Aprecio a concisão dos argumentos. Esse é um bom exemplo disto. Tenho alguns questionamentos, mas qualifico o texto como uma sucinta, mas profunda e atual reflexão. O artigo foi publicado na edição desta sexta-feira do Valor.
A questão que o autor deixa em aberto já foi fortemente rebatida pelo também professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista também publicada no mesmo jornal, no início dessa semana (veja aqui) que eu repercuti em comentário nas redes sociais.
Enfim, vale conhecer o texto e a principal argumentação do autor sobre a social-democracia e a busca pelo estado de bem-estar-social:
"A social-democracia do PT em xeque"
"Com raízes remontando ao século 19, foi após a 2ª guerra mundial que a social-democracia se disseminou pela Europa, com vitórias seguidas em diversos países. Os social-democratas lideraram a construção de complexos sistemas nacionais de proteção social, calcados em pesados investimentos em políticas de saúde, educação, moradia, assistência aos desempregados etc. Depois dos direitos civis e dos direitos políticos, firmava-se a ideia de que o Estado também era responsável por assegurar os direitos sociais, garantindo condições dignas de vida mesmo para os excluídos do mercado de trabalho. Consolidavam-se, assim, a ideia e a prática do que se convencionou chamar de Estado de bem-estar social. Com graus variados de intervenção na sociedade e na economia, a social-democracia teve êxitos inegáveis na elevação dos padrões de vida em diversos países. A deterioração fiscal de muitos Estados nacionais, principalmente a partir da crise do petróleo de 1973, abriu as portas para concepções mais liberais de governo, que cortaram políticas e promoveram processos de desregulamentação econômica.
O Brasil teve evolução histórica distinta. Direitos civis e políticos tiveram idas e vindas, ao sabor da alternância entre ditaduras e períodos mais ou menos democráticos. A Era Vargas trouxe avanços nas relações trabalhistas, ao preço da formatação de uma estrutura sindical cartorial-estatista, que ainda sobrevive. No regime de 1946-64, o PTB varguista deu seguimento às bandeiras sociais e ao sindicalismo domesticado, não tendo força política, no entanto, para ir além. Nos estertores da última ditadura, o PMDB ostentou plataforma que combinava a luta pela redemocratização a um esboço de bem-estar social - o que lhe valeu a simpatia de amplas fatias do eleitorado urbano. O inchamento do partido nos anos oitenta e o fracasso do governo Sarney no combate à inflação lançaram por terra as possibilidades tanto de avanço substantivo nas políticas sociais quanto de consolidação do PMDB como porta-voz das ideias social-democratas. No entanto, setores do partido foram importantes na formatação e aprovação de capítulos centrais da Constituição de 1988, que estabeleceram as bases institucionais para avanços futuros nas politicas sociais.
Alguns dos setores progressistas do PMDB se descolaram no mesmo ano de 1988 para fundar o PSDB. O partido que traz a social-democracia no nome e no programa original logo chegaria à Presidência, antes de se consolidar como organização e desprovido de práticas de governo mais experimentadas. Copiando as concepções então dominantes, adotou um receituário genuinamente liberal de gestão econômica, com políticas fiscais restritivas e de diminuição da intervenção estatal. Se na Europa essas políticas levavam ao desmonte do Estado de bem-estar, no Brasil não havia muito o que desmontar. Em nome da estabilidade monetária, elas impediram maiores avanços nessa seara ao longo dos oito anos de FHC, deixando espaço apenas para alguns esboços, como o bolsa-escola.
Suponhamos que o PSDB tivesse adotado uma gestão econômica distinta e promovido avanços significativos na construção de um colchão social que amenizasse as desigualdades seculares do Brasil. O partido seria classificado como social-democrata? Não, pois lhe faltaria um componente essencial: vínculos sólidos com atores sociais organizados, principalmente os sindicatos. A social-democracia e seu "welfare state" são encarados pelo cientista político Adam Przeworski como expressões de um compromisso de classe: de um lado, os operários e seus sindicatos foram percebendo que dificilmente construiriam uma maioria sólida e estável a ponto de promover mudanças radicais no sistema econômico; de outro, a burguesia via nesse compromisso uma saída para arrefecer as pressões por mudança, num momento em que o espectro da revolução comunista ainda rondava a Europa. Para uns, os ganhos possíveis; para outros, as concessões inevitáveis.
O ano de 2003 marcou a chegada ao governo brasileiro do que de mais próximo possuímos de uma social-democracia. O que foi teorizado pelo professor de origem polonesa foi praticado por Lula. Relaxamento de parâmetros da gestão econômica (mas sem uma guinada radical), políticas sociais agressivas, conciliação de interesses de grupos sociais antagônicos, e aumento da interferência estatal na sociedade e na economia, liderados por um partido umbilicalmente ligado a suas bases sindicais. Os tucanos gostam do rótulo, mas desgostam da prática; os petistas odeiam a etiqueta, preferindo um sempre vago "socialismo democrático", enquanto o partido (nunca revolucionário, posto que fundado para ganhar eleições) firmava-se com práticas tipicamente social-democratas.
Os êxitos do PT no fortalecimento do colchão social desde 2003 são quase consensuais. A agenda e os investimentos sobreviveram ao mensalão em 2005, à crise internacional de 2008, à passagem de bastão em 2010 e a um primeiro mandato Dilma em piloto automático. O maior desafio vem agora. Num ambiente internacional incerto, em meio a problemas fiscais, com crescimento quase nulo e inflação escorrendo pelos dedos, a gestão Dilma se vê no dilema entre o arrocho nas contas públicas e a manutenção das políticas sociais. Para fazer com que dois e dois somem mais que quatro, a equipe econômica raspa o tacho de alíquotas, fim de incentivos fiscais etc. Liderando uma equipe que agora pode chamar de "sua", um eventual fracasso poderá levar Dilma Rousseff a ser lembrada como aquela que deixou puir a bandeira, empunhada mas renegada, da social-democracia brasileira."
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Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos (CEPP)
O Brasil teve evolução histórica distinta. Direitos civis e políticos tiveram idas e vindas, ao sabor da alternância entre ditaduras e períodos mais ou menos democráticos. A Era Vargas trouxe avanços nas relações trabalhistas, ao preço da formatação de uma estrutura sindical cartorial-estatista, que ainda sobrevive. No regime de 1946-64, o PTB varguista deu seguimento às bandeiras sociais e ao sindicalismo domesticado, não tendo força política, no entanto, para ir além. Nos estertores da última ditadura, o PMDB ostentou plataforma que combinava a luta pela redemocratização a um esboço de bem-estar social - o que lhe valeu a simpatia de amplas fatias do eleitorado urbano. O inchamento do partido nos anos oitenta e o fracasso do governo Sarney no combate à inflação lançaram por terra as possibilidades tanto de avanço substantivo nas políticas sociais quanto de consolidação do PMDB como porta-voz das ideias social-democratas. No entanto, setores do partido foram importantes na formatação e aprovação de capítulos centrais da Constituição de 1988, que estabeleceram as bases institucionais para avanços futuros nas politicas sociais.
Alguns dos setores progressistas do PMDB se descolaram no mesmo ano de 1988 para fundar o PSDB. O partido que traz a social-democracia no nome e no programa original logo chegaria à Presidência, antes de se consolidar como organização e desprovido de práticas de governo mais experimentadas. Copiando as concepções então dominantes, adotou um receituário genuinamente liberal de gestão econômica, com políticas fiscais restritivas e de diminuição da intervenção estatal. Se na Europa essas políticas levavam ao desmonte do Estado de bem-estar, no Brasil não havia muito o que desmontar. Em nome da estabilidade monetária, elas impediram maiores avanços nessa seara ao longo dos oito anos de FHC, deixando espaço apenas para alguns esboços, como o bolsa-escola.
Suponhamos que o PSDB tivesse adotado uma gestão econômica distinta e promovido avanços significativos na construção de um colchão social que amenizasse as desigualdades seculares do Brasil. O partido seria classificado como social-democrata? Não, pois lhe faltaria um componente essencial: vínculos sólidos com atores sociais organizados, principalmente os sindicatos. A social-democracia e seu "welfare state" são encarados pelo cientista político Adam Przeworski como expressões de um compromisso de classe: de um lado, os operários e seus sindicatos foram percebendo que dificilmente construiriam uma maioria sólida e estável a ponto de promover mudanças radicais no sistema econômico; de outro, a burguesia via nesse compromisso uma saída para arrefecer as pressões por mudança, num momento em que o espectro da revolução comunista ainda rondava a Europa. Para uns, os ganhos possíveis; para outros, as concessões inevitáveis.
O ano de 2003 marcou a chegada ao governo brasileiro do que de mais próximo possuímos de uma social-democracia. O que foi teorizado pelo professor de origem polonesa foi praticado por Lula. Relaxamento de parâmetros da gestão econômica (mas sem uma guinada radical), políticas sociais agressivas, conciliação de interesses de grupos sociais antagônicos, e aumento da interferência estatal na sociedade e na economia, liderados por um partido umbilicalmente ligado a suas bases sindicais. Os tucanos gostam do rótulo, mas desgostam da prática; os petistas odeiam a etiqueta, preferindo um sempre vago "socialismo democrático", enquanto o partido (nunca revolucionário, posto que fundado para ganhar eleições) firmava-se com práticas tipicamente social-democratas.
Os êxitos do PT no fortalecimento do colchão social desde 2003 são quase consensuais. A agenda e os investimentos sobreviveram ao mensalão em 2005, à crise internacional de 2008, à passagem de bastão em 2010 e a um primeiro mandato Dilma em piloto automático. O maior desafio vem agora. Num ambiente internacional incerto, em meio a problemas fiscais, com crescimento quase nulo e inflação escorrendo pelos dedos, a gestão Dilma se vê no dilema entre o arrocho nas contas públicas e a manutenção das políticas sociais. Para fazer com que dois e dois somem mais que quatro, a equipe econômica raspa o tacho de alíquotas, fim de incentivos fiscais etc. Liderando uma equipe que agora pode chamar de "sua", um eventual fracasso poderá levar Dilma Rousseff a ser lembrada como aquela que deixou puir a bandeira, empunhada mas renegada, da social-democracia brasileira."
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Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos (CEPP)
9 comentários:
Como falar de social democracia alcançada no país, aonde os principais figuras do PT estão atolados até o pescoço em escândalos de corrupção? Os fins justificam os meios? Imperdoável. Combatidas por discursos ferrenhos em palanques nas portas das fábricas,jamais poderiam usar desses meios para "alcançar seus objetivos"... IMPERDOÁVEL!
Ainda ecoa em meus ouvidos Lula dizer que não sabia de nada!
LAMENTÁVEL!
O PT ESTÁ FAGOCITANDO...
Não deixe de publicar
Camaradas,
Onde estão aqueles que até a eleição debatiam em defesa do governo corrupto do PT.
Vemos que após a eleição todo o prometido como já era de se esperar foi por água abaixo..
Na campanha a bandeira usada pela Presidenta rsrsrsr... está sendo suprimida e total, vemos os próprio direitos trabalhistas modificados.
Ou seja gasolina subiu e vai subir de novo, auxilio desemprego, inflação manipulada .... são tantas mudança para ferrar a população que se torna impossível enumera-las..quase esqueci, mas o salário dela e dos demais aumentou e muito.
O texto sugere um debate mais profundo que o superficial antipetismo desses comentários.
Roberto, o texto traz um antigo debate, mas que nem por isso deixa de ser atual.
Desprezemos os cretinos aí de cima, e confesso que eu só imagino que você publique um troço desses para expô-los ao ridículo.
Não existe possibilidade de utilizar o princípio do contraditório com animais (de rabo).
Vamos ao que interessa.
O PT carrega todas as contradições de um modelo social democrata tardio, ou de país periférico e mais ainda:
No seu interior convivem, e conviveram setores conflitantes do espcetro ideológico dos movimentos sociais: Igreja (eclesiais de base), movimento operário de berço fordista e esquerda radical (esses mais raros, hoje em dia).
Com a chegada ao governo, houve, é claro, aumento das contradições com a tentativa de incorporação de outros setores até então sub-representados no partido (e que ainda são), como pentecostais (no campo religioso), militantes das redes sociais virtuais, e a chamada classe "C".
Eu acho que, sinceramente, o limite histórico está posto.
Não há mais como conciliar tantos interesses conflitantes pela via reformista social democrata, porque ela em si carrega muitos impasses na gestão do capitalismo.
O que fazer? Diria Lênin...
Eu não ouso responder, mas sei que o pacto proposto pelo PT com as atuais elites nacionais, dentro da conjuntura mundial que se desenha, está perto do fim.
Douglas,
Eu também sigo por esta avaliação.
Pelo visto há quem julgue que é possível manter o quadro, apenas com alguns ajustes e tentar mais um mandato.
Assim, a dúvida seria fazer mudanças no poder para se oxigenar, ou esticar até onde der, para deixar para rejuntar depois.
Há quem avalie que a derrota tenderia a rejuntar os antigos grupos (grosso modo falando) para tentar voltar ao poder, mesmo que o espaço, o tempo e o processo histórico não permita mais repetir a história como pensam alguns.
A tarefa de repensar a estrutura partidária, tendo em vista o complexo quadro mundial não é simples. Ainda mais estando no poder e tendo que lidar com todas as complicações e contradições das alianças e da busca da governabilidade para evitar o "golpe jurídico" desenhado que vem rondando o alambrado.
Enfim, uma tarefa difícil, mesmo observando os ciclos longos e a maré ainda neoliberal que nunca deixou de pairar, com o discurso permanente da necessidade de produtividade para a instalação/manutenção do Estado de bem estar social.
Taí um urgente e necessário debate.
Caro Roberto,
Sim concordo que deve haver um debate mais profundo sobre a crise deste governo.
Vou aguardar e participar...
Agora quando este tal de DOUGLAS cita estes cretinos aí de cima, podemos considerar finalizado o debate???
Como já disse prefiro o debate aprofundado e não o antipetismo que é irmão siamês da idolatria de qualquer natureza.
Se for o caso fico com a opinião do Douglas.
Coitado do anônimo, vestiu a carapuça dos cretinos, ou tem pena deles?
Roberto, eu insisto que não há fórmula ou condição para um debate desta cepa.
É fazer fazendo ou como querem alguns, trocar o pneu com o carro em movimento.
Este é o ônus (e talvez o bônus) de ter chegado onde o PT chegou.
Há alguns pontos a ser considerados:
a) A inorganicidade endêmica da sociedade atual, que diluiu seus laços de convivência em ambientes virtuais de muita exposição e pouca interação;
b) A contaminação da política por aspectos quantitativos, quer seja pelo economicismo, quer seja pelo excesso de pragmatismo imposto pela legislação eleitoral, feita por encomenda para engessar os partidos com inserção nos movimentos sociais e com ampla base social de apoio;
c) O monopólio de comunicação, veja que o partido em seus níveis, embora conte com considerável força nos "novos meios", despreza-os, e opta pelos meios tradicionais como forma de disseminação de informação e contraponto, sujeitando-se a "filtros" e outras sacanagens;
d) A crença que o conforto econômico traria as classes incorporados "como que por encanto", desprezando a necessidade de disputar ideologicamente estes estratos que fugiam ao modelo-esquema fábrica, Igreja de base, movimento estudantil, sem terra, etc.;
e) O abandono da ideia de CIDADE como eixo privilegiado das disputas ideológicas e por hegemonia. O PT esqueceu seu espaço antrópico e se diluiu na luta pela manutenção do poder central. A conta vem agora: Pela primeira vez, desde 1980, elegemos menos deputados que na legislatura anterior, e logo agora, quando mais precisamos.
f) No caso do PT de Campos, tudo isso está somado e decuplicado. A nós falta paciência (e quem sabe um bom naco de humildade) e aos demais...bem, não vou ser deselegante.
Enfim, perdemos a capacidade de sentar, olhar um na cara do outro, falar, brigar, discutir, convergir...
Esse é um traço deste século maldito.
A tecnologia trouxe uma ilusão de aproximação, mas coloca-nos a milhões de anos-luz uns dos outros.
Democracia libertária de confiabilidade duvidosa. Onde esta a Democracia representativa de fato que foi a sonhada ? Essa Democracia torta está desgastando está se transformando num pesadelo e sinceramente acho que o evitável será inevitável.
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