domingo, setembro 21, 2014

A atividade turística e seus impactos: o que o caso de Barcelona aponta?

É comum se apresentar o turismo como uma atividade de serviços e desenvolvimento econômico, alternativa à produção industrial ou rural, isenta ou de baixíssimo impacto sócio-ambiental. 

O argumento inclusive é vendido com freqüência para muitas cidades com potencial para o setor, seja pelas suas belezas naturais, históricas, culturais ou pela possibilidade de estar articulada a eventos que atraiam grandes fluxos de pessoas. Sim, pessoas, porque turismo é para os humanos.

Pois bem, estando em Barcelona há três semanas, aqui, estou presenciando um interessante e forte debate entre os turistas e moradores. Um debate forte com diversas manifestações em ruas, convocação e realização de reuniões acaloradas.

As reuniões abertas são divulgadas pela mídia e blogs locais. Nelas, moradores (vecinhos) têm cobrado a presença dos seus representantes políticos na prefeitura (Ayuntamento) e no parlamento local e exercido forte “contrapressões”, pelo apoio dado aos empresários do setor hoteleiro, restaurantes e imobiliário de aluguéis por temporada.

Lembremos que o assunto não é simples num momento de baixa atividade econômica e forte desemprego em toda a Espanha, especialmente entre os jovens. Aliás, este é o principal argumento dos empresários do setor turístico, de gerador de muitos empregos, mesmo que sejam, em sua maioria, de baixa qualidade e remuneração.

Jornal catalão La Vanguardia em 18/09/2014
O conflito parece ter se ampliado consideravelmente, depois das férias do verão de 2014 (julho e agosto), mas, pelos argumentos usados de parte a parte também se percebe que não é novo.

Barcelona é hoje um dos principais destinos turísticos da Europa e porque não dizer do mundo. Isto não é recente e sim processo progressivo. Mesmo sendo um motor da industrialização espanhola, Barcelona sempre atraiu muitos turistas.

O fato se dá pelas suas características naturais de praias do Mediterrâneo, cultural, seja pela arquitetura do Gaudi, seja pela sua especificidade urbanística de 2,2 mil anos, pelos eventos seguidos, e de todo o tipo (cultural, acadêmico, esportivo, de cruzeiros, etc.) ou ainda pela sua vida noturna diversa e atraente.

Aqui a estatística está bem sedimentada em todas as áreas. Em menos de 25 anos, Barcelona passou de 1,7 milhões para 7,5 milhões e meio de turistas no ano passado. As pernoites passaram de 3,8 milhões a mais de 16,4 milhões. A prefeitura (ayuntamento) calcula que o turismo represente 14% do PIB da cidade, valores que dispararam desde os Jogos Olímpicos de 1992 e nunca mais pararam de crescer.

Este setor da economia tem ainda mais otimismo. O presidente do Grêmio de Hoteleiros da capital catalã, Jordi Clos diz que a meta é chegar a 10 milhões de turista e assim se igualar a Roma. Paris recebe 15 milhões e Londres, 23 milhões. Clos diz crer que ainda há margem de crescimento e descarta que exista uma “bolha hoteleira” na cidade.

Os investimentos do setor privado continuam. Recentemente um conflito se deu em disputa no Porto Vell, pelo interesse do turismo para alta classe em criar mais uma área para os barcos e iates, em uma nova marina.

Deixando de lado os números dos empresários do setor, os moradores (vecinos) reclamam enormemente dos bêbados (borrachos) que se perdem nas ruas, ficam nus e não encontram os locais dos seus apartamentos alugados por temporada. Os moradores questionam também esses aluguéis de temporada feitos sem a autorização da prefeitura.

As manifestações se ampliaram ao final das férias na passagem de agosto para setembro. A maior reação saia dos moradores da região histórica que se junta à praia, no encontro do bairro Gótico e da praia de Barceloneta, a Copacabana local.

Agora, as reações dos moradores já se ampliaram para outros bairros. Um deles também muito requisitado pelos turistas é o da Sagrada Família, onde está a famosa igreja do mais famoso e genial arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926).

Atualmente, mais de vinte bairros de Barcelona já se unem contra o modelo turístico atual. (Veja aqui) Por conta de todo este processo, há quem fale em acabar com a "subordinação ao turismo" e na busca de novos "modelos de cidade".
Lanche de protesto ontem no bairro del Born -
Foto 
MASSIMILIANO MINOCRI - El país 21-09-2014

A reação e o conflito não se dão contra o turismo em si, mas, à sua massificação, sem que haja uma regulação maior do poder local.

É curioso perceber o problema, porque, a maioria de nós se acostumou a falar e ouvir que o turismo seria uma das alternativas aos impactos da produção industrial. Quase nunca, lembramos que não é simples para os moradores, verem suas ruas e seus bairros “invadidos” por pessoas que chegam e somem a cada três quatro dias, tirando fotos de tudo e todos, de suas casas (ainda mais com a proliferação dos celulares), usufruindo e compartilhando seus espaços e o seu solo. Isto quase sempre não é problema para nós brasileiros que recebemos os estrangeiros (turistas ou não) melhor que os da própria terra.

A reclamação não se dá principalmente por conta do uso dos equipamentos públicos como ônibus, metrô ou as bicicletas públicas, já que o morador tem preço e condições subsidiados e mais baixos custos pela condição de moradores “empadronados” na cidade.

Não foi difícil observar na universidade a junção da área do turismo à geografia, para a investigação do tema que envolve o uso do solo, a mercantilização e apropriação de mais uma atividade antes lúdica e periférica e hoje tão lucrativa, quanto a produção, que após a enorme reestruturação produtiva (ampliada com a automação e uso da tecnologias da informação) possui margens de lucro cada vez mais menor.

Para fechar, é interessante ainda ver a mobilização comunitária em torno de seus problemas, como acontece agora com a questão turística. A exposição do conflito e apresentação dos diferentes interesses, para a busca de uma solução, como convém à política como eficiente mediadora.
Portal Público.es em 2308/2014

Pela abrangência e relevância do tema para os diferentes territórios, onde há resistência crescente e compreensível às instalações de grandes empreendimentos industriais e de infraestrutura, a consideração, análise re reflexão sobre o tema também em nosso Brasil (e nossa região), servem para que se busquem alternativas, sem julgar que elas possam ser isentas de problemas. 

De certa forma, não há também como não pensar que o Rio após as Olimpíadas de 2016, como a atual Barcelona, depois de seus jogos, em 1992, guardando as todas as diferenças de tempo histórico, cultura e povo. 

Por tudo isto e muito mais, se vê que as atividades e os serviços turísticos, assim como a produção industrial e de logística, não pode agir a seu bel prazer e interesse. Como tal também necessitam de regulação e controle da sociedade e do Estado, que deve buscar a conciliação de trabalho e renda, mas, as condições de vida e um bem-estar para todos e não o simples, crescente e exclusivo lucro de poucos em detrimentos da maioria. 

PS.: 1- O blog escolheu algumas imagens de manifestações que foram expostas na mídia e blog locais, para a melhor visualização e exposição do conflito atual. Além disso, você poderá ler nestes links a seguir, algumas matérias que trataram do tema e que podem ampliar a visão sobre o assunto para os interessados no tema aqui, aquiaqui, aqui, aqui e aqui.

2 - Não estou aqui para estudar este tema, mas, vivendo aqui e tendo ao assunto sobre desenvolvimento econômico como base para outras reflexões sobre as cidades e regiões, é que considerei que valia à pena trazer ao público do blog (leitores e colaboradores) este tema.

6 comentários:

douglas da mata disse...

Pobres espanhóis...e catalães, esta categoria ainda "pior"...

Encurralados em defesa de uma farsesca tradição e da esmolagem por dinheiro dos turistas que amam odiar...

Deve ser alguma maldição asteca ou inca...

Roberto Moraes disse...

Olá Douglas,

Mais uma vez você observa a meu juízo bem, uma outra faceta da questão.

É um tema complexo e existe um fio de navalha a ser considerado da hipótese de além da questão comunitária, o assunto ter um viés de xenofobia, racismo, preconceito e discriminação.

Não tratei deste tema para que o texto não misturasse coisas demais.

Além disso, desde os primeiros dias, observo este movimento para tentar identificar o seu viés principal, que é o que mais valorizei na postagem.

Porém a confusão e a mistura nesta sociedade nossa pós-moderna é muito grande.

Há ainda uma outra questão que o tema sugere. As atividades laborais decorrente desta atividade, mesmo na Europa onde a mão de obra é mais valorizada, é muito precarizada. Assim, isto aumenta ar margens de lucro dos grandes fundo de investidores que perceberam o poder faturamento e acumulação maior até do que nas atividades de produção industrial de muitos produtos com tecnologia agregada.

Isto faz com que a contratação de mão de obra neste setor seja mais de imigrantes do que dos espanhóis e europeus e isto trona o problema ainda mais complexo e o fio da navalha mais afiado.

Além disso, no caso da Cataluña, o tema pode estar se misturando à questão do nacionalismo.

Há ainda e isto não deve deixar de ser lembrado uma disputa política local (e isto não poderia de ser de acontecer) entre o atual governo mais à direita e o que saiu da esquerda, Jordi Heréu do Partido Socialista da Cataluña (2006-2011).

O atual Xavier Trias (2011-2015)da CiU é acusado de um amplo favorecimento a estes setores empresariais do ramo hoteleiro e imobiliário que o teria ajudado e financiado na campanha eleitoral, sem se importar com as reações para uma preocupação de bem-estar comunitário.

Não está sendo simples compreender esta enorme divisão partidária por aqui, especialmente pelo espectro do que representam.

Não saberia dizer sobre a maldição preponderante, rs,rs.

Abraço!

douglas da mata disse...

Olha Roberto, desde que espanhóis, quando detinham algum poder econômico se deram ao trabalho de enxotar brasileiros, tornando nossa entrada a Europa mais difícil que em países como a Holanda ou Alemanha, apesar de nossos "laços ancestrais" (assim como Portugal), eu me pergunto e mesmo me respondo:

As touradas, Galdi e Picasso eram a herança civilizatória mais nobre que os espanhóis legaram ao mundo...

O resto é lixo...

País de "mierda, pueblo de mierda..."

Por mim teríamos deportado estes comedores de paeja há tempos...

douglas da mata disse...

PS:

Agora falando um pouco mais sério, o que está em jogo também perpassa os aspectos culturais de mediação com a indústria do turismo e a (auto) estima deste "pueblo de mierda"...

Com a pobreza deles, o turismo que lhes restou é um do tipo de "massas", onde multidões de odiados "novos-classe-média" (como nós, porteiros, empregadas, pretos a pardos, etc) chegam aos milhões...

Um turismo de escala...

Ao contrário da época de fausto, quando selecionavam seu convidados no jet-set, direto para Ibiza e outras paragens com taxas extorsivas, o que, na mentalidade exclusivista, filtra a clientela...

Mentalidade esta que é transnacional, sejam nos racistas espanhóis ou catarinenses...

É tudo uma questão de mercado, e pouco tem a ver com "sobrevivência cultural ou do comunitarismo"...

Um abraço...

Anônimo disse...

Olah douga.

tourada e caça a raposa é coisa de pessoas civilizadas tipo gente fina aristocrata.
Malditos sejam !

douglas da mata disse...

Babaca das 5:50, abater um boi no frigorífico para assar sua picanha não tem muita diferença...

Pelo menos na tourada o touro tem uma chance, por menor que seja...

Maldita seja a sua burrice, argh...