terça-feira, abril 22, 2014

"As UPPs podem se revelar apenas como um Cavalo de Tróia"


O professor Jorge Barbosa da UFF é mais que um antigo e prestigiado estudioso das comunidades de baixa renda na cidade do Rio de Janeiro. Barbosa desenvolve projetos nas favelas do Complexo da Maré há vários anos, por tudo isto é uma voz que merece ser considerada na questão sobre as UPPs e a chamada "Pacificação do Território".


Neste ótimo e conciso texto publicado abaixo, o professor Jorge Luiz Barbosa fala das virtudes e dos riscos das UPPs. Ele sai do debate pobre, pelo seu conteúdo maniqueísta, de ser contra ou a favor, quando a análise sobre esta política pública que consome uma enorme quantidade de recursos públicos e mexe com a vida de milhões de pessoas, merece ser melhor analisada.

Barbosa, vê positividade na presença do Estado, em meio aos erros grosseiros na relação com as comunidades.Porém, diante de interesses, especialmente do setor imobiliário e rentista, na sua avaliação as UPPS podem se revelar como o “Cavalo de Troia”.

Por tudo isto, seu artigo resumido abaixo será motivo de exposição e debates mais profundos no Seminário de Geocrítica, que acontecerá de 5 a 10 de maio próximo, na Universidade de Barcelona, Espanha:

"As favelas após a “pacificação do território”: desafios à democratização da cidade"
5 abril, 2014 por Jorge Luiz Barbosa

"As fave­las são reco­rren­te­mente repre­sen­ta­das de maneira banal, sobre­tudo a par­tir de defi­nições que levam ape­nas em conta as suas carên­cias: a irre­gu­la­ri­dade fun­diá­ria e urba­nís­tica; a ocu­pação de sítios sujei­tos a “ris­cos ambien­tais”; a alta den­si­dade dos assen­ta­men­tos com­bi­nado à pre­ca­rie­dade das habi­tações; além da insu­fi­ciên­cia dos ser­viços públi­cos bási­cos, prin­ci­pal­mente os de sanea­mento, de edu­cação e de saúde. Entre­tanto, é somente a par­tir da década de 1980 que outro ele­mento passa a ser somado aos este­reó­ti­pos que bana­li­zam as repre­sen­tações das fave­las: o estigma da vio­lên­cia criminal.

A esca­lada da vio­lên­cia cri­mi­nal em comu­ni­da­des popu­la­res deve-se, sobre­tudo, a inca­pa­ci­dade do Estado em garan­tir a sua pre­se­nça per­ma­nente e sobe­rana nas fave­las, per­mi­tindo que gru­pos arma­dos cons­truís­sem um pro­cesso auto­ri­tá­rio de regu­lação do terri­tó­rio e afir­mas­sem o emprego da vio­lên­cia como seu ins­tru­mento de poder.

Por outro lado, as forças poli­ciais reagi­ram com um beli­cismo cres­cente à expan­são do domí­nio das facções cri­mi­no­sas na cidade. Os homi­cí­dios mais que tri­pli­ca­ram (eram 15 mil há 30 atrás, atual­mente são 50 mil), a corru­pção poli­cial se tor­nou comum, o uso de armas de alto cali­bre se difun­diu, a sen­sação de inse­gu­ra­nça na cidade cres­ceu des­me­su­ra­da­mente, assim como as situações de vio­lên­cia con­tra os mora­do­res de fave­las. Por fim, a mili­ta­ri­zação do enfren­ta­mento ao trá­fico de dro­gas aca­bou por con­tri­buir, con­tra­di­to­ria­mente, para con­so­li­dar o con­trole terri­to­rial de gru­pos cri­mi­no­sos nas favelas.
Santa Marta. A pri­meira favela a rece­ber uma
Uni­dade de Polí­cia Paci­fi­ca­dora (Foto de Ratão Diniz)

O extremo da desas­trosa polí­tica de “com­bate às dro­gas” foi a inva­são da Favela do Ale­mão, em junho de 2007. Nesta ação poli­cial foram mor­tas 19 pes­soas, além de deze­nas de feri­dos e diver­sas vio­lações de direi­tos. Depois do fra­casso evi­den­ciado, o governo esta­dual criou, no segundo semes­tre de 2008, as Uni­da­des de Polí­cia Paci­fi­ca­dor para a ocu­pação de fave­las loca­li­za­das em pon­tos estra­té­gi­cos de cir­cu­lação e bai­rros eco­no­mi­ca­mente valo­ri­za­dos na cidade[1].

A UPP é, na ver­dade, a expres­são da ordem esta­tal sob o pri­mado do poder poli­cial, cuja ori­gem remonta às expe­riên­cias de com­bate ao crime orga­ni­zado em Mede­llín (Colôm­bia) e Bos­ton (EUA). Pas­sa­dos cinco anos, há o sen­ti­mento de que a paz se faz pre­sente, tendo em vista a redução dos con­fron­tos que a pró­pria polí­cia ali­men­tava e da disputa terri­to­rial entre facções cri­mi­no­sas rivais. De fato, a ocu­pação poli­cial per­mi­tiu aos mora­do­res das fave­las o acesso a direi­tos fun­da­men­tais em seu coti­diano: a segu­ra­nça de que não terão as suas resi­dên­cias inva­di­das pela vio­lên­cia e sua vida regu­lada pelo poder auto­ri­tá­rio de criminosos.

São diver­sas as crí­ti­cas por parte de movi­men­tos sociais e comu­ni­tá­rios à “paci­fi­cação” das fave­las, sobre­tudo em função do rela­cio­na­mento dos poli­ciais com os mora­do­res – em espe­cial os jovens – no que diz res­peito às abor­da­gens cons­tran­ge­do­ras e inti­mi­da­do­ras, no limite, vio­len­ta­mente arbi­trá­rias (vide o caso de Ama­rildo na Rocinha), além das ati­tu­des auto­ri­tá­rias de regu­lação do terri­tó­rio (proibição da rea­li­zação de bai­les e fes­tas, nota­da­mente vin­cu­la­das ao funk e ao hip-hop).

Mesmo con­si­de­rando os con­fli­tos ori­gi­na­dos com a implan­tação das Uni­da­des Paci­fi­ca­do­ras, acre­di­ta­mos que a estra­té­gia de poli­cia­mento comu­ni­tá­rio, com a pre­se­nça per­ma­nente no terri­tó­rio, é um dos camin­hos pos­sí­veis de super­ação da crise de segu­ra­nça na cidade. Para tanto, se faz neces­sá­rio recon­he­cer a legi­ti­mi­dade das fave­las como espaços espe­cí­fi­cos de cons­ti­tuição do Rio de Janeiro, se real­mente deseja­mos uma polí­tica demo­crá­tica de segu­ra­nça urbana.

A ques­tão advém do fato de as UPP’s terem sido ins­ta­la­das, em geral, em comu­ni­da­des loca­li­za­das em bai­rros mais valo­ri­za­dos pelo capi­tal imo­bi­liá­rio. Jus­ta­mente o setor empre­sa­rial que menos ava­nçou sobre as fave­las, sobre­tudo em função das con­dições fun­diá­rias e pela pre­se­nça osten­siva dos tra­fi­can­tes. Sem esses limi­tes as fave­las se tor­na­riam aber­tas à logica mer­can­til, abso­lu­ta­mente inter­es­sada na frag­men­tação do espaço urbano como mer­ca­do­ria de dis­ti­nção social.

Diante deste qua­dro, se o poder público não recon­he­cer as fave­las como espaço cole­tivo de morada e não garan­tir a sua legí­tima pre­se­nça na cidade, a UPP se reve­lará como o “Cavalo de Troia” da espe­cu­lação imo­bi­liá­ria, espe­cial­mente nos bai­rros mais aquin­hoa­dos de inves­ti­men­tos públi­cos e privados.

Assim sendo, a “paci­fi­cação do terri­tó­rio” con­se­guirá des­truir o que o Estado e capi­tal imo­bi­liá­rio jamais con­se­gui­ram: a riqueza das expe­riên­cias dife­ren­cia­das de se viver a cidade. Em tais con­dições, cer­ta­mente vive­re­mos em uma cidade ainda mais mar­cada pela segre­gação espa­cial, pela frag­men­tação social e pela dis­ti­nção terri­to­rial de direitos.

A muda­nça de cená­rio exige a cons­trução de polí­ti­cas públi­cas inte­gra­das de super­ação das desigual­da­des sociais asso­cia­das a polí­ti­cas terri­to­riais de per­ma­nên­cia qua­li­fi­cada das comu­ni­da­des popu­la­res. Nesse sen­tido, cabe às orga­ni­zações da socie­dade civil e aos mora­do­res das comu­ni­da­des popu­la­res se afir­ma­rem como ato­res polí­ti­cos de uma agenda de direi­tos à Cidade.

Para maio­res informações:

SILVA, J. S. BARBOSA, J. L. FAUSTINI, M. V. O Novo Carioca. Rio de Janeiro: Mórula, 2012.

SILVA, J. S. BARBOSA, J. L. O Futuro das Comu­ni­da­des Popu­la­res após a UPP: por ruma agenda repu­bli­cana de direi­tos. Revista Pen­sar Verde. Nº10. Fun­dação Verde Her­bert Daniel: Bra­sí­lia, 2014. [http://issuu.com/pensarverde/docs/pensarverde10]

Jorge Luiz Bar­bosa é Pro­fes­sor Asso­ciado do Depar­ta­mento de Geo­gra­fia da Uni­ver­si­dade Fede­ral Flu­mi­nense e Dire­tor do Obser­va­tó­rio de Fave­las do Rio de Janeiro.

Jaíl­son de Souza e Silva é Pro­fes­sor Asso­ciado da Facul­dade de Edu­cação da Uni­ver­si­dade Fede­ral Flu­mi­nense e Dire­tor do Obser­va­tó­rio de Fave­las do Rio de Janeiro.

