quinta-feira, fevereiro 12, 2015

"O preço da inação política"


Eu aprecio a maioria das análises da conjuntura feitas pela jornalista Maria Inês Nassif. Ela hoje escreveu para o portal Carta Maior um texto que merece ser lido e refletido, neste conturbado momento da vida política brasileira:

Abaixo o blog republica o texto inclusive com a introdução feita pelo portal Carta Maior:

"O preço da inação política"
"Dilma acreditou que calaria a boca da oposição ao mudar a política econômica, mas está isolada e corre o risco de enterrar o legado dos governos de esquerda".

"A presidenta Dilma Rousseff desmobilizou a sua base de apoio social, na tentativa de cooptar setores à sua direita, sem entender que isso a fadava ao isolamento: as elites políticas e econômicas do país estão unidas em torno de um projeto de poder que não inclui negociar com o governo. É o que conclui Maria Inês Nassif, que hoje volta a integrar a equipe de articulistas da Carta Maior."


"O preço da inação política"
Maria Inês Nassif

"É assustadora a corrosão ocorrida na imagem da presidenta Dilma Rousseff e de seu governo em apenas 41 dias do início do seu segundo governo. Isso não é apenas efeito Operação Lava Jato. Aliás, é possível arriscar o palpite de que a operação, que desde o ano passado tentava vincular a rede de corrupção dentro da Petrobras ao governo, à Dilma e ao PT, apenas conseguiu esse objetivo porque encontrou terreno fértil na inação política do governo, no período posterior à campanha eleitoral.

Assustada com a agressividade da oposição durante as eleições, a presidenta concentrou-se em tentar eliminar as restrições do mercado à política econômica anterior. Acreditou que, agradando o capital financeiro, desarmaria seus oponentes mais sensíveis aos humores do poder econômico. Ignorou o fato de que a agressividade da oposição, e o ataque especulativo à economia brasileira e à Petrobras, não se encerrariam com o fechamento das urnas e a consagração do candidato vitorioso. Isso porque, independentemente da sua vontade ou de sua intenção, tornou-se a grande protagonista de um momento da história em que ocorre uma radicalização visível e grave na sociedade. Quer ela queira, ou não, é a maior líder de um lado dessa disputa, no momento em que o outro lado passou a ter um projeto de poder que lhe é próprio, não admite mais intermediários.

Neste momento, a elite brasileira não está delegando tarefas a terceiros. As elites política e econômica, juntas, acham que dão conta de operar diretamente seus interesses, da forma como fizeram durante toda a história desse país, salvo intervalos de governos mais populares -- Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e Dilma. O "outro lado" está forjando líderes na marra, com o uso ativo de uma máquina de mídia. Dilma tem que decidir se assume de fato a liderança do seu lado ou insiste numa política de tentar cooptar grupos políticos e econômicos que acreditam ter mais poder do que ela, e dificilmente serão seduzidos por um Executivo que vem sendo diária e persistentemente esvaziado pela ação da Justiça, da Polícia Federal, da grande mídia e da articulação parlamentar da política tradicional.

A parcela excluída do poder federal pelas eleições tinha, cultivou e adubou formas de poder concorrentes ao obtido nas urnas, tem munição para bancar uma guerra própria e não está interessada na mediação que Dilma insiste em fazer para contentar seus interesses econômicos imediatos. Qualquer concessão que a presidenta fizer a esse grupo social será apenas uma concessão. Ela e esses grupos estão apartados pela radicalização política que existe efetivamente nas bases sociais. Abandonar a política econômica antiliberal, cooptar para o governo figuras emblemáticas da direita ideológica (como a ministra Kátia Abreu, a ruralista, e o ex-prefeito Gilberto Kassab) e desmobilizar as forças que a levaram ao poder em 20 de outubro passado -- nada disso apaga da sua imagem a marca, agora indelével, de figura central de um projeto de poder que venceu as três últimas eleições presidenciais com o voto de uma massa de eleitores pobres. Foi o voto que ela pediu aos eleitores que a transformaram nisso. Não existe hipótese de Dilma ser aceita por esses setores conservadores. O projeto de poder que representa foi consagrado nas eleições e continua em disputa na sociedade, mesmo depois de fechadas as urnas, e assim continuará, pela simples razão de que contrariou interesses econômicos consolidados e desalojou os políticos tradicionais de suas bases, antes manipuladas eleitoralmente com grande facilidade por grupos que, ou estão na oposição, ou foram apoiar o PT, mas deixaram de ser donos de votos e passaram a sobreviver do apoio a programas sociais do governo federal, e certamente não gostam dessa situação.

