O assunto muito me interessa, até pelo laboratório que há quase dez anos exercito aqui neste espaço do blog, e ainda, por considerar a relevância do tema para um universo cada vez maior de pessoas, que usa a internet e as redes sociais, mesmo sem se dar conta do que tudo isto pode significar.
Eu arrisquei resumir e resenhar o texto do Castells, mesmo identificando que ele é relativamente breve. Assim, ele segue publicado abaixo a quem se interessar:
O impacto da internet
na sociedade por uma perspectiva global, por Manuel Castells: uma resenha
O sociólogo espanhol Manoel Castells, autor do livro “Sociedade em Redes” entre outros,
voltou ao seu tema preferido na publicação “Cambio”, lançada, na internet, agora
no início de maio. Lá estão publicados 19 ensaios sobre “como a internet está
transformando as nossas vidas”.
Clique aqui e "baixe" (faça o download) do texto (apenas) do Manuel Castells. Enquanto aqui você pode baixar todos
os 19 ensaios do conjunto a publicação "Cambios". Se desejar assista aqui ao vídeo do lançamento da publicação ocorrido em Madri, no dia 29 de abril de 2014.
Sobre este seu novo texto, Castells informa que trabalhou com dados empíricos de
diversas fontes que cita no texto sem explicá-las separadamente, deixando as
referências para quem se interessar por seu aprofundamento. Diz ter agido assim
com o objetivo de “chegar a um público mais amplo”.
A sua tese sobre o impacto da internet na sociedade é diverso
do que tem sido alardeado por outros estudiosos. Manuel Castells questiona a hipótese de que o uso intensivo da internet
aumente o risco de alienação, de isolamento, depressão ou distanciamento social.
Castells conclui que
pelos dados disponíveis, ou não existe nenhuma relação entre o uso da internet
e a vida social, ou esta relação é positiva e de efeito cumulativo.
"Em geral as pessoas mais sociáveis são as que mais utilizam a internet e
quanto mais usam, mais aumentam sua sociabilidade dentro e fora da rede, sua
responsabilidade cívica e a intensidade de suas relações com familiares e
amigos”.
As conclusões do sociólogo parecem otimistas. Seus críticos indagam sobre sua relação com as corporações de telecomunicações que financiam parte destas pesquisas. Talvez, por isto, tenham crescido as críticas ao seu trabalho.
As conclusões do sociólogo parecem otimistas. Seus críticos indagam sobre sua relação com as corporações de telecomunicações que financiam parte destas pesquisas. Talvez, por isto, tenham crescido as críticas ao seu trabalho.
De qualquer forma, eu, particularmente, julgo que há pontos
a serem debatidos, com mais ou menos crítica. Esta breve resenha pretende fazer este exercício de sintetizar o máximo possível,
os seus argumentos questionando alguns destes pontos, sobre alguns dos principais
“efeitos sociais da internet”.
Castells inicia lembrando que “a tecnologia é uma cultura material que se produz no curso de um
processo social, dentro de um entorno institucional particular e sobre uma base
de idéias, valores e interesses e conhecimento de seus criadores originais e
seus continuadores”. Prossegue dizendo ainda que “os usuários da
tecnologia, os que se apropriam dela e as adaptam, ao invés de limitar-se ao
que ela é e como está, modificando e produzindo num processo infinito de
interação entre produção tecnológica e uso social”.
Para o entendimento do que está dito e para avaliar a
importância da internet na sociedade, para Castells há que se considerar as características específicas da internet como uma
tecnologia, antes de situá-la no contexto de transformação total da estrutura
social e suas características culturais.
Para o autor, efetivamente
vivemos, uma nova estrutura social, a sociedade das redes globais,
caracterizada pela aparição de uma nova cultura, a cultura da autonomia. É
neste contexto que recorda do termo cunhado por Ithiel de Sola Pool (em 1973)
que disse que a Internet é uma “tecnologia
da liberdade”.
Ainda numa retrospectiva para explicar a situação atual, Castells
descreve que a expansão da internet a partir do meado da década de 90 foi
resultado da combinação de 3 (três) principais fatores: a) O descobrimento da
tecnologia da rede das redes (www: “World Wide Web”)e sua disposição em abrir o
código fonte; b) A troca institucional na gestão da internet com pouco controle
dos internautas; c) Transformação na estrutura, cultura e conduta social para
uma comunicação em rede como forma predominante de organização, que passa a ser
marcada por uma tendência ao individualismo, no comportamento social e à
cultura da autonomia que passa a imperar na sociedade em rede.
Os dois primeiros fatores são inquestionáveis, mas não o
terceiro. Voltaremos a ele mais adiante, após resumir um conjunto maior das idéias
e da tese do autor.
Castells prossegue relembrando os argumentos de seu livro
sociedade em redes, ao repetir que ela é construída em torno de rede pessoais e
corporativas operadas por redes digitais que se comunicam pela internet. Como
elas são globais não há limites.
“Esta estrutura
social é própria deste momento histórico e resultado da interação entre o
paradigma tecnológico emergente, baseado na revolução digital e determinadas
transformações sócio-culturais de grandes proporções, o que faz surgir o
que chama de “sociedade egocêntrica”, que em termos sociológicos, ele chama
de “processo
de individualização”.
Há neste ponto uma inquietante questão: a individualização e o que isto
significa. Para o autor, este processo, seria uma virtude e não um problema,
porque ele contribuiria para a constituição de subjetividades. O autor fala em “constituição
de sujeitos” (individuais ou coletivos) pela conexão em redes e pela
forma de organização. Seria uma nova sociabilidade com a definição emprestada de
Wellman (2012), de “individualismo em rede”.
Para Castells há reinterpretação das relações (espaço,
trabalho e família). Não se trataria do fim da comunidade e nem da interação e
sim, “uma nova forma de vida comunitária, sobre a base de interesses, valores
e projetos individuais”. Ele argumenta que a individualização não significa isolamento e sim uma reconstrução da
sociabilidade sob a forma de individualismo e comunidade em rede, através
da busca de pessoas afins, num processo que combina interação virtual (online) com interação real (offline). A partir disto justifica que assim,
a sociabilidade não se reduz e sim amplia.
Neste processo Castells novamente retoma sua trilogia cujo
título é “A Era da Informação - Economia, Sociedade e Cultura”, com três livros: “Sociedade em redes”; “O
poder da identidade” e o “Fim do milênio”. Nela, Castells trata das novas
formas de organização da atividade econômica, política e social: espaço (vida
metropolitana); atividade laboral e econômica (empresa e processos de trabalho
em rede); e a cultura e as comunicações (que deixam de ser unidirecionais de
massa e passam a ser autocomunicação de massa pela internet).
Castells insiste que as pesquisas empíricas identificam que
o uso da internet intensifica a sensação de segurança, liberdade pessoal e
influência que teriam efeitos positivos sobre a felicidade e bem estar das
pessoas. Além disso, contribuiria para maior integração de gênero para as
mulheres. Que a internet favoreceria à
cultura da construção da autonomia que seria a chave do processo de
individualização, em que os atores sociais se converteriam em sujeitos.
Neste processo, haveria uma relação direta entre internet e o auge da autonomia social que seria
comprovada por 55 mil entrevistas na Catalunha, onde teria avaliado pessoas que
usavam e outras que não usavam a internet sob “seis tipos de autonomia”: a)
desenvolvimento profissional; b) autonomia comunicativa; c) espírito
empreendedor; d) autonomia do corpo; e) participação sociopolítica; f)autonomia
pessoal, individual. As conclusões no geral é foi de que as pessoas quanto mais
autônoma, mais usam a web e quanto mais usam a web, mais autônoma (e diz que
esta conclusão já tinha chegado em 2007).
Neste ponto, Castells
valoriza a “busca da autonomia como uma tendência cultural dominante que
avançaria numa sociedade de indivíduos assertivos e com liberdade cultural superando
as barreiras das rígidas organizações sociais herdadas da era industrial”.
Há novamente um grande questionamento, porque a superação da
rígida hierarquia jogaria os sujeitos num vazio, tanto em termos identitários,
quanto de certa negação do processo histórico, apostando quase num modernismo
individualista, e num processo em rede. Ou não?
O surgimento e a
explosão das redes sociais na internet
A partir de 2002-2004, criação da Friendster e depois o
Facebook produziu uma nova revolução tecnológica. Elas misturaram (fazendo um
mix) as relações pessoais, negócios, trabalho, cultura, comunicação, movimentos
sociais e política nestas redes, agora chamadas de “sociais”, a partir de
perfil público (ou semipúblico) que articula uma lista pessoal de cada usuário.
Estes navegam nas conexões destas listas criadas individualmente para si.
Os usos destas redes sociais, já superam rapidamente em
horas de uso, ao aplicativo do correio eletrônico, agora chamados simplesmente
de emails. Lodo este uso a passa a ser, disparado,
a maior parte do tempo de uso das pessoas na internet. Ela exige criatividade, não
aceita o anonimato e está em conexão com outras redes, num vínculo sem limites.
Para Castells, isto não se trata de uma sociedade
virtual. Porque na prática há estreita conexão com as redes vivas. Tornando
um mundo híbrido, que é o real e não um mundo à parte. (Há que se discutir
também isto). Para Castells os
indivíduos criam redes para estar com os outros e o critério é agrupar pessoas
que já se conhecem. A maioria visita sua página diariamente o que na
prática significa uma conectividade permanente. Tudo isto confirmaria o aumento da sociabilidade, facilitado pela
conectividade permanente e pelas redes sociais na web.
Segundo Castells, nos EUA, 38% dos adultos compartilham
conteúdos, 21% mesclam seus compartilhamentos com opiniões próprias e 14%
escrevem um blog e diz que esta tendência cresce exponencialmente. Isto cria
relações e conectando-se mais e mais, porém cada um, determinando sua “co-evolução”.
Para ele, “a vida virtual é mais social
que a física, agora individualizada pela organização do trabalho e da vida nas
cidades”. Neste ponto ele contrapõe, num jogo de palavras, o que chama: “virtualidade
real x realidade virtual”. Na primeira, as práticas sociais como compartilhar,
mesclariam o viver em sociedade acabam facilitadas pela virtualidade no que o
autor denomina “espaço de fluxos” (Castells, 1996, no livro Economia, Sociedade
e Cultura).
Castells constata ainda que os indivíduos se sentem cada vez
mais cômodos na multitextualidade emultidimensionalidade
da web e que por isto as organizações (das diversas áreas) estão migrando massivamente
para a internet. Para ele, “com as redes
sociais se materializa o potencial libertador da internet”. Assim, ele diz
aspirar que “a expressão mais palpável
desta nova liberdade quiçá, seja a transformação do ativismo sociopolítico
graças à rede”.
“O poder da autocomunicação
de massas e a transformação da política”
O autor já havia conceituado autocomunicação de massas
baseada na internet como a superação da comunicação de massas unidirecional e baseada
em meios de comunicação. Sai de uma
única mensagem enviada a muitos com pouca (ou nenhuma) interatividade para um
sistema baseado em mensagens de muitos para muitos, multimodal, ao mesmo tempo
selecionado e com interatividade total, em que emissores são receptores e
receptores também emissores. Ambos possuem hipertexto multimodal na rede que
constitui o núcleo sempre em transformação dos processos de comunicação. A comunicação vem de várias pessoas (auto) e
segue com recursos simples (redes digitais) para ilimitado público que
incorpora, ajusta e contrapõe posições num vai-e-vem permanente e cíclico.
Sobre o poder e contrapoder relacionado ao processamento de
informações, Castells lembra aparatos
ideológicos que sempre tentaram manipular e ter o poder unidirecional dela para
garantir o poder. Por isto, ele diz que as redes de comunicação pela internet e telefonia móvel são meios
incomparáveis de autocomunicação e organização de massas. Isto modificaria
o processo de transformação social.
A chave para que uma sociedade produza significado estaria
no processo de comunicação socializada. Assim, Castells define comunicação como exercício de compartilhar significado
mediante a troca de informação. Completa dizendo que “a comunicação socializada é a que se dá no espaço público com potencial
de chegar às amplas faixas da sociedade”. “Na sociedade em rede, a
estrutura social da era da informação se caracteriza pela presença dupla de
redes de comunicação num hipertexto modal”. Na rede, “os aspectos da vida social são ao mesmo tempo global e local,
genérica e pessoal segundo um modelo de constante troca”. Em consequência,
as “relações de poder institucionalizadas
são questionadas e transformadas, numa comunicação consciente e significativa
que transforma humanos em seres humanos”.
É nestas idas e vindas que há paulatinamente um “processo de desintermediação” dos
controles governamentais e corporativos sobre as comunicações. Este é um ponto
interessante porque as mídias comerciais, durante séculos, ganharam muito dinheiro
com esta intermediação, seja para as corporações, seja para os governos. As
mídias nacionais sempre mais com as primeiras (corporações), enquanto as mídias
regionais ainda hoje (e muito, ou quase que exclusivamente) com os governos
locais e regionais. As consequências desta “desintermediação” ainda há que ser investigado pelo seu alto poder
de mudanças.
Castells, segue sempre muito otimista. Parece até demais.
Assim, ele chega a dizer que “a construção de uma rede global de comunicação
baseada na internet é uma tecnologia que encarna a cultura da liberdade em que
se originou”. Ainda na mesma linha, ele retoma ao fio inicial dizendo: “o fato é que a tecnologia é cultura
material (idéias incorporadas a um desenho) que a internet tem materializado a
cultura da liberdade quando do seu surgimento”. Mesmo crente é difícil
acreditar em todo este potencial vendo os seguidos crimes cibernéticos e as
espionagens americanas fartamente denunciadas por Eduard Snowden.
Nas
conclusões Castells chama a atenção para o papel
dos jovens neste processo ao dizer que para
eles “as tecnologias das comunicações digitais é uma espécie de segunda pele”,
ao mesmo tempo, que alimenta temores e fantasias dos que seguem governando.
Para finalizar, uma
reflexão do resenhista
No essencial, as idéias renovadas por novas pesquisas
empíricas do Manuel Castells, na prática, confirmam um entendimento hegemônico de
que o uso da internet cria reforça o individualismo. Porém, para o sociólogo
catalão, ela traz positividades, porque o uso das redes lhe confere as
possibilidades da sociabilidade, só que em novas bases e sob novas e ainda não
claras formas de organização social que tendem a romper com estruturas
atualmente conhecidas. Castells também vantagens no fato de que esta nova
realidade permite a construção de novas subjetividades relacionadas ao
exercício de uma maior autonomia, que a seu juízo, seria objeto de desejo do
ser humano, sem que isto represente a disposição para a vida comunitária e
vinculada que a concentração e o adensamento dos centros urbanos estão aí a nos
mostrar diariamente nas diversas nações e continentes.
Pelo que depreendi, É como se Castells quisesse dizer que ao
retomar à sua individualidade de uma forma mais radical, possibilitada pela
tecnologia da internet, a comunicação lhe oferecesse em troca, a ampliação de
diálogos, em redes mais amplas, para além do convívio da família, do trabalho e
das relações culturais mais próximas decorrentes do seu convívio real. Além
disso, Castells, insistiu que não há sociedade virtual, sem a sociedade real, e
que o resultado deste hibridismo das relações e redes, é que se teria a
realidade em que estaríamos vivendo no mundo contemporâneo. Ainda estaria a para
serem construídas novas formas de mediação que teriam profundas alterações em
suas institucionalidades, conhecidas hoje é conhecida no campo da política, do
trabalho, das relações familiares, sociais e culturais.
Particularmente, mesmo vendo alterações muito significativas
em curso, não julgo um bom propósito, o abandono das relações históricas e
referenciais que nos trouxeram até aqui. Caminhar nesta direção aprofundaria
uma superficialidade nefasta e indesejada, ao contrário, das possibilidades que
estão em sendo descobertas, sem abandonar a compreensão de que os mecanismos e
métodos estão sendo alterados, mas, não os motivos e os objetivos das disputas
e da liderança dos caminhos que não parecem alterados, por liberalismo e
individualismo, em detrimento do coletivo e da solidariedade que estes
mecanismos também propiciam.
Em síntese, um mundo seguindo em disputas, tal como antes,
mesmo que em realidades distintas. Fato é que não parece ser também
conveniente, abandonar, desconsiderar e não acompanhar criticamente esta realidade
e todos os seus desdobramentos. Eles são rápidos demais. Isto dificulta a sua
análise, porque observando o processo histórico, ele até aqui nos ensinou que certo
distanciamento (no tempo e no espaço) do objeto, é uma das formas de conseguir
enxergá-lo por ângulos que não são visíveis frente a frente.
Desta forma, sigamos em frente observando. De minha parte,
este blog acaba por ser um campo de experimentação do que Castells mais
profundamente vem fazendo entre erros e acertos, mas, sempre com interessantes
provocações.
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