 47% dos postos de trabalho americanos estão seriamente ameaçados pela automação. No século XIX, argumentam, as máquinas substituíram os artesãos e beneficiaram a mão de obra não qualificada. No século XX, os computadores substituíram os postos de trabalho de remuneração média, criando um mercado de trabalho polarizado.
Nas próximas décadas, no entanto, "a maioria dos trabalhadores da área de transporte e logística, juntamente com o grosso dos funcionários de escritório e de apoio administrativo, e da mão de obra em cargos de produção, provavelmente será substituída por "capital aplicado em computadores". Além disso, "a computadorização substituirá principalmente funções de baixa qualificação e de baixo salário no futuro próximo. Ao contrário, as profissões de alta qualificação e alto salário serão as menos susceptíveis [à ameaça do] capital aplicado em computadores". Isso, portanto, exacerbaria a desigualdade.
Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, e Laurence Kotlikoff, da Universidade de Boston, chegam até a argumentar que o aumento da produtividade pode comprometer a situação econômica das gerações futuras como um todo. A substituição de trabalhadores por robôs pode deslocar a renda dos primeiros para os proprietários dos robôs, a maioria dos quais estará aposentada e supostamente economizará menos do que os jovens. Isso reduzirá os investimentos em capital humano porque os jovens não terão mais condições de custeá-los; e em máquinas, porque a poupança, nessa economia, cairia.
O argumento de que o crescimento da produtividade potencial deterioraria nossa situação econômica é engenhoso. Mais plausíveis, pelo menos para mim, são outras possibilidades: pode haver um grande choque de ajuste em vista da demissão de trabalhadores; os salários de mercado de pessoas sem qualificação poderão cair muito abaixo de um mínimo socialmente aceitável; e, associados a outras novas tecnologias, os robôs podem tornar a distribuição de renda muito mais desigual do que já é. O que fazer então?
Em primeiro lugar, as novas tecnologias trarão coisas boas e coisas ruins. Podemos moldar as boas e administrar as ruins.
Em segundo lugar, a educação não é uma varinha mágica. Um dos motivos disso é o fato de não sabermos quais as qualificações serão necessárias daqui a três décadas. Além disso, se Frey e o professor Osborne estiverem certos, são tantos os empregos de baixa e média qualificações em risco que pode já ser tarde demais para pessoas com mais de 18 anos e para muitas crianças. Finalmente, mesmo se a demanda por serviços que exigem conhecimento criativo, de empreendedor e de alto nível crescer na escala necessária, o que é altamente improvável, a possibilidade de isso nos transformar a todos numa elite privilegiada é uma fantasia.
Em terceiro lugar, precisamos reexaminar o lazer. Por muito tempo os mais ricos viveram uma vida de lazer à custa dos trabalhadores. A expansão das máquinas inteligentes oferece a mais pessoas a possibilidade de lazer sem explorar outras pessoas. O triunfante puritanismo da atualidade considera esse ócio abominável. Bem, então deixemos as pessoas se divertirem de maneira laboriosa.
Em quarto lugar, teremos de redistribuir a renda e a riqueza. Essa redistribuição poderá assumir a forma de uma renda básica para cada adulto, juntamente com o financiamento à educação e ao treinamento em qualquer fase da vida da pessoa. Dessa forma, o potencial de uma vida mais prazerosa pode se tornar uma realidade. A renda poderá advir de impostos sobre as coisas ruins (a poluição, por exemplo) ou sobre o arrendamento (inclusive o da terra e, acima de tudo, o da propriedade intelectual). Os direitos de propriedade são uma criação social. A ideia de que uma pequena minoria deverá se beneficiar com as novas tecnologias tem de ser reconsiderada. Seria possível, por exemplo, para o Estado obter uma parcela automática da renda gerada pela propriedade intelectual que ele protege.
Finalmente, se a dispensa de mão de obra efetivamente se acelerar, será essencial garantir que a demanda se expanda juntamente com o crescimento da oferta potencial. Se conseguirmos isso, muitas das preocupações em torno da falta de postos de trabalho vão se dissipar. Em vista de nosso fracasso em conseguir esse feito nos últimos sete anos, isso pode não ocorrer. Mas podemos fazer melhor.
A ascensão das máquinas inteligentes é um momento da história. Ela vai mudar muita coisa, inclusive nossa economia. Mas o potencial das máquinas está claro: elas possibilitarão que os seres humanos tenham uma vida muito melhor. Se elas conseguirão isso ou não depende da maneira como os ganhos serão gerados e distribuídos. É possível que o resultado final seja uma minoria de ganhadores e um grande número de perdedores. Mas esse resultado seria uma opção, não um destino irrecorrível. O tecnofeudalismo é desnecessário. A tecnologia não dita seus efeitos; as instituições econômicas e políticas, sim. Se as que temos não produzirem os resultados que queremos, teremos de mudá-las. (Tradução de Rachel Warszawski)
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT.
Um comentário:
Eu já estou fazendo a minha parte.
Comprei um robô aspirador de pó.
Vou economizar com as diaristas.
O robozinho circula pela casa toda. E quando a bateria está com pouca carga, ele mesmo procura a sua base para recarregar. E volta a trabalhar ...
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