O início do segundo governo Dilma possibilitou uma reunificação de interesses das elites econômicas e políticas do país. As traições ocorridas nos partidos tradicionais que apoiavam a reeleição, durante o processo eleitoral, são expressão disso. Maior expressão ainda foi a vitória do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara. A derrota arrasadora na eleição para mesa daquela Casa legislativa não foi simplesmente uma humilhação política. Foi um golpe para o projeto político do eleitor de Dilma. Cunha consegue unificar interesses econômicos que antes orbitavam no Planalto apenas por razões de ordem prática. Agora, quase que se extingue a necessidade desses interesses negociarem diretamente com o Planalto. O deputado peemedebista fez uma enorme bancada de seguidores porque opera como mediador de financiamento de campanha para parlamentares. É uma ligação direta entre política e poder econômico. Com Cunha, esse vínculo deixa de ser uma hipótese ou recurso teórico e retórico: o deputado é a ligação tangível, real, palpável, sem subterfúgios, entre a política tradicional e o poder econômico; entre elites políticas e econômicas. Por isso ganhou as eleições para presidente da Câmara. E, investido do cargo, passa a ter o poder adicional de agendar interesses de qualquer grupo econômico. Tem poder e bancada para respaldá-lo. Cunha é um elemento fundamental na unificação dos setores econômicos e políticos cujo status quo foi ameaçado pela política econômica e social da última década, que permitiu melhor distribuição de renda e democratizou o acesso dos brasileiros aos direitos básicos de cidadania: renda, educação (inclusive superior), saúde e habitação.

Quando obteve os votos necessários à sua reeleição, Dilma foi credenciada pelos eleitores para ser a voz deles na disputa por espaço de poder não apenas formal -- o da Presidência, com as limitações impostas ao exercício pleno de um projeto de poder consagrado pelas urnas --, mas como líder de um dos lados da luta social incontida na sociedade, que ganhou espaço e substância na luta eleitoral. Dilma desmobilizou a militância e os apoios que obteve na campanha eleitoral, no pressuposto de que isso acalmaria os detratores, sem se dar conta de que abria mão da sustentação social que deu a ela vitória nas urnas, e sem entender que isso não desmobilizaria os setores que a ela se opunham. Esses grupos têm lado definido, estão mobilizados, entenderam que a disputa política não se encerra nas eleições e estão dispostos a pagar -- e fazer o país pagar -- qualquer preço para tirar o PT do poder.

Em 12 anos de luta contra aparelhos de Estado que se mantêm em permanente conflito com o poder instituído pelo voto, como o Ministério Público, Justiça e Polícia Federal, e de sofrer bombardeios diários e constantes da mídia tradicional, aparelho privado de ideologia mais forte e poderoso que os próprios partidos políticos, não ensinaram o partido que detém o poder que hegemonia eleitoral e hegemonia política são duas coisas distintas. Dilma sofre do mesmo mal. Ela e o PT desconhecem que o voto não passa simplesmente uma borracha no desgaste acumulado nesse período por ataques constantes à imagem (sem reação significativa nenhuma dela ou do PT a qualquer acusação). E que a nova classe média, que reelegeu Lula e elegeu Dilma, e em parte contribuiu para a reeleição da presidenta, entrou no mundo do consumo também como consumidor de uma informação que é produzida pela mesma elite que os manteve fora do mercado durante todo esse tempo.

O processo de desgaste político pode encontrar meios de reparação na ação política do governo e da presidenta Dilma -- e se não enxergar o país e a democracia brasileira apenas no âmbito institucional. O desafio de Dilma, nesse momