O raciocínio usado para sua análise tangencia um ponto que venho observando, sem nenhuma base científica, apenas com intuição que a decisão do voto do eleitor brasileiro para presidente da República está cada vez menos influenciado pelas representações mais próximas do cidadão mesmo seguindo as escalas.
Este meu palpite começou a ganhar corpo ao observar a significativa mistura de acordos que embaralha as escolhas nos planos estaduais que estamos vendo neste ano eleitoral.
Mesmo não sendo um instituto de pesquisas e/ou sondagens experimente perguntar a uma pessoa em que ela vai votar para presidente, aí veja e interprete os seus argumentos. Raramente eles estão vinculados à política local ou mesmo regional.
O cidadão tem escolhas baseadas em questões mais gerais, muitas do seu interesse, mas, gerais, sobre percepção que possuem do governo, de suas expectativas e também da análise sobre avanços e riscos de retrocesso que suas escolhas podem representar.
Parece que cada vez mais, as escolhas têm menos relação com seus representantes na câmaras de vereadores, na prefeitura, nas assembleias e mesmo no governo do estado.
Isto pode ser um percepção. Se verdadeira, me parece positiva, sem restrições aos nossos representantes políticos nas escalas de poder mais próximos do cidadão, mas, pode levar à interpretação de que o cidadão-eleitor, mesmo que com algum esforço de mediação do representante político mais próximo, não estaria abrindo mão dele mesmo fazer suas escolhas.
O artigo do Vitor Peixoto abaixo traz elementos também nesta linha de pura intuição (praticamente um palpite). Vale conferir. Assim, o Vitor segue ganhando destaque mais amplo de reflexão em espaços da mídia comercial ainda com resquícios de alguma pluralidade.
Oligarquias locais e eleições presidenciais
Nas eleições de 1989, houve quem contasse os apoios dos prefeitos aos candidatos às eleições presidenciais como forma de mensurar o poder de cada qual. Os municípios brasileiros, principalmente os menores, mais pobres e localizados no Norte e Nordeste, eram ainda interpretados como locais de fragilidade do sistema partidário e propício à reprodução dos desmandos dos "coronéis", tais quais eternizados por Victor Nunes Leal na obra "Coronelismo, Enxada e Voto". O interior brasileiro foi tomado pelos analistas políticos como terras férteis para os "mandões" exercerem seus desígnios sem limites na ausência completa de competição e dominarem os votos advindos destas localidades, normalmente denominada por "grotões eleitorais".
O país está prestes a comemorar três décadas do processo democrático legislativo que culminou na Constituição de 1988. Podemos pensar que este poder ainda existe? Qual seria a influência dos prefeitos nas eleições presidenciais? Na perspectiva histórica, 30 anos podem parecer um período relativamente curto. Entretanto, intensas transformações marcaram profundamente as estruturas sociais, políticas e econômicas brasileiras. A descentralização político-administrativa, sem sombra de dúvidas, é uma das principais marcas desse período. O incremento da autonomia das unidades locais foi seguido de uma intensa e abrupta criação de unidades administrativas municipais. Entre 1988 e 2001, foram criados nada menos do que 1.439 novos municípios - ou aproximadamente duas unidades a cada semana!
Se por um lado, a criação de municípios causa preocupação dadas as dificuldades de sustentabilidade econômico-fiscal, por outro, é inegável que aumentou a representatividade do sistema político no nível local. Este último ponto pode parecer um tanto duvidoso. No entanto, caso se leve em conta que o aumento do número de vereadores tornou cidadãos de longínquas localidades mais próximos de seus representantes, salta aos olhos o argumento tão propalado pela literatura que defende esta proximidade como uma forma de incrementar os sistemas de controle (accountability).
Partidos põem poder dos antigos "mandões" em xeque
Outro aspecto positivo diz respeito exatamente à "desoligarquização" dos sistemas políticos locais, posto que a competição eleitoral aumenta gradativamente por todo o território brasileiro. A perda do monopólio do poder municipal é sentida em todas as regiões do país, assim como em municípios de todos os tamanhos. Ainda que se possa afirmar que a simples multiplicação de partidos não significa necessariamente a diversos grupos competindo, dado que um ou poucos grupos podem dominar as diferentes legendas (e isto realmente ocorre com certa frequência), não se pode negligenciar que a existência de instituições partidárias formais influenciam sobremaneira na estabilidade dos acordos entre as lideranças. Dito de outra forma, é fato que um político local pode controlar vários partidos, mas o seu domínio estará muito mais suscetível a defecções em sistemas que haja saídas institucionais para os que não cooperarem. Portanto, a simples existência de partidos organizados localmente colocam o poder dos antigos "mandões" em xeque.
Há diversas formas de se mensurar a competitividade dos sistemas políticos, dos mais simples aos mais complexos indicadores, e em todos eles os sistemas políticos locais apresentam maior competitividade. Destarte, há uma enorme proliferação de partidos políticos no nível municipal nas últimas duas décadas, cresce em todas as regiões e em todos os tamanhos de municípios. Há, portanto, uma enorme competitividade institucional partidária nos municípios brasileiros. Ainda que estes partidos possam ser considerados "legendas de aluguel" pelos mais pessimistas, representam importante avanço na quebra do monopólio oligárquico no Brasil, o que possibilita que novos grupos políticos possam surgir e se institucionalizar em sistemas muito fechados até bem recentemente.
Em resumo, podemos afirmar que do início da década de 1990 até hoje a política municipal sofreu grandes alterações:
1) Aumentou significativamente o número de competidores nos municípios pela nacionalização do sistema partidário, principalmente, nas eleições proporcionais (para vereadores);
2) O fator institucional (sistema eleitoral majoritário) é o maior limitador da competição eleitoral para prefeitos, no que concerne ao número de competidores, muito maior do que fatores socioeconômicos dos municípios, esta conclusão baseia-se na comparação entre as variações da competitividade dos sistemas eleitorais - majoritário e proporcional, muito maior neste último em todos os municípios.
3) Nas eleições proporcionais, a competição, menos restringida pela variável institucional, está associada a fatores econômicos tais como industrialização, taxa de analfabetismo, PIB, profissionalização da administração municipal e estrutura de comunicação.
4) Diante de pulverização da competição, o domínio dos prefeitos sobre os eleitores vê-se diminuído dado os riscos de concentrar recursos nas eleições nacionais e perder o apoio ao próprio grupo nas eleições seguintes.
Destarte, ainda que haja diversas formas de se mensurar a competitividade dos sistemas políticos, dos mais simples aos mais complexos indicadores, em todos eles os sistemas políticos locais apresentam maior competitividade hoje do que há 25 anos. E uma evidência cabal desse processo é o fato que, nas eleições de 2006 e 2010, os candidatos do PT e PSDB tiveram em média menos (ou igual) votos nos municípios em que administravam a prefeitura do que nas administradas por seus adversários. Compreender o Brasil de hoje é uma tarefa impossível sem analisar a política local, ainda que seja para afirmar que ela pouco trará influência nas eleições presidenciais.
Vitor Peixoto é professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), coordenador do curso de ciências sociais e colunista convidado do "Valor". Maria Cristina Fernandes volta a escrever em setembro.
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