domingo, março 23, 2014

"Obras do projeto Minas-Rio deixa rastro de destruição em 525 km"

O título acima é de uma interessante, triste e extensa reportagem do jornal O Tempo, de Minas Gerais, de autoria das jornalistas Ana Paula Pedrosa e Queila Ariadne.

A matéria foi publicada na edição de hoje e enviada ao blog por uma lutadora em prol dos atingidos, Patrícia Generoso. O blog decidiu replicar abaixo a reportagem na íntegra, pois, o mesmo tem relação direta com tudo aquilo que se relaciona com o Porto do Açu, local, onde chega o mineroduto:





"Uma mina, um mineroduto, um porto e muitos problemas. Pro 525 Km, o projeto Minas-Rio, da Anglo American, vai unir, por meio de um mineroduto, a extração de minério de ferro, em Minas Gerais, ao porto, no Rio de Janeiro. O mineroduto é o maior do mundo e o complexo só espera a concessão das licenças de operação para começar a funcionar, o que deve acontecer até o fim do ano. Enquanto os tubos do projeto vão sendo enterrados, um rastro de insatisfação vai se abrindo entre os atingidos, que se sentem abandonados pela empresa."

MINERODUTO

Obras do projeto Minas-Rio deixam rastro de destruição em 525 km 
Economia - Especial - Minas GeraisMineroduto Minas Rio o maior do mundo aproximadamente 525km ligando Conceicao do Mato Dentro em Minas Gerais com o porto em Acu distrito de Sao Joao da Barra no Rio de Janeiro Empresas responsaveis pela Obra MMX Anglo American Camargo CorreaFOTOS: MARIELA GUIMARAES / O TEMPO 12.02.2014
Fazenda Santa Cruz Areas, no distrito de Alvorada, sofre com a falta de água e com a obra que passa pela região. Foto: Mariela Guimarães

Em Conceição do Mato Dentro, a instalação do projeto da Anglo American está virando a vida dos moradores de cabeça para baixo

PUBLICADO EM 23/03/14 - 03h00 - ANA PAULA PEDROSA - QUEILA ARIADNE

Se Conceição do Mato Dentro, na região Central de Minas Gerais, tivesse saído da imaginação do colombiano Gabriel García Márquez, talvez a cidade se chamasse Macondo e sua riqueza fosse banana em vez de minério. Tal como o povoado fictício da obra “Cem Anos de Solidão”, do autor, a cidade mineira também viu sua vida alterada repentinamente pela chegada de uma empresa estrangeira. No livro, é a Companhia Bananeira quem faz “uma invasão tão tumultuada e intempestiva que nos primeiros tempos era impossível andar na rua”. Em Conceição, é a instalação do projeto Minas-Rio, pela Anglo American, que está virando a vida dos moradores de cabeça para baixo.
A cidade é apenas a ponta do projeto e dos problemas causados por ele. O empreendimento começa com a mina e a barragem de rejeitos em Conceição do Mato Dentro e termina no porto do Açu, em São João da Barra, no Norte do Rio de Janeiro. Um mineroduto que terá 525 km, que será o maior do mundo, vai unir as duas pontas. O projeto corta 32 municípios, sendo 25 em Minas Gerais e sete no Rio de Janeiro. Outras quatro cidades são afetadas indiretamente, totalizando 36.
Assim como a Companhia Bananeira criada pelo escritor que venceu o Nobel de Literatura, a atuação da Anglo American vai deixando um rastro de histórias quase invisíveis, escondidas em pequenos povoados e comunidades rurais onde os moradores relatam uma coleção de problemas que vão desde a invasão de terrenos até o soterramento de nascentes, falta de água, passando pela destruição de sítios arqueológicos e prejuízos a aldeias indígenas.
O Minas-Rio está em fase de Licença de Operação, a última antes de iniciar seu funcionamento. A expectativa é que a autorização para funcionar saia ainda neste ano. A obra que a empresa considera praticamente acabada, deixou cicatrizes profundas em gente simples que habita seu caminho.
Durante duas semanas, rodou 3.400 km de uma ponta a outra do empreendimento para descobrir essas histórias, que serão apresentadas na série de reportagens “Um Mineroduto que Passou em Minha Vida”, que começa hoje.
HISTÓRIA
Desolamento no lugar da casa

Em agosto do ano passado, o lavrador João Batista da Silva saiu de sua casa, no povoado de Cabeceira do Turco, a contragosto para dar passagem ao mineroduto do projeto Minas-Rio

A-G

Em agosto do ano passado, o lavrador João Batista da Silva, 32, saiu de sua casa, no povoado de Cabeceira do Turco, em Conceição do Mato Dentro, a contragosto para dar passagem ao mineroduto do projeto Minas-Rio. A promessa era que ele e a mulher, Rosely Maria da Silva, 20, morariam provisoriamente em outro local, com o aluguel pago pela Anglo American, por seis meses. A desocupação do imóvel foi pedida depois que o pai de Batista assinou um documento permitindo o uso do terreno.
O que era para ser temporário virou um problema permanente: semanas depois da mudança, a casa foi demolida. “Saí debaixo de chuva Demoliram a minha casa e, agora, eu não sei o que vou fazer. Vou morar onde, debaixo das nuvens?”, questiona ele.
O caso de Batista é extremo, mas não é isolado. As repetidas denúncias de desrespeito à propriedade, invasão e destruição do patrimônio individual levaram o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais a expedir, em 2012, uma recomendação conjunta à Anglo com advertências como “não entrar ou permanecer em áreas sem a autorização do proprietário, não causar danos a cercas, porteiras e mata-burros e não ameaçar ou constranger moradores e comunidades”.
O promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, Marcelo Mata Machado, um dos cinco que assinam o documento, explica que a recomendação foi motivada pelo grande número de reclamações que chegou aos órgãos públicos. “A cidade se modificou completamente, isso é muito claro. Tem reclamações de todo tipo”, diz Machado.
Na época, a Anglo respondeu que recebeu “com estranheza” as recomendações dos ministérios públicos e da Defensoria Pública e listou uma série de programas que desenvolve para garantir o bom relacionamento com as comunidades e reduzir os impactos da obra. A empresa afirmou também que respeita os direitos humanos e as normas ambientais.
A resposta não convenceu o MP de Conceição do Mato Dentro, que encomendou um estudo a uma consultoria para dimensionar os impactos do empreendimento no município. “Queremos saber se os programas que a empresa se propôs a implantar estão trazendo alguma qualidade de vida a essas pessoas”, diz o promotor da cidade. O levantamento deve ser concluído em abril.
Categorização do crime de perigo

TRAÍDO?

Prejuízo vai muito além dos R$ 100 mil pagos

João Batista diz que a "negociação errada. Praticamente pegaram na mão do meu pai para ele assinar o documento. E não explicaram que iam derrubar a minha casa"


PUBLICADO EM 23/03/14 - 03h00 - ANA PAULA PEDROSA - QUEILA ARIADNE


Enquanto procura um novo local para morar, João Batista da Silva busca, na Justiça, uma indenização. O terreno de 1,8 hectare onde ele morava, criava galinhas e plantava uma horta, pertencia ao pai, Joaquim Sanches da Silva, 59, que é alcoólatra e tem uma grave psicose atestada por um psiquiatra, cujo laudo faz parte do processo que a família move contra a Anglo. “Foi uma negociação errada. Praticamente pegaram na mão do meu pai para ele assinar o documento. E não explicaram que iam derrubar a minha casa”, diz.
Na negociação, o pai dele recebeu cerca de R$ 100 mil. A promessa de pagar o aluguel a Batista por seis meses não está documentada. A Anglo American afirma que já negociou e quitou a indenização judicial a que a família tem direito. “A empresa entende que não existem pendências com o sr. João Batista ou com os seus pais em relação ao assunto”, diz, em nota. 



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