A questão vem sendo tratada há algum tempo aqui no blog, a partir de observações e de informações da comunidade do balneário no Açu. As postagens nos blogs repercutiram e trouxeram mais matérias e reportagens sobre o tema. (Vide notas
aqui,
aqui,
aqui e
aqui)
A Câmara de Vereadores de São João da Barra arguiu a empresa Prumo Logística Global S.A., a partir da aprovação de um requerimento do vereador Frankis Arêas de Freitas. Assim, a Prumo marcou uma reunião pública na sede do Legislativo Sanjoanense para dar informações sobre o tema. Inicialmente marcada para o dia 3 de setembro, a reunião acabou suspensa e depois adiada para o próximo dia 1 de outubro.
Neste intervalo a empresa Prumo entregou à Câmara Municipal um relatório elaborado pelo professor Paulo Cesar Colonna Rosman, do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, através da Fundação Coopetec. (Veja
aqui) A pedido do Ministério Público Federal, através de ofício do procurador da República, Eduardo Santos Oliveira*, o professor Marcos Pedlowski da Uenf elaborou um outro relatório sobre o assunto. (Veja
aqui)
De posse dos dois documentos, no final de semana, o blog resolveu solicitar uma análise dos mesmos ao engenheiro civil alagoano Marco Lyra, também especialista em obras de defesas costeiras.
O mesmo inclusive já escreveu um artigo sobre o tema
aqui no dia 1 de agosto de 2014 para o blog. O engenheiro Lyra possui também um blog (veja
aqui) onde acompanha, divulga e comenta problemas semelhantes em outras praias brasileiras e do exterior.
Ainda ontem, o blog recebeu do professor da UFF e ambientalista, Aristides Arthur Soffiati, um outro documento analisando os dois relatórios citados acima.
Assim, o blog espera contribuir com a questão divulgando abaixo os textos analíticos do Lyra e do Soffiati, além de um link para acesso e download dos dois relatórios citados do professor Rosan da UFRJ feito por encomenda Prumo e do professor Marcos Pedlowski da Uenf.
Observando tudo que está escrito e analisado, não há como a comunidade não ter o direito de participar ativamente do acompanhamento científico da movimentação e das alterações da linha da costa, a partir da construção dos terminais 1 e 2 do Porto do Açu.
É obrigação do empreendedor e do Inea facultarem este direito, assim como para o planejamento de medidas de prevenção e contenção dos problemas que já estão atingindo o balneário com consequências sobre a comunidade.
Abaixo as análises do engenheiro Marco Lyra e a seguir do professor Aristides Soffiati e em seguida os dois citados relatórios.
Considerações sobre o processo erosivo na orla da Barra do Açu
Marco Lyra
Caro Roberto Moraes, pelo que
pude avaliar dos dois relatórios apresentados, ambos feitos por profissionais
renomados tenho as seguintes considerações a fazer:
No relatório do professor Paulo
Cesar Collona Rosman, não foram disponibilizados os perfis de praia levantados
no monitoramento, comprometendo o entendimento do que realmente está ocorrendo
com o pacote sedimentar. O relatório não apresenta os estudos sedimentológicos
dos perfis de praia que serviriam para avaliar o que realmente está ocorrendo
no ambiente praial.
A recomendação para o
disciplinamento do uso do solo por parte do poder municipal, é importante para
evitar conflitos no litoral da Barra do Açu, mas não o suficiente para controle
da erosão costeira, é preciso mitigar o problema com obras de proteção
costeira.
O Relatório do Professor Marcos
Pedlowski, indica que em 2011 a área em questão estava em relativo equilíbrio
sedimentar, entretanto, após a conclusão da abertura do canal de navegação em
2012, ocorreu uma forte perda de sedimentos, provocando a diminuição da faixa
central da praia do Açu, indicando que um processo erosivo está em curso.
No Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) para licenciamento da obra apresentado pela OSX, está previsto que um
processo erosivo decorreria das intervenções físicas que seriam realizadas no
ambiente costeiro local. O RIMA considera que o grau de relevância do impacto
da obra seria MUITO ALTO, e determina a necessidade de monitorar possíveis
alterações e aplicar as medidas corretivas cabíveis.
Ao final o professor Marcos
sugere a necessidade de monitoramento da área afetada e adotar providencias
para mitigar o processo erosivo instalado.
Acredito que o relatório do
Professor Marcos Pedlowski está bem fundamentado, e coincide com as previsões
apontadas no RIMA, portanto, é necessário mitigar e monitorar o problema
controlando o processo erosivo com obras de proteção costeira, para evitar
danos ao patrimônio público, privado e ambiental.
A
erosão da Praia do Açu
Arthur
Soffiati
Li "Sobre evolução da linha de
costa adjacente aos molhes do terminal TX2 do Porto do Açu-RJ e necessidade de
transposição de sedimentos", do professor Paulo Cesar Collona Rosman, da
COPPE/UFRJ, e "Relatório técnico sobre a análise da variação da linha de
costa na Praia do Açu", do professor Marcos Pedlowski, da UENF. O primeiro
escreveu por encomenda da Prumo Logística Global, empresa que assumiu a direção
do Porto do Açu, e o segundo escreveu a pedido de moradores do Açu.
Enquanto historiador ambiental ou
eco-historiador, quero dar minha contribuição. Como não tenho formação
apropriada para formular parecer sobre o assunto, tudo que sei sobre a dinâmica
costeira entre os Rios Itapemirim (ES) e Macaé (RJ) aprendi com os pesquisadores
Dieter Müehe e Enise Valentini (O litoral do Estado do Rio de Janeiro: uma caracterização
físico-ambiental.
Rio de Janeiro: Fundação de Estudos do Mar, 1998), Claudio
Freitas Neves e Georgione Costa.
Em 1848, José Saturnino da Costa
Pereira (Apontamentos
para a formação de um roteiro das costas do Brasil, com algumas reflexões sobre
o interior das Províncias e suas produções. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1848)
escreveu que a costa se afasta da Serra do Mar entre os Rio Macaé e Benevente,
enquanto o geólogo canadense Charles Frederick Hartt (Geologia e Geografia Física do Brasil. São
Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941), em 1870, afirmou
o contrário: que a Serra do Mar se afasta da costa entre os mesmo rios. Hoje,
qualquer mapa sobre geologia mostrará que Costa Pereira estava mais certo que
Hartt. A costa se afasta da Serra do Mar em virtude de um grande aterro natural
entre a margem esquerda do Rio Macaé e a margem direita do Rio Itapemirim. Este
aterro tem idades diferentes. As três unidades de tabuleiro que o constituem
têm cerca de 60 milhões de anos, algumas delas tocando o mar e formando
falésias. Não há qualquer formação de pedra ao longo dela. A maior planície
aluvial que a forma é a do Rio Paraíba do Sul, cujo início de formação data de
cerca de 5 mil anos. Compõem-na também três terrenos de restinga, sendo o mais
antigo aquele em que se situa hoje o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Nas Audiências Públicas sobre Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) dos
empreendimentos instalados a se instalarem no Complexo Logístico Industrial
Portuário do Açu (CLIPA), sempre chamei a atenção do Instituto Estadual do
Ambiente (INEA) e dos empreendedores sobre a singularidade desse trecho
costeiro novo, raso, sem significativas reentrâncias e varrido por elevada
energia oceânica.
Claudio
Freitas Neves e Georgione Costa (“O estuário do rio Paraíba do Sul”. Anais do X Simpósio
Brasileiro de Recursos Hídricos. Gramado (RS): Associação Brasileira de
Recursos Hídricos, 10-14/11/1993) concluíram que as
correntes paralelas à costa têm duas direções predominantes principais: uma,
que vem da foz do Rio Macaé até a praia de Gruçaí, ou seja, de sul para norte;
e outra que vem do Rio Itapemirim até Gruçaí, onde se encontra com a primeira e
promove o engordamento da praia. Para melhor explicar os fenômenos que ocorrem
nessa costa, ambos inserem o Rio Paraíba do Sul, que desemboca no mar quase em
ponto equidistante de Itapemirim e Macaé. Em nenhum EIA, esses autores são devidamente
levados em conta.
Considerando-se as características
dessa costa no seu todo, qualquer invasão do mar por estruturas maciças
provocará deposição de sedimentos arenosos de um lado e erosão do outro. O
Canal da Flecha, aberto entre 1942 e 1942, representa uma intervenção que
quebra a linha da costa tanto quanto o canal para o estaleiro no Açu. Em 1940,
Alberto Ribeiro Lamego (“Restingas
na costa do Brasil”. Boletim nº 96. Rio de Janeiro: Ministério da
Agricultura/Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão de Geologia e
Mineralogia, 1940) observou que o mar tende a vedar os
cursos d'água naturais e artificiais cujas barras alcançam o mar. O que mantém
abertas as barras dos Rios Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul e
Macaé é a vazão deles, mesmo assim de forma problemática.
Um molhe de pedra foi erguido na foz
do Rio Itapemirim, em sua margem direita exatamente para manter franca a barra
do rio. Parece que não houve estudos ambientais para a sua construção.
Resultado: o espigão retém areia no seu lado interno e assoreia a foz do rio,
provocando erosão na praia central de Marataízes. Para compensar a perda de
areia, a prefeitura de Marataízes promoveu a construção de uma cara praia com
base de pedras amarradas por uma malha de aço (gabião) com areia por cima. Em
Barra do Furado, dois molhes construídos de forma inconsequente pelo extinto
Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), no início da década de
1980, retiveram areia do lado de Quissamã e estão erodindo o lado de Campos.
Já era previsto que os espigões
construídos para proteção do canal do estaleiro provocariam acúmulo de
sedimentos e erosão. Um programa para correção desses problemas foi inserido no
EIA do estaleiro, mas a Prumo parece atacá-los com silêncio e um parecer técnico.
O professor Rosman parece confirmar Claudio Neves e Georgione Costa, ao
constatar que os espigões do canal estão acumulando sedimentos, o do sul mais
que o do norte. Contudo, conclui que as duas acumulações são quase simétricas.
Arrisco-me a dizer que, em breve, a do sul será maior que a do norte devido a
direção da corrente dominante. Não concordo também que, no Açu, não houve
avanço do mar, mas da vila. Assim como o professor Rosman traçou um polígono
imaginário e fixo para mostrar que não houve avanço significativo no canal do
estaleiro, a avenida litorânea do Açu demarca o núcleo urbano. Não sei se ele
repeita a Área de Preservação Permanente de 300 metros da linha do mar, como
determina a lei, mas ele funciona como um polígono real e fixo. A Vila do Açu
pode ter se adensado ao longo dos anos, mas conteve-se na avenida litorânea.
O que está ocorrendo na Praia do Açu
é atípico. Ela devia estar engordando, mas está se reduzindo. O fenômeno pode
ser passageiro, mas pode não ser. Não dispomos de uma série histórica de
ressacas que possam nos ajudar, mas as empresas do Complexo Logístico
Industrial Portuário (CLIPA) não podem simplesmente se omitir de participação
maior no problema, como, por exemplo, implantar o prometido programa permanente
de controle de alterações costeiras.
Abaixo o blog destaca o bloco dos dois relatórios (dos professores Rosman e Pedlowski) objetos de análise do Marco Lyra e do Aristides Arthur Soffitati:
PS.: Atualizado às 08:38: O blog corrige a informação sobre o pedido que gerou o relatório do professor Marcos Pedlowski da Uenf. Através de email ele informa e, assim, o blog corrige a informação sobre a autoria da solicitação do seu relatório: "O relatório que vejo postado no seu blog não foi produzido a pedido do vereador Franquis Arêas como você cita, mas do Ministério Público Federal por meio de ofício do procurador da república Eduardo Santos Oliveira."