[1]A pri­meira delas foi loca­li­zada na Favela Santa Marta, em Bota­fogo, pos­te­rior­mente em outras fave­las da Zona Sul: Taba­ja­ras, Cabri­tos; Cha­péu Man­gueira; Babi­lô­nia; Can­ta­galo; Pavão-Pavãozinho. A favela do Batan e a Cidade de Deus na Zona Oeste foram exceções em ter­mos da loca­li­zação . Em junho de 2010, a expan­são das UUPs che­gou à Grande Tijuca: Borel; For­miga; Chá­cara do Céu; Turano; Sal­gueiro e Andaraí."

7 comentários:

douglas da mata disse...

Falta um elemento fundamental a análise (muito boa, aliás).

É definir que as estratégias de expansão territorial dos mercados ilícitos (neste caso, de drogas), "escolheram" geo-economicamente estas porções de terra (favelas) justamente pelas suas carências, o que na estrutura destes mercado funciona como oportunidade (lógica da assimetria).

Assim como se deram (e ainda se dão) as escolhas geo-econômicas de outros mercados legais (ou não):

Mão-de-obra barata e com reserva suficiente, pouco ou nenhum dinamismo econômico local como alternativa ou resistência, lastros institucionais inexistentes e rede social puída.

Os ingredientes que ele coloca (corrupção policial, violência, militarização, etc) não são causas do fenômeno, mas efeitos.

São as expressões e manifestações deste mercado que não raro se fundem com forma legitimadas de acumulação de capital, como indústria de armas e das compras governamentais de aparatos de segurança, e que também se utiliza destes braços legais para operar, como os bancos.

É neste contexto que digo: as poucas virtudes da UPP não conseguem superar seu problema principal:

Entender que se pode combater um determinado tipo de crime, o tráfico de drogas(o que já está provado que é impossível)tomando o efeito (o mercado varejista da favela e a violência decorrente desta atividade) como causa.

Não há, caro Roberto, forma mais ou menos eficiente de combater o mercado de drogas. Ele é fluído e dada sua conformação "anárquica", se desloca com facilidade, e mais: o consumidor se desloca junto.

Sociedades mais ricas (e que são as maiores consumidoras) detêm níveis de violência menor porque não aplicam aqui as "fórmulas" que preconizam aos demais (nós). Igualzinho como fazem em política economia.

Eles importam as drogas, lucram com o ágio, e nos exportam armas e modelos de violência (que requerem mais e mais armas).

É preciso ter coragem e dizer: para combater o tráfico, só legalizando o comércio de drogas.

O resto é resto.

Anônimo disse...

Finalmente Da Mata faz ( no último parágrafo) um raciocínio baseado na realidade, e não no voluntarismo utópico anti capitalista ( o resto do comentario).

Anônimo disse...

Quantos teóricos...não me mostrem o problema, me mostrem a solução.

douglas da mata disse...

Caro anti-utópico, ou distrópico:

É justamente minha base teórica anti-capitalista (e utópica) que possibilidade enxergar a realidade com mais (ou menos) argúcia.

Não existe raciocínio que brote por "combustão espontânea"...todo ato racional é precedido por voluntarismo (vontade) e utopia (imaginação).

Eu tenho pena de vocês, ou vergonha da vergonha a que vocês se submetem vomitando estes lugares-comuns anti-ideologia.

Anônimo disse...

E eu tenho pena de você, Da Mata, que se acha o máximo por acreditar que pensa melhor do que os outros, quando na verdade sua teoria não leva a lugar nenhum.

Seu discurso utiliza o capitalismo como alicerce para criticá-lo. Isto é, precisa dele, pois só se dedica a apontar os erros e as injustiças (o que não está errado)mas com a convicção de que "outra coisa é melhor do que isto". Sem ter a menor ideia do quê seria esse sistema melhor.

Você não tem nada a oferecer como alternativa, Da Mata. Seus comentários só servem para construir seu ego.

Acaso não percebe que o PT no poder já se resignou a, apenas, aparar as arestas do capitalismo, e não a eliminá-lo?




Anônimo disse...

Ademais, para concluir que a legalização das drogas é o único caminho pra eliminar o trafico, não é necessário ter lido "O Capital".

Qualquer pobre diabo sabe disso,sem necessidade de construir uma base teórica cheia de clichês dogmáticos.

douglas da mata disse...

Mas quem te disse que eu li o Capital? E mais, onde que ler este ou outro livro me levaria a concluir pela liberação das drogas?

Baseada em quê esta afirmação? Achômetro?

O seu problema, idiota, é procurar sempre uma adjetivação ("socialista", "esquerdista" "dogmático", "utópico", "contra o capitalismo") para defender um sistema de privilégios.

E quando leva porrada, chora: "buá, você se acha melhor que os outros".

Filho, não tem vantagem alguma me comparar a você.

Clichês dogmáticos? Pode ser, mas e os seus clichês anti-dogmáticos?

Saber qual o sistema que seria melhor ao capitalismo?

Putz, quanta arrogância se eu tivesse tal pretensão.

Por enquanto já basta saber que nenhum sistema, principalmente o capitalismo, é eterno, ou seja, a História não tem fim, como você pretende.

Eu não penso melhor que você, eu penso diferente, e isto para mim é muito melhor, logo...dane-se.