O professor Jorge Barbosa da UFF é mais que um antigo e prestigiado estudioso das comunidades de baixa renda na cidade do Rio de Janeiro. Barbosa desenvolve projetos nas favelas do Complexo da Maré há vários anos, por tudo isto é uma voz que merece ser considerada na questão sobre as UPPs e a chamada "Pacificação do Território".
Neste ótimo e conciso texto publicado abaixo, o professor Jorge Luiz Barbosa fala das virtudes e dos riscos das UPPs. Ele sai do debate pobre, pelo seu conteúdo maniqueísta, de ser contra ou a favor, quando a análise sobre esta política pública que consome uma enorme quantidade de recursos públicos e mexe com a vida de milhões de pessoas, merece ser melhor analisada.
Barbosa, vê positividade na presença do Estado, em meio aos erros grosseiros na relação com as comunidades.Porém, diante de interesses, especialmente do setor imobiliário e rentista, na sua avaliação as UPPS podem se revelar como o “Cavalo de Troia”.
Por tudo isto, seu artigo resumido abaixo será motivo de exposição e debates mais profundos no Seminário de Geocrítica, que acontecerá de 5 a 10 de maio próximo, na Universidade de Barcelona, Espanha:
"As favelas após a “pacificação do território”: desafios à democratização da cidade"
5 abril, 2014 por Jorge Luiz Barbosa
"As favelas são recorrentemente representadas de maneira banal, sobretudo a partir de definições que levam apenas em conta as suas carências: a irregularidade fundiária e urbanística; a ocupação de sítios sujeitos a “riscos ambientais”; a alta densidade dos assentamentos combinado à precariedade das habitações; além da insuficiência dos serviços públicos básicos, principalmente os de saneamento, de educação e de saúde. Entretanto, é somente a partir da década de 1980 que outro elemento passa a ser somado aos estereótipos que banalizam as representações das favelas: o estigma da violência criminal.
A escalada da violência criminal em comunidades populares deve-se, sobretudo, a incapacidade do Estado em garantir a sua presença permanente e soberana nas favelas, permitindo que grupos armados construíssem um processo autoritário de regulação do território e afirmassem o emprego da violência como seu instrumento de poder.
Por outro lado, as forças policiais reagiram com um belicismo crescente à expansão do domínio das facções criminosas na cidade. Os homicídios mais que triplicaram (eram 15 mil há 30 atrás, atualmente são 50 mil), a corrupção policial se tornou comum, o uso de armas de alto calibre se difundiu, a sensação de insegurança na cidade cresceu desmesuradamente, assim como as situações de violência contra os moradores de favelas. Por fim, a militarização do enfrentamento ao tráfico de drogas acabou por contribuir, contraditoriamente, para consolidar o controle territorial de grupos criminosos nas favelas.
Santa Marta. A primeira favela a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (Foto de Ratão Diniz) |
O extremo da desastrosa política de “combate às drogas” foi a invasão da Favela do Alemão, em junho de 2007. Nesta ação policial foram mortas 19 pessoas, além de dezenas de feridos e diversas violações de direitos. Depois do fracasso evidenciado, o governo estadual criou, no segundo semestre de 2008, as Unidades de Polícia Pacificador para a ocupação de favelas localizadas em pontos estratégicos de circulação e bairros economicamente valorizados na cidade[1].
A UPP é, na verdade, a expressão da ordem estatal sob o primado do poder policial, cuja origem remonta às experiências de combate ao crime organizado em Medellín (Colômbia) e Boston (EUA). Passados cinco anos, há o sentimento de que a paz se faz presente, tendo em vista a redução dos confrontos que a própria polícia alimentava e da disputa territorial entre facções criminosas rivais. De fato, a ocupação policial permitiu aos moradores das favelas o acesso a direitos fundamentais em seu cotidiano: a segurança de que não terão as suas residências invadidas pela violência e sua vida regulada pelo poder autoritário de criminosos.
São diversas as críticas por parte de movimentos sociais e comunitários à “pacificação” das favelas, sobretudo em função do relacionamento dos policiais com os moradores – em especial os jovens – no que diz respeito às abordagens constrangedoras e intimidadoras, no limite, violentamente arbitrárias (vide o caso de Amarildo na Rocinha), além das atitudes autoritárias de regulação do território (proibição da realização de bailes e festas, notadamente vinculadas ao funk e ao hip-hop).
Mesmo considerando os conflitos originados com a implantação das Unidades Pacificadoras, acreditamos que a estratégia de policiamento comunitário, com a presença permanente no território, é um dos caminhos possíveis de superação da crise de segurança na cidade. Para tanto, se faz necessário reconhecer a legitimidade das favelas como espaços específicos de constituição do Rio de Janeiro, se realmente desejamos uma política democrática de segurança urbana.
A questão advém do fato de as UPP’s terem sido instaladas, em geral, em comunidades localizadas em bairros mais valorizados pelo capital imobiliário. Justamente o setor empresarial que menos avançou sobre as favelas, sobretudo em função das condições fundiárias e pela presença ostensiva dos traficantes. Sem esses limites as favelas se tornariam abertas à logica mercantil, absolutamente interessada na fragmentação do espaço urbano como mercadoria de distinção social.
Diante deste quadro, se o poder público não reconhecer as favelas como espaço coletivo de morada e não garantir a sua legítima presença na cidade, a UPP se revelará como o “Cavalo de Troia” da especulação imobiliária, especialmente nos bairros mais aquinhoados de investimentos públicos e privados.
Assim sendo, a “pacificação do território” conseguirá destruir o que o Estado e capital imobiliário jamais conseguiram: a riqueza das experiências diferenciadas de se viver a cidade. Em tais condições, certamente viveremos em uma cidade ainda mais marcada pela segregação espacial, pela fragmentação social e pela distinção territorial de direitos.
A mudança de cenário exige a construção de políticas públicas integradas de superação das desigualdades sociais associadas a políticas territoriais de permanência qualificada das comunidades populares. Nesse sentido, cabe às organizações da sociedade civil e aos moradores das comunidades populares se afirmarem como atores políticos de uma agenda de direitos à Cidade.
Para maiores informações:
SILVA, J. S. BARBOSA, J. L. FAUSTINI, M. V. O Novo Carioca. Rio de Janeiro: Mórula, 2012.
SILVA, J. S. BARBOSA, J. L. O Futuro das Comunidades Populares após a UPP: por ruma agenda republicana de direitos. Revista Pensar Verde. Nº10. Fundação Verde Herbert Daniel: Brasília, 2014. [http://issuu.com/pensarverde/docs/pensarverde10]
Jorge Luiz Barbosa é Professor Associado do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense e Diretor do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
Jaílson de Souza e Silva é Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e Diretor do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
[1]A primeira delas foi localizada na Favela Santa Marta, em Botafogo, posteriormente em outras favelas da Zona Sul: Tabajaras, Cabritos; Chapéu Mangueira; Babilônia; Cantagalo; Pavão-Pavãozinho. A favela do Batan e a Cidade de Deus na Zona Oeste foram exceções em termos da localização . Em junho de 2010, a expansão das UUPs chegou à Grande Tijuca: Borel; Formiga; Chácara do Céu; Turano; Salgueiro e Andaraí."
7 comentários:
Falta um elemento fundamental a análise (muito boa, aliás).
É definir que as estratégias de expansão territorial dos mercados ilícitos (neste caso, de drogas), "escolheram" geo-economicamente estas porções de terra (favelas) justamente pelas suas carências, o que na estrutura destes mercado funciona como oportunidade (lógica da assimetria).
Assim como se deram (e ainda se dão) as escolhas geo-econômicas de outros mercados legais (ou não):
Mão-de-obra barata e com reserva suficiente, pouco ou nenhum dinamismo econômico local como alternativa ou resistência, lastros institucionais inexistentes e rede social puída.
