A década do escândalo
Luciano Martins Costa
Os jornais de quarta-feira (31/12), último dia de 2014, analisam as escolhas até aqui anunciadas para a formação do governo no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Há uma tendência dos comentaristas a considerar que o futuro ministério marca uma separação formal entre a presidente reeleita e seu mentor, o ex-presidente Lula da Silva. A tese predominante considera que as escolhas de Dilma revelam que ela busca mais autonomia, mas fica isolada no partido que a elegeu.
A principal divergência nessa corrente fica por conta do colunista Elio Gaspari, para quem não se pode dissociar Dilma de Lula. O articulista da Folha de S.Paulo e do Globo entende que o aparente afastamento entre os dois é apenas um estratagema para dar ao governo petista duas frentes no embate político, de olho das eleições de 2018. Assim, se a atual presidente promete fazer uma faxina na Petrobras, e dá sinais de se afastar da corrente partidária mais envolvida no escândalo, Lula se empenha no discurso de defesa da estatal.
Interessante observar que Gaspari, cujos textos costumam se distanciar anos-luz das platitudes e imposturas que florescem na imprensa brasileira, usa a palavra “estratagema” em vez de “estratégia”. Em filosofia, “estratagema” significa um ardil, ou manobra, que se justifica eticamente apenas em circunstância de conflito aberto e que, em contexto não conflituoso, é condenado como engodo e farsa. Estratégia é a arte ou ciência de escolher um plano e os meios idôneos para alcançá-lo.
No texto de Gaspari, a distância entre Dilma e Lula é um ardil para alcançar o plano estratégico de ocupar o máximo de espaço na política. Assim, conclui-se que a aparente divergência entre os dois permite que o governo domine ao mesmo tempo o campo da situação, que lhe compete pela vitória nas urnas, e parte do campo da oposição, por deslocar seus dois mais importantes protagonistas para posições diferentes no conflito representado pelo escândalo da corrupção.
Enquanto isso, a oposição propriamente dita vive a reboque da imprensa, perde a iniciativa e fica na condição subalterna de alimentar manchetes de efeito duvidoso. Falta uma estratégia aos oposicionistas, e a maior prova disso é que perdeu a eleição presidencial, mesmo com o apoio maciço do maior poder fora das instituições republicanas.
Estratégias e estratagemas
Em algum momento, um desses próceres da mídia tradicional vai afirmar que o período que se encerra em 2014 terá sido a “década da corrupção”. Afinal, é da natureza dos próceres produzir manifestações extremas, como diria o Policarpo Quaresma, personagem do romance de Lima Barreto, porque têm uma necessidade extraordinária de não serem esquecidos pelo futuro. Numa imprensa que desestimula o trabalho em equipe e incentiva a carreira individual, o jornalista precisa se destacar no grito, daí a proliferação dos textos ruidosos e “definições definitivas”.
Seria mais apropriado dizer que essa tem sido a década do escândalo, mas também pode ser chamada de a década da Justiça, a se julgar pelo grau de eficiência alcançado pelo sistema punitivo do Estado, ainda que algumas de suas decisões sejam contraditórias. Também se pode afirmar que essa é a década em que o chamado “quarto poder” se apropriou de uma fração do Poder Legislativo, ao assumir a tutela do campo político que compete à oposição.
Desde maio de 2005, quando a revista Veja revelou o conteúdo de um vídeo, no qual um funcionário graduado dos Correios se vangloriava das facilidades do esquema que desaguou na Ação Penal 470, os principais meios de comunicação do país vêm se tornando protagonistas da ação partidária, emasculando as agremiações oposicionistas, que ficam a reboque de jornalistas. De lá para cá, contraditoriamente, a oposição ganhou voz e destaque na mídia, mas perdeu três eleições consecutivas.
O que é que esse breve histórico demonstra?
Que, ao se entregar à tutela da imprensa, a oposição perde o poder de elaborar sua estratégia e passa a viver de estratagemas. Também se pode concluir que, a despeito do que dizem as pesquisas sobre a credibilidade da imprensa, a mídia tradicional não tem influência suficiente para definir o resultado das urnas, ainda que transforme o clima eleitoral em uma “tempestade perfeita”.
A democracia brasileira precisa de uma oposição que jogue no campo político, em vez de se rebaixar à condição de marionete da mídia.
Um feliz 2015 para todos nós.
Os jornais de quarta-feira (31/12), último dia de 2014, analisam as escolhas até aqui anunciadas para a formação do governo no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Há uma tendência dos comentaristas a considerar que o futuro ministério marca uma separação formal entre a presidente reeleita e seu mentor, o ex-presidente Lula da Silva. A tese predominante considera que as escolhas de Dilma revelam que ela busca mais autonomia, mas fica isolada no partido que a elegeu.
A principal divergência nessa corrente fica por conta do colunista Elio Gaspari, para quem não se pode dissociar Dilma de Lula. O articulista da Folha de S.Paulo e do Globo entende que o aparente afastamento entre os dois é apenas um estratagema para dar ao governo petista duas frentes no embate político, de olho das eleições de 2018. Assim, se a atual presidente promete fazer uma faxina na Petrobras, e dá sinais de se afastar da corrente partidária mais envolvida no escândalo, Lula se empenha no discurso de defesa da estatal.
Interessante observar que Gaspari, cujos textos costumam se distanciar anos-luz das platitudes e imposturas que florescem na imprensa brasileira, usa a palavra “estratagema” em vez de “estratégia”. Em filosofia, “estratagema” significa um ardil, ou manobra, que se justifica eticamente apenas em circunstância de conflito aberto e que, em contexto não conflituoso, é condenado como engodo e farsa. Estratégia é a arte ou ciência de escolher um plano e os meios idôneos para alcançá-lo.
No texto de Gaspari, a distância entre Dilma e Lula é um ardil para alcançar o plano estratégico de ocupar o máximo de espaço na política. Assim, conclui-se que a aparente divergência entre os dois permite que o governo domine ao mesmo tempo o campo da situação, que lhe compete pela vitória nas urnas, e parte do campo da oposição, por deslocar seus dois mais importantes protagonistas para posições diferentes no conflito representado pelo escândalo da corrupção.
Enquanto isso, a oposição propriamente dita vive a reboque da imprensa, perde a iniciativa e fica na condição subalterna de alimentar manchetes de efeito duvidoso. Falta uma estratégia aos oposicionistas, e a maior prova disso é que perdeu a eleição presidencial, mesmo com o apoio maciço do maior poder fora das instituições republicanas.
Estratégias e estratagemas
Em algum momento, um desses próceres da mídia tradicional vai afirmar que o período que se encerra em 2014 terá sido a “década da corrupção”. Afinal, é da natureza dos próceres produzir manifestações extremas, como diria o Policarpo Quaresma, personagem do romance de Lima Barreto, porque têm uma necessidade extraordinária de não serem esquecidos pelo futuro. Numa imprensa que desestimula o trabalho em equipe e incentiva a carreira individual, o jornalista precisa se destacar no grito, daí a proliferação dos textos ruidosos e “definições definitivas”.
Seria mais apropriado dizer que essa tem sido a década do escândalo, mas também pode ser chamada de a década da Justiça, a se julgar pelo grau de eficiência alcançado pelo sistema punitivo do Estado, ainda que algumas de suas decisões sejam contraditórias. Também se pode afirmar que essa é a década em que o chamado “quarto poder” se apropriou de uma fração do Poder Legislativo, ao assumir a tutela do campo político que compete à oposição.
Desde maio de 2005, quando a revista Veja revelou o conteúdo de um vídeo, no qual um funcionário graduado dos Correios se vangloriava das facilidades do esquema que desaguou na Ação Penal 470, os principais meios de comunicação do país vêm se tornando protagonistas da ação partidária, emasculando as agremiações oposicionistas, que ficam a reboque de jornalistas. De lá para cá, contraditoriamente, a oposição ganhou voz e destaque na mídia, mas perdeu três eleições consecutivas.
O que é que esse breve histórico demonstra?
Que, ao se entregar à tutela da imprensa, a oposição perde o poder de elaborar sua estratégia e passa a viver de estratagemas. Também se pode concluir que, a despeito do que dizem as pesquisas sobre a credibilidade da imprensa, a mídia tradicional não tem influência suficiente para definir o resultado das urnas, ainda que transforme o clima eleitoral em uma “tempestade perfeita”.
A democracia brasileira precisa de uma oposição que jogue no campo político, em vez de se rebaixar à condição de marionete da mídia.
Um feliz 2015 para todos nós.
2 comentários:
Esse pt de carteirinha queria mesmo era viver num país onde toda a mídia fosse controlada pelo governo, incluindo aí a internet, mas claro que só se o PT estivesse no poder. Ridículo esse texto. Se a imprensa não tivesse investigado essas barbáries, cuecas ainda estariam andando por aí cheias de dinheiro de propina. Quantas Land Rover teria seu Delúbio? E a cambada julgada e condenada pelo STF? Aonde estariam?
Essa doeu
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