segunda-feira, agosto 04, 2014

Os desapropriados do Açu continuam sofrendo, enquanto a relação público-privada precisa ser melhor esclarecida

Dizem que na briga entre o mar e as rochas os mariscos perdem sempre. Eu não estou me referindo às pedras dos quebra-mares do porto do Açu, mas, ao sofrimento que vivem aqueles lavradores que tiveram suas terras desapropriadas na região do Açu, para a instalação do porto ou do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB).

Muitos lutam na Justiça contra a desapropriação. Arguem a manutenção nos locais, porque o empreendimento não decolou como o "mega-projeto" inicial. Ou, pelo valor das indenizações e muitas outras questões. Inclusive, com questionamentos do Ministério Público Federal sobre o licenciamento ambiental e ainda sobre o cumprimento de compensações ambientais e sociais.

O mais incrível disto é que muito daqueles que aceitaram receber os valores das indenizações pagas na época em cheques da LLX (vide abaixo em que o blog retirou nome do beneficiário, número do cheque e valor) estejam neste grupo.

É ainda possível que se tratem de pequenos proprietários que não assinaram contratos e que não possuem mais acesso às terras, mesmo sem terem recebido por elas que se sentem desobrigados destas "exigências". Mas, convenhamos não é fácil para eles distinguir as suas situações. Na verdade vão se perpetuando com novos e complexos problemas para resolver, mas, sempre como vítimas de um processo.



Observe que o cheque do Banco Itaú S.A. é da empresa LLX ("Pagável por ordem de LLX"). 

Embora o ato de desapropriação seja do Estado e as terras, seriam para compor o DISJB, em que o estado seria sócio, através da Codin com a LLX (agora Prumo Logística Global S.A.) no condomínio. O estranho é que o instrumento legal utilizado para isto tenha sido um frágil "memorando de entendimento", sustentado em outro frágil documento de convênio.

Ocorre que a Receita Federal tem cobrado a todos eles, a declaração e o pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) já que as inscrições permaneceram em nome deles, porque não teria havido a lavratura das escrituras. Assim, a Receita Federal, está bloqueando o CPF deles com alegação da não declaração do ITR.

Além dos problemas dos desapropriados há questões intrigantes na relação público-privada até hoje não explicadas. Interessante recordar que na ocasião, o empreendedor afirmava publicamente que estava antecipando o valor e que iria receber no futuro do Estado. Assim, os desapropriados que fecharam o acordo, em troca do cheque, eles tiveram que assinar um contrato de "promessa de compra e venda de imóvel" de transferência para a empresa sobre o direito da terra. 

Vale lembrar que o DISJB como dito acima é fruto de um convênio de "parceria". O estado entraria com as terras desapropriadas e o empreendedor pelas benfeitorias, arruamento, luz, água, esgoto, etc. A gestão seria compartilhada por um conselho gestor paritário que se desconhece a existência. 

Algumas áreas do DISJB foram alugadas pela LLX (atual Prumo) ao preço médio de R$ 6 o metro quadrado por mês, enquanto as áreas desapropriadas foram feitas à base de R$ 1,90 o m² pela compra. 

Como decorrência disto tudo, é quase natural indagar quem fatura com este aluguel? Só a Prumo, ou também a Codin? Como são feitos e fiscalizados estes acertos? E a posse da área desapropriada pelo Estado,sabendo que só ele poderia fazê-lo? Continuam de posse da empresa? Já transferiram estas posses? Já receberam algo do estado? Já fizeram ajustes de contas? Porque os desapropriados estão recebendo cobranças de declaração de ITR? Quem são os donos atuais destes imóveis e assim responsáveis pelo imposto? Se está tudo em nome da empresa, ela na prática, se transformou em uma grande incorporadora imobiliária. Ou não? Caso afirmativo, então, surge também como decorrência, quase natural, a indagação: quais os interesses coletivos que teriam justificados as desapropriações diante de um interesse que se evidencial como exclusivo do controlador do empreendimento do Porto do Açu, antes da LLX e agora da Prumo?

O Estado chegou a prever, através da Secretaria de Desenvolvimento econômico (veja aqui) a desapropriação total de 70 milhões de metros quadrados naquela região. O blog já tratou do tema por diversas vezes. Uma delas pode ser vista de forma resumida aqui nesta postagem de 26 de abril de 2011, que traz o decreto do estado com as desapropriações, mesma data da manchete de O Globo na imagem ao lado, quando as reações às desapropriações começaram a ganhar corpo, contra o início efetivo das desapropriações.

Passados quatro anos das primeiras desapropriações na região do Açu (e 5º Distrito de SJB) e com o distanciamento que o tempo permite, ao contrário do que se poderia imaginar, os problemas e as confusões parecem ainda mais gritantes e evidentes que à época, mesmo que se compreenda que o empreendimento possa ter trazido, simultaneamente, ônus e bônus. 

Mais um vez, se vê a distância, como já vaticinava há meio século, Celso Furtado, que crescimento econômico é diverso de desenvolvimento e o público, mesmo em parceria com o privado, não pode abandonar o seu papel de regulador e de poder de árbitro a favor da sociedade como um todo, sob pena de continuarmos a sacrificar a democracia em prol daqueles que podem mais e pressionam mais.

O blog vai voltar ao assunto das desapropriações no Açu, porque entende, que elas envolvem a diversas e importantes questões (em especial outras duas) relacionadas ao empreendimento, confirmando o que sempre se questionou para a viabilização do empreendimento, na articulação desenvolvida entre o Estado e o empreendedor, agora controlado por fundo de investimento estrangeiro.

Um comentário:

douglas da mata disse...

Divertido mesmo é o sumiço dos "arautos do desenvolvimento"...

Aqueles que urravam e ofendiam a todos que criticavam a total ausência de controle social sobre o apetite voraz do capital sobre a geografia local.

Não se apoquente, caro amigo Roberto, daqui a um pouquinho, eles dirão que a culpa foi do governo (federal, é claro!).