Os ingredientes que ele coloca (corrupção policial, violência, militarização, etc) não são causas do fenômeno, mas efeitos.
São as expressões e manifestações deste mercado que não raro se fundem com forma legitimadas de acumulação de capital, como indústria de armas e das compras governamentais de aparatos de segurança, e que também se utiliza destes braços legais para operar, como os bancos.
É neste contexto que digo: as poucas virtudes da UPP não conseguem superar seu problema principal:
Entender que se pode combater um determinado tipo de crime, o tráfico de drogas(o que já está provado que é impossível)tomando o efeito (o mercado varejista da favela e a violência decorrente desta atividade) como causa.
Não há, caro Roberto, forma mais ou menos eficiente de combater o mercado de drogas. Ele é fluído e dada sua conformação "anárquica", se desloca com facilidade, e mais: o consumidor se desloca junto.
Sociedades mais ricas (e que são as maiores consumidoras) detêm níveis de violência menor porque não aplicam aqui as "fórmulas" que preconizam aos demais (nós). Igualzinho como fazem em política economia.
Eles importam as drogas, lucram com o ágio, e nos exportam armas e modelos de violência (que requerem mais e mais armas).
É preciso ter coragem e dizer: para combater o tráfico, só legalizando o comércio de drogas.
O resto é resto.
Finalmente Da Mata faz ( no último parágrafo) um raciocínio baseado na realidade, e não no voluntarismo utópico anti capitalista ( o resto do comentario).
Quantos teóricos...não me mostrem o problema, me mostrem a solução.
Caro anti-utópico, ou distrópico:
É justamente minha base teórica anti-capitalista (e utópica) que possibilidade enxergar a realidade com mais (ou menos) argúcia.
Não existe raciocínio que brote por "combustão espontânea"...todo ato racional é precedido por voluntarismo (vontade) e utopia (imaginação).
Eu tenho pena de vocês, ou vergonha da vergonha a que vocês se submetem vomitando estes lugares-comuns anti-ideologia.
E eu tenho pena de você, Da Mata, que se acha o máximo por acreditar que pensa melhor do que os outros, quando na verdade sua teoria não leva a lugar nenhum.
Seu discurso utiliza o capitalismo como alicerce para criticá-lo. Isto é, precisa dele, pois só se dedica a apontar os erros e as injustiças (o que não está errado)mas com a convicção de que "outra coisa é melhor do que isto". Sem ter a menor ideia do quê seria esse sistema melhor.
Você não tem nada a oferecer como alternativa, Da Mata. Seus comentários só servem para construir seu ego.
Acaso não percebe que o PT no poder já se resignou a, apenas, aparar as arestas do capitalismo, e não a eliminá-lo?
Ademais, para concluir que a legalização das drogas é o único caminho pra eliminar o trafico, não é necessário ter lido "O Capital".
Qualquer pobre diabo sabe disso,sem necessidade de construir uma base teórica cheia de clichês dogmáticos.
Mas quem te disse que eu li o Capital? E mais, onde que ler este ou outro livro me levaria a concluir pela liberação das drogas?
Baseada em quê esta afirmação? Achômetro?
O seu problema, idiota, é procurar sempre uma adjetivação ("socialista", "esquerdista" "dogmático", "utópico", "contra o capitalismo") para defender um sistema de privilégios.
E quando leva porrada, chora: "buá, você se acha melhor que os outros".
Filho, não tem vantagem alguma me comparar a você.
Clichês dogmáticos? Pode ser, mas e os seus clichês anti-dogmáticos?
Saber qual o sistema que seria melhor ao capitalismo?
Putz, quanta arrogância se eu tivesse tal pretensão.
Por enquanto já basta saber que nenhum sistema, principalmente o capitalismo, é eterno, ou seja, a História não tem fim, como você pretende.
Eu não penso melhor que você, eu penso diferente, e isto para mim é muito melhor, logo...dane-se.
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