Qual é a importância
do estado nas economias mundiais?
Falar mal dos governos
parece ser um consenso planetário, mas precisamos cada vez mais deles para
aumentar a produtividade sistêmica dos países.
A alocação de recursos é feita por intermediários, sejam eles governo, bancos, seguradoras, fundos de pensão, ou os gigantes planetários que chamamos de investidores institucionais. Todas essas instituições recolhem recursos com diversas justificativas. Mas são intermediários, ou seja, trabalham com dinheiro que é do público, e deveriam destinar os recursos a atividades fins. Não se justificam em si, por sobreviverem ou enriquecerem, e sim se as suas atividades contribuem para uma economia que funcione melhor. Não há razão para que cobremos produtividade dos recursos que confiamos ao governo, e que não cobremos a produtividade do dinheiro que confiamos ao banco.
O governo, principal intermediário, aloca os recursos
segundo um orçamento discutido no parlamento e aprovado em lei. Fato
importante: o governo tem de assegurar a captação dos recursos que vai
investir. A política fiscal (fazenda) e a aplicação (planejamento) têm de estar
casados na peça orçamentária. No conjunto do planeta, os governos são os
maiores gestores de recursos, e quanto mais rico o país, maior é a participação
do governo nesta mediação. Isto tem lógica, pois quanto mais desenvolvido o
país, maior é a proporção de consumo coletivo relativamente ao que sai do bolso
de cada cidadão.
A tabela abaixo é interessante, pois mostra esta correlação
rigorosa entre o nível de desenvolvimento e a participação do setor público. Nos
países de renda baixa, a parte do PIB que cabe ao governo central é de 17,7% ,
elevando-se numa progressão regular à medida que chegamos aos países de alta
renda. (1)
Falar mal dos governos parece ser um consenso
planetário, mas precisamos cada vez mais deles, inclusive nos países desenvolvidos
que hoje pagam o preço do vale-tudo financeiro desregulamentado e das
privatizações irresponsáveis.
Note-se que se trata, na tabela acima, dos gastos do
governo central apenas, os gastos públicos totais são bem mais amplos. “Há
uma década os gastos do governo americano eram de 34,3% do PIB, comparados com
48.2% na zona europeia, uma distância de 14 pontos; em 2010, o gasto americano
esperado é de 39,9% do PIB comparado com 47,1%, uma distância de menos de oito
pontos percentuais”(2). Lembremos que a cifra equivalente no Brasil é de
35%. Na Suécia, que ninguém vai acusar de ser mal gerida, é da ordem de 60%. E
são cifras anteriores à intervenção do Estado para salvar os bancos.
Seja qual for a política adotada, portanto, é
essencial assegurar a qualidade da alocação de recursos por parte do maior
ator, o governo. Essa correlação entre o nível de prosperidade do país e a
participação do setor público não é misteriosa: simplesmente, o mundo está
mudando. Antigamente, éramos populações rurais dispersas, e as famílias
resolviam muitos dos seus problemas individualmente, com a água no poço e o
lixo na valeta. Na era urbana generalizam-se os investimentos sociais, pois
precisamos de redes de água e esgoto, de guias e sarjetas, de redes escolares,
de sistemas de segurança, sistemas de transporte, destino final de resíduos
sólidos e assim por diante, evidentemente assegurados com forte presença do
setor público. São serviços de consumo coletivo. A urbanização expande
naturalmente a dimensão pública das nossas atividades.
Falar mal dos governos parece ser um consenso
planetário, mas precisamos cada vez mais deles, inclusive nos países
desenvolvidos que hoje pagam o preço do vale-tudo financeiro desregulamentado e
das privatizações irresponsáveis. (Margareth Tatcher e Ronald Reagan,
grandes defensores do neoliberalismo, doutrina que defende as privatizações dos
serviços básicos e a não-intervenção do Estado na economia.
Há que levar em conta igualmente, nesta presença
crescente do setor público em todo o planeta, a mudança da composição das
nossas atividades. Há poucas décadas, o que chamávamos de atividades produtivas
eram essencialmente atividades industriais, agrícolas e comerciais. Hoje passam
a ocupar a linha de frente as políticas sociais. Vale lembrar que o maior
setor econômico dos Estados Unidos não é a indústria bélica, nem a
automobilística, mas a saúde, com 18,1% do PIB, e crescendo. No Brasil,
somando a população estudantil, os professores e gestores da área educacional,
estamos falando de mais de 50 milhões de pessoas, um quarto da população do
país. As políticas sociais estão se tornando um fator poderoso de
reestruturação social, pelo seu caráter capilar (a saúde tem de chegar a cada
pessoa) e a sua intensidade em mão de obra, além de sua função essencial de
aumento da produtividade sistêmica do país. São setores de atividade onde, com
a exceção dos nichos de alta renda, o setor público tem prioridade evidente,
frequentemente articulado com organizações da sociedade civil, outra área em
expansão, caracterizando um setor público não governamental. A economia
social e suas variantes ocupam um lugar crescente no conjunto das atividades
econômicas, e com isto se expande a parte pública no conjunto.
Um terceiro eixo de transformação social é a evolução
para a sociedade do conhecimento. Hoje quase todas as atividades envolvem uma
forte incorporação de tecnologia, de conhecimentos dos mais variados tipos, do
conjunto do que temos chamado de “intangível”, ou de “imaterial”. Quando o
essencial do valor de um produto está no conhecimento incorporado, mudam as
formas de organização correspondentes. Na base está um amplo processo social
que envolve as pesquisas dos mais diferentes setores, a generalização do acesso
à educação, e os sistemas de difusão de informações que elevam a densidade de
conhecimento no conjunto da sociedade, com fortíssima participação de recursos
públicos em todos os níveis. A tendência natural é os conhecimentos se tornarem
bem público (creative commons), pela facilidade de disseminação que as
tecnologias modernas permitem, e pela compreensão que gradualmente penetra na
sociedade de que o conhecimento se multiplica melhor quando se compartilha. O
conhecimento é um fator de produção cujo consumo não reduz o estoque, pelo
contrário.
Quando o MIT, principal centro de pesquisa dos Estados
Unidos, cria o OCW
(Open Course Ware) passando a disponibilizar de forma aberta e
gratuita as suas pesquisas, é porque funciona melhor: do lado do financiamento,
porque permite pesquisa fundamental sem a obrigação de geração de lucro
imediato; do lado da produtividade das pesquisas, pois a colaboração faz com
que todos trabalhem na ponta, evitando travamentos e duplicações; e também do
lado do aproveitamento pois com a divulgação aberta o conhecimento se multiplica.
A China utiliza o sistema CORE (China Open Resources for Education). A
Inglaterra contratou em 2012 Jimmy Wales, criador da Wikipedia, para montar o
sistema de acesso aberto e gratuito a toda pesquisa britânica que envolva
recursos públicos. O livre acesso ao conhecimento gera enriquecimento para
todos, é uma forma inteligente de multiplicarmos os nossos recursos.
A urbanização, a expansão do peso relativo das políticas
sociais e a evolução para a economia do conhecimento constituem megatrends,
macro-tendências que transformam a sociedade, e que exigem de nós sistemas de
gestão muito mais diversificados, descentralizados e flexíveis, regras do jogo
renovadas, não bastando apenas o mercado, hoje dominado por estruturas cada vez
mais oligopolizadas e burocratizadas por gigantes de intermediação.
Estamos assim, pensando o médio e longo prazos,
evoluindo para uma sociedade em rede, para sistemas densamente interativos e
colaborativos. A urbanização leva a uma ampliação acelerada das dinâmicas da
gestão local, em que as comunidades se apropriam do seu desenvolvimento. As
políticas sociais geram processos mais descentralizados e participativos. A
sociedade do conhecimento nos leva para processos colaborativos em rede. As
políticas públicas têm um papel chave a desempenhar nesta transição para uma
sociedade moderna, e com isto aumenta a importância dos recursos públicos no
funcionamento da sociedade em geral, e em consequência também a necessidade de
democratizar as decisões e de assegurar a transparência dos fluxos. Temos
de repensar o Estado.
Notas:
1. Schieber,George; Lisa Fleisher e Pablo
Gottret - Gettting Real on Health Financing, Finance and Development,
International Monetary Fund, Dezembro de 2007 http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2006/12/schieber.htm
2. The Economist, March 14th-20th 2009, p. 37,
citando dados do Newsweek.
Você pode conferir o livro
completo do professor Ladislau Dowbor no link abaixo:
http://www.fpabramo.org.br/forum2013/wp-content/uploads/2013/12/colecaooquesaber-01.pdf
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