domingo, novembro 30, 2014

A crise prevista em Macaé "Princesinha do Atlântico" chegou antes do fim dos royalties

Falamos sobre o assunto na quarta-feira, ao comentar a disputa judicial que a Prefeitura de Macaé se dispôs a encabeçar como que a conformar o que já se intuía de perda da centralidade do município na gestão da exploração offshore no país. (Se desejarem vejam algumas notas do blog aquiaqui e outra aqui de abril)

Na sexta-feira, o portal de notícias relacionadas à cadeia do petróleo, o PetroNotícias, publicou aqui uma matéria sobre a atual crise cujo título é: "O Eldorado de Macaé com as incertezas do setor brasileiro de petróleo".

Hoje, a Folha de São Paulo traz aqui outra reportagem: "Capital do petróleo" Macaé vive onda de demissões".

Ao contrário do que ambas as matérias falam relacionando demissões e fechamento de empresas à crise do setor petróleo e Petrobras, que existe, mas não justificariam, ainda, os problemas que já estão há mais de ano como comentei na nota aqui no blog em abril passado.

Grande parte dos problemas que Macaé vive está relacionado à movimentação que o setor petróleo vive, com novas espacialidades, reconcentração na metrópole e espraiamento para o interior que não foram devidamente antecipados e planejados.

O problema só não é maior porque as receitas dos royalties ainda estão garantidas, mesmo que por liminar. É bom que os demais municípios petrorentistas (da região chamada de produtora) liguem suas antenas e se planejem melhor.

É bom que a sociedade regional pressione por uma planejamento regional em que as cidades colaborem entre si e se integrem e não fiquem em políticas concorrenciais que interessam apenas a grupos políticos e empresas que pensam apenas em seus lucros.

A imagem da matéria da FSP. que mostra os ferros velhos e retorcidos, republicada abaixo, talvez seja um bom símbolo para se enxergar as ameaças que o presente e o passado de gastos e abastanças não nos deixavam pensar. Ainda assim, antes tarde do que nunca.




















PS.: Atualizado às 17:14: A discussão e os comentários no perfil do Facebook são sempre mais ágeis e interativo. Assim, como esse tema é interessante e o debate sobre ele deve se ampliar, o blog tomou a liberdade de transcrever (copiar) os comentários feito no perfil do blogueiro no FB, também para esse espaço:

  •  Arthur Soffiati Fiz esta previsão e perguntei como ficarão os município depois da era royalties. Noto que faltam planejamento, competência e talvez honestidade.
    5 h · Descurtir · 7
  • Hélio Gomes Roberto, até que ponto a utilização crescente e maciça do gás de xisto nos EUA e na China têm contribuído pra isso? Tenho a impressão que todo mundo que explora petróleo está colocando as barbas de molho. O mundo do petróleo pisou no freio nos seus cro...Ver mais
    5 h · Descurtir · 3
  • Marcos Oliveira O boom agora vai ser em Santos.
    5 h · Descurtir · 3
  • Roberto Moraes Há que separar a análise dessa questão tanto no espaço, quanto no tempo, para evitarmos misturar as coisas que embora relacionadas, ela têm causas e consequências diversas.
  • Os problemas em Macaé de desaquecimento das atividades vêm num crescente. A MPE está demitindo há quase seis meses, assim como outras empresas. A própria Petrobras vem deslocando setores, num processo de reconcentração junto à sede no Rio. Além disso, estamos vivendo o auge da automação e do enxugamento das equipes de produção. Nunca se produziu tanto, como tão poucas pessoas na Bacia de Campos.
  • A questão da disputa com o Porto do Açu e a redução do preço do petróleo no mercado internacional, ainda vão produzir outras consequências tanto em Macaé, quanto nos demais municípios petrorentistas, entre elas com a redução das receitas dos royalties e um ritmo mais lento no desenvolvimento de novos projetos, considerando também a crise interna da empresa que se soma ao cenário internacional.
  • Quanto ao freio da produção e refino mundial de petróleo isto não existe. Ao contrário, nunca se produziu tanto, a ponto do preço que estava na casa dos US$ 100, há dois meses, nessa última semana, depois da reunião da Opep ter baixado para a casa dos US$ 70 o barril, podendo segundo algumas previsões chegar aos US$ 60.
  • Os EUA está produzindo 9 milhões de barris por dia e tem previsão de chegar no ano que vem a perto dos 10 milhões de barris. Com este volume de produção, os EUA cola na Rússia na casa dos 10,5 e Arábia Saudita com 11,5 milhões de barris por dia. Isto em termos de produção equivalente estando junto gás de xisto e gás natural. É muita coisa. 
  • O aumento da produção dos países árabes se trata de uma disputa com os EUA para saber se é ainda a Opep, ou agora, os EUA que controla o preço de mercado de petróleo no mundo. A Opep está esticando a corda para saber até onde os americanos conseguem manter a evolução da produção de gás de xisto com o uso do fracking. 
  • Os árabes acreditam que na faixa em torno de US$ 70 o barril, os EUA terá que rever seu plano de produção com xisto que tem prazo de validade estimada para cerca de 3 ou 4 anos. Os EUA estão a princípio pagando a aposta e diz que tem condições de produzir gás de xisto competitivo até o preço de US$ 42 o barril de petróleo. 
  • No meio desta disputa estamos nós e a Petrobras. Logo após a descoberta do pré-sal se dizia que sua exploração só era viável com o preço do petróleo até US$ 75 o barril. Como não se sabe o custo exato da produção no pré-sal hoje se trabalha apenas com estimativas. Assim, dizem que até US$ 60 o barril vale produzir no pré-sal. Abaixo não. 
  • A questão é que o planejamento da Petrobras, em seu Plano de Negócios e Gestão (PNG) se trabalhou com previsões em que o barril de petróleo estaria a 105 dólares em 2014; 100 dólares até 2017; e 95 dólares em 2018. Assim, nesse patamar a meta era investir US$ 220,6 bilhões até 2018. 
  • Dessa forma, as conseqüências deste novo quadro só começarão a se sentidas mais adiante. Além disso, há que se pensar na realidade para 2017/2018, porque o setor não consegue mexer com velocidade numa cadeia de produção tão pesada em curto espaço de tempo. Em 2017, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), já se previa uma limitação da produção de xisto nos EUA, além de um contínuo aumento da demanda, apensar dos investimentos em energias, ainda chamada de alternativas.

  • Dessa forma, eu não acredito numa freada tão brusca no setor. A exploração de petróleo offshore continua em expansão até aqui. Por exemplo, mesmo diante de muitas resistências a Repsol está com o navio Rowan Renaissance explorando o mar do Mediterrâneo próximo das Ilhas Canárias. 
  • A China junto com outros países asiáticos expandem sua exploração e produção no Mar da China. A China está em Cuba, pelo Golfo do México com uma enorme plataforma também fazendo explorações e já anunciando descobertas. Ao norte do Mar do Norte, no Mar Cáspio também. 
  • É possível que a decisão da Opep nessa semana mexa com o setor, mas exploração e perfuração vem antes da produção, porque ela se transforma em reserva para ser explorada quando o preço do produto passa a valer à pena.
  • Mais que isso, toda essa mexida, tende a reduzir também o preço dos serviços contratados no setor que são muito caros. O fato se dá porque há ameaça de redução e suspensão de contratos e como se sabe “barco parado não recebe fretes”.
  • Enfim, voltando à situação da região e não apenas Macaé, é certo que a movimentação espacial com a redução das atividades petrolíferas no município continuará qualquer que seja o cenário. Mais brando, ou mais agudo, com relação à redução das atividades em todo o país. 

  • Até por tudo isto, se não tivemos na bonança, é hora agora, na “maldição mineral” se começar a trabalhar de forma conjunta e integrada a região. Estrategicamente, nenhum município sairá bem concorrendo com os demais.

    A Ompetro que quase sempre atuou como “convescote exclusivo de luta defesa dos royalties” poderia fazer antes tarde que nunca) o seu dever de casa de unir os municípios num processo de construção de um planejamento integrado e regional. 
  • O Estado, omisso em todo esse tempo, tem o papel de estimular e organizar esse debate de Ordenamento Territorial e de planejamento das políticas públicas da região norte fluminense.
  • Fora daí é mais do mesmo. Notícias de todos os tipos para servirem ao gosto dos fregueses para quem pretende e vem gostando em ser enganado.
  • A conferir!

2 comentários:

douglas da mata disse...

Roberto, desde os primeiros sinais sobre as "mudanças vocacionais" do Porto do Açu já conversávamos que o "tabuleiro das apostas" do setor de energia passava por um reconfiguração...

Não por coincidência, esta mudança tem a ver com a própria reciclagem dos ciclos capitalistas (expansão e retração).

Claro que não se trata apenas de questões de precificação baseada na oferta ou na demanda do produto energético, ou nos custos de sua produção...

Sabemos que há um enorme "gap" embutido por interesses especulativos, que inflam espectativas ali, atacam outras acolá, sempre mediados pelos lacaios ("analistas", jornalistas e colunistas) de plantão...

E no fim, esta aparente virtualidade especulativa acaba por se impor às questões fáticas, quando apostar no preço vale mais que o preço em si...


Mas este não é o debate principal.

Eu gostaria de discordar de você em um ponto:

Nenhuma articulação regional garantiria (ou garantirá) um antídoto contra a força descomunal exercida pelos conglomerados carbono-energéticos, e o seu mercado derivado, sobre os nossos frágeis aparatos institucionais.

Sim, porque estas articulações, ainda que politicamente (strictu sensu) fossem bem sucedidas, não dariam conta de uma questão chave:

- A noção de desenvolvimento patrocinada e esposada pelas elites locais é estruturada em uma lógica patrimonialista, concentradora e privatista.

Seria preciso uma ampla e profunda reforma no nosso caráter transclassista para alterar nossa relação com estas forças...

Não enxergo isto no médio prazo...

Só vai nos restar lidar com os ônus (e com bônus cada vez menores) desta ocupação "aparentemente" desordenada (mas que obedece uma dinâmica conhecida na história do capitalismo)...

O cenário que vem por aí não é animador...


Ainda bem que já ultrapassei e metade de meus anos de vida.


O que nos "salvaria" seria uma retomada na expansão chinesa (que vai acontecer, não se sabe como e em que velocidade), e um conflito armado global, de natureza convencional, entre EUA e China, onde pudéssemos ficar de longe, enriquecendo e modernizando nosso esforço industrial com a venda de insumos e apoio logístico a um dos lados...

Roberto Moraes disse...

Sim Douglas,

Você tem razão a escala em que as questões das corporações e do capital são decididas e encaminhadas vão bem para além das locais e regionais.

Porém, sempre sobra espaço de alguma tentativa de regulação no plano de quem tem a função de gerir e ordenar o território, mesmo que não seja simples. O que não dá é atuar só com os tapetes vermelhos concedendo tudo e "todos".

Mas é verdade que o processo é mais embaixo. O Harvey detalha isto ainda mais detidamente em outro livro seu chamado "Os limites do capital". Lá ele aponta como se dão as decisões sobre alocação do capital fixo sobre o território passando por cima de outras questões se precisam que os fluxos materiais e financeiros se efetivem.

Quanto aos novos alinhamentos e as disputas na geopolítica mundial vamos continuar acompanhando. Há sim quem compreenda que crises grandes como a que estamos vendo, chega a um ponto em parece que a chamada "destruição criadora" schumpteriana e tão apreciada, pelo não menos apreciado Keynes, parece a solução.

Grande abraço.