A chamada conteinerização ficou conhecida como a "espinha dorsal" da globalização. O uso do contêiner inventado pelo empresário do ramo do transporte rodoviário, Malcom Mc Lean, em 1956, só ganhou uso amplo no final da década de 80, início dos anos 90.
Sua intermodalidade, com uso fácil para transporte pelos três diferentes modais (navios, trens e caminhões) reduziu os preços dos fretes, mudou a logística dos portos que passaram a se automatizar, dividir-se em terminais e assim agilizar, como nunca, o fluxo de materiais mundo afora.
O fato coincidiu com a massificação da produção industrial do Japão, depois China e outros países asiáticos transformando a reestruturação produtiva num fenômeno global, através da expansão das fronteiras do capital e da produção industrial. As facilidades da era informacional com a internet, celular e outros, ampliou e potencializou a dimensão do fenômeno.
Países ricos em matéria primas encontraram estas facilidades para o transporte de suas commodities, ao mesmo tempo, que a produção industrial nos países centrais passou a ter clientes, onde jamais se imaginou. Assim, a Teoria de Dependência dos países periféricos em relação às nações centrais (mesmo que estas tenham se mudado de continente) ganhou novos argumentos.
Os dinheiros do capital financeiro, sob a forma dos fundo de investimento foram e continuam seguindo atrás de novas bases de infraestruturas que criem facilidades para esta "troca desigual e combinada" (no Brasil, em especial).
Este processo aos poucos foi sendo aliado ao chamado capitalismo tardio das nações periféricas que assim foram se tornando presas fáceis e sem capacidade para controlar as novas e chamadas tradings fazendo aquilo que se conhece desde à antiguidade: o comércio por intermediação entre produtor consumidor.
Desta forma, estas tradings instaladas em paraísos fiscais, isentas (ou quase, de pressões judiciais e tributárias) passaram a intermediar produtos dos dois lados desta ponta. Assim, passaram a formar preços e moldar toda a cadeia de valor, seguindo seus interesses, manipulando, especulando e controlando estoques em áreas juntos aos portos, em grandes armazéns de estocagem.
Ao longo deste quarto de século, quase um "ciclo longo", este processo avançou de uma forma colossal. Os contêineres, além de ser usado para o transporte de produtos industrializados, passou a ser experimentado para transporte que antes era a granel como é o caso de açúcar e soja.
Ainda é pequena a proporção deste transporte de produtos agrícolas em grandes sacas (bag, big-bag) comparada ao transporte feito em navios graneleiros, mas, a experiência por exemplo, no Porto de Santos vem sendo considerada bem sucedida, por conta da velocidade de embarque e desembarque entre outras vantagens logísticas comparada ao sistema a granel. (*Sobre o assunto veja matéria do Valor em 01-04-2014. P.B2: "Santos Brasil vai elevar uso de contêiner para grãos - Volume deve subir de 37 mil para 195 mil contêineres até 2016". Reportagem fala sobre transporte de açúcar e soja usando contêineres e modal ferroviário articulado com caminhões "multitrailer" que servem para serem manobrados ao longo da via férrea e podem transportar até quatro contêineres de até 20 pés cheios)
Diante de todo este processo que vem acelerando a privatização de portos e terminais em todo o mundo, os operadores portuários já mandam bem mais que a gestão pública das nações envolvidas e acabam pressionando por decisões sobre investimentos portuários.
Fatos novos e repetidos, não apenas em portos brasileiros, mas, em outras partes do mundo chamam cada vez mais a atenção para o fato de que os terminais são privados (TUP - Terminais de Uso Privado) e os contêineres são fechados e assim, permitem o transporte de mercadorias muitas vezes diferentes daquelas constantes nos documentos e notas.
A fiscalização é por amostragem e os contêineres são às vezes lacrados em aduanas instaladas em pontos distinto do terminal portuário, como é cada vez comum com a interiorização do terminais com a instalação dos terminais chamados portos-secos.
Em menos de uma semana dois fatos chamaram a atenção. Ambas acontecidas no Porto de Santos. O primeiro um carregamento de substâncias tóxicas (lixo) em oito contêineres vindo dos EUA e México. (Veja aqui).
O outro caso divulgado há pouco (veja aqui) sobre a apreensão de 3,7 toneladas de cocaína que eram acondicionadas em mochilas e colocadas dentro de contêineres sem que o donos das cargas soubessem (ou que soubessem). Os criminosos clonavam os lacres dos contêineres nos espaços "privados" chamados pela Receita Federal como Recintos Alfandegários de Exportação (Redex).
Os dois casos parecem paradigmas e acendem a luz sob a forma de contrabando que deve estar sendo utilizada de forma ampla. Esta maneira pode justificar a enorme presença de produtos importados a preços "em conta" (certamente sem tributação) que ficam disponíveis para a comercialização, não apenas através de camelôs, mas cada vez mais em lojas formalizadas e shoppings, onde mercadorias "quentes" escondem as demais.
Assim, funciona o sistema. Uma mudança de processo e/ou tecnologia alavanca enormemente a produtividade, tampona os poros e reduz os tempos mortos do processo de produção - e seu caminho até o consumo - , gerando excedentes econômicos que acabam recolhidos, pelos mesmos de sempre.
Estes como se vê, cada vez misturam mais dinheiro lícito e ilícito "lavados" por outros que completam a "cadeia de valores". Como não poderia deixar de ser eles enxergam (como parte da mídia) o Estado como seus inimigos, permitindo ganhos extraordinários a uns em detrimentos de outros que precisam de equipamentos públicos que só podem ser erguidos com recursos dos impostos.
É interessante ainda lembrar que as cidades portuárias (antigas ou não, como a vizinha SJB e Macaé) percebam a realidade que devem passar a conviver. Importante que a gestão pública (em suas três esferas de governo) se articulem e planejem para reduzir os problemas para a comunidade.
PS.: Atualizado às 12:04 de 01/04/2014 para breves correções e ajustes no texto.
*PS.: Atualizado às 21:20 de 01/04/2014 para acrescentar as informações da edição desta data do Valor sobre o assunto.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
São extremamente pertinentes as suas observações.
Só que não.
Não há indícios de que o público consumidor prefira pagar mais por produtos que passem por todo o trâmite aduaneiro e consequente recolhimento de impostos e taxas. São mais caros, por óbvio.
Enquanto nós arreganharmos os dentes ao comprar um celular "balatinho" haverá containers fechados e não fiscalizados nos portos.
Isto sem falar na vista grossa que os governos e bancos fazem quanto ao movimento paralegal do tráfico de drogas e armas.
"War on drugs" é conversa mole para boi dormir.
Postar um comentário