Ainda assim, lendo de passagem o artigo, sugerido pelo amigo, professor Luiz Pinedo, publicado na edição de hoje do Valor, de alguma forma, eu fiquei com a sensação que muito do que ando vendo aqui pela Europa, sobre sistemas portuários, logística e sua relação com a economia global está ligada diretamente ao tema mais geral que o artigo do Belluzzo nos traz.
A onipresença das mesmas corporações globais em diferentes partes do mundo globalizado, controlando e dosando os investimentos para a definição de quais infraestruturas devem ser construídas. Como e em que direção (e linhas mundiais) se darão os fluxos de cargas (commodities ou produtos industrializados) e quais são os lucros que a produção e o capital fictício (e volátil) terão, independente das pessoas, é que eu decidi que vale conhecer o texto do Belluzzo.
Mesmo que extraiamos dele só a conclusão sintética presente no título desta nota, que de certa forma está também no editorial da revista Carta Capital desta semana, escrito pelo Mino Carta e que entre outras coisas conclui que os empresários brasileiros tornaram todos, sem exceção, rentistas.
Há quem ainda reclame do Estado e queira menos regulação da economia. No geral, quase sempre, são eles os mesmos que continuam migrando da produção para as tesourarias do rentismo. Menos mal, se continuarmos a ter ainda alguma capacidade de investimento no setor público, para que possa manter a roda girando, como menos traumas para quem depende do emprego para sobreviver.
Será que "Podemos" ou devemos mexer nisto?
Enfim, confiram o texto:
Os caminhos da estagnação
"Não estamos cuidando de um problema de finanças públicas, mas das criaturas dos fluxos de capitais privados e dos atores financeiros." Richard Kozul Wright, diretor da Unctad
Em seu livro "The Road to Recovery", o economista Andrew Smithers demonstra que no período 1981- 2009 o investimento das empresas privadas, calculado sobre o PIB, caiu 3 pontos percentuais nas economias desenvolvidas. O investimento deixou de apresentar o comportamento cíclico de outros tempos em que os gastos com "capex" acompanhavam as flutuações da economia.
A tese de Smithers desloca o debate para além da macroeconomia e das controvérsias entre keynesianos bastardos e crentes ortodoxos. Para ele, a "parolagem da confiança" esconde as transformações profundas na governança de bancos e empresas e mantém nas sombras as correspondentes modificações no ambiente macroeconômico em que se desenvolvem as estratégias empresariais. As hipóteses dominantes desconsideram as complexas interações entre as estratégias das corporações - financeiras e não financeiras - e a reconfiguração das estruturas econômicas.
O Brasil, com suas taxas de juros de agiota, tem a função de tesouraria das transnacionais sediadas no país
No "Financial Times", em julho de 2013, o editor do jornal, Robin Harding, assinalou a desconexão entre a o desempenho da rentabilidade das empresas e o investimento. Uma fração significativa dos lucros acumulados é destinada às operações de tesouraria, mediante a busca de "valorização" das carteiras de ativos financeiros já existentes.
No âmbito da configuração do sistema de crédito e da gestão financeira, isso exigiu a queda das barreiras que impediam o envolvimento dos bancos comerciais no financiamento da alavancagem de ativos imobiliários e financeiros. As mudanças regulatórias encorajaram a securitização dos créditos jogados para "fora do balanço", no colo dos SIVs (Special Investment Vehicles) e outros "bancos-sombra", ilustres protagonistas das imprudências alavancadas.
Nos Estados Unidos, o volume de crédito destinado a financiar posições em ativos já existentes cresceu a uma velocidade muito superior àquela apresentada pelos empréstimos destinados ao gasto produtivo. Como proporção do PIB, o valor dos empréstimos bancários para outras instituições financeiras é hoje quatro vezes maior do que os créditos destinados a financiar a criação de emprego e renda no setor produtivo.
Alterou-se a relação entre os recursos destinados ao investimento e aqueles utilizados para propiciar a elevação "solidária" dos ganhos dos acionistas e a remuneração dos administradores ("stock options"). Nos anos 60, tempos dos oligopólios de Berle e Means e dos gerentes obcecados com o crescimento da empresa no longo prazo, a cada US$ 12 gastos com compra de máquinas ou construção de novas fábricas, apenas US$ 1 era gasto com os dividendos pagos aos acionistas. Nas décadas seguintes, a proporção começou a se inverter: mais dividendos, mais "juros sobre o capital próprio" e menos investimento nas fábricas e na contratação de trabalhadores.
A associação de interesses entre gestores e acionistas estimulou as compra das ações das próprias empresas com o propósito de valoriza-las e favorecer a distribuição de dividendos, rendimentos não sujeitos à tributação. A isso se juntam a febre das fusões e aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, o afogadilho das demonstrações trimestrais de resultados e as aflições das tesourarias de empresas e bancos açoitadas com o guante da marcação a mercado. "Tudo pelo social". O social, bem entendido, é o desfrute acionário abusivo dos resultados do capital "socializado".
Na base da apropriação de renda "rentista" está o inchaço das dívidas públicas nacionais. Para a compreensão da "nova dinâmica" do enriquecimento e da desigualdade é necessário avaliar o papel do endividamento público na valorização do capital fictício e na transmissão da riqueza entre as gerações.
Os títulos dos governos se constituem no "lastro de última instância" dos mercados financeiros globais "securitizados". No que respeita à segurança e à liquidez, há uma hierarquia entre os papéis soberanos emitidos pelos distintos países, supostamente construída a partir dos fundamentos fiscais "nacionais". Mas essa escala hierárquica reflete, sobretudo, a hierarquia das moedas nacionais, expressa nos prêmios de risco e de liquidez acrescidos às taxas básicas de juros dos países de moeda não conversível.
O diferencial de juros entre aqueles vigentes na "periferia" e os que prevalecem nos países "desenvolvidos" está determinado pelo "grau de confiança" que os mercados globais estão dispostos a conferir às políticas nacionais dos clientes que administram moedas destituídas de reputação internacional.
Na etapa atual da Grande Estagnação, por exemplo, o Brasil, com suas taxas de juros de agiota, desempenha a honrosa função de tesouraria das empresas transnacionais sediadas no país, travestindo o investimento em renda fixa com a fantasia do investimento direto. (Trata-se, na verdade, de arbitragem com taxas de juros: as subsidiárias agraciadas com os juros do dr. Tombini contraem dívidas junto às matrizes, aborrecidas com os juros da senhora Janet Yellen ou do senhor Draghi).
Essa arbitragem altamente rentável e relativamente segura conta com a participação dos nativos "desanimados". Juntos, engordam o extraordinário volume de "operações compromissadas" - o giro de curtíssimo prazo dos recursos líquidos de empresas e famílias abastadas.
Aprisionada no rentismo herdado da indexação inflacionária, a grana nervosa "aplaca suas inquietações" - diria Maynard Keynes - no aluguel diário dos títulos públicos remunerados a taxa Selic.
A eutanásia do empreendedor é perpetrada pelos esculápios do rentismo. A indústria e a industriosidade vergam ao peso dos juros elevados e do câmbio sobrevalorizado. A inflação resiste à baixa e sustenta a indexação. As finanças públicas se rendem ao trabuco do superávit primário apontado para o seu peito. Enquanto a ninguenzada paga os impostos, a turma do "dolce far niente" se empanturra nas festanças da austeridade.
Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists."
3 comentários:
Eu ainda não me tornei rentista, mas seguramente vou. Só trouxa quer produzir enfrentando toda a burocracia e legislação complexa, num ambiente cada vez mais hostil à produção. Melhor vender tudo e viver de renda...
Não é à toa que Warren Buffett diz que sua classe (a rica) está vencendo a guerra.
Quero ir pro lado deles. Chega de dar soco em ponta de faca!
A verdade é que ganha-se muito mais na farra dos derivativos e aplicações financeiras do que na produção. O capital se desloca facilmente para onde a regulamentação é menor em busca de perpetuar a sua acumulação infinita.
Deixa este negócio de produção para os chineses e quando eles não quiserem mais, para os indianos, para os bengalenses, paquistaneses e por fim os africanos...
Vamos todos ser funcionários públicos ou rentistas. Nada de produzir, isto é bobagem...
Beluzzo é o mesmo que diz que votou na Dilma por apoiar o modelo desenvolvimentista, que nos levou pro buraco da recessão que estamos hoje: crescendo menos que os países desenvolvidos, menos que os em desenvolvimento e menos que os BRICS. Esse daí é da mesma patota do Mercadante, que em 1986 ficou todo contente com o congelamento de preços do governo Sarney, mas ele não entendia o motivo de começar a ocorrer desabastecimento. São todos JÊNIOS!!!
Beluzzo tem que se preocupar mais é com o Palmeiras, que tem grandes chances de ser rebaixado, da mesma maneira que o grau de investimento do Brasil pode ser no ano que vem!!!
"No Brasil a burrice tem um passado glorioso e um futuro promissor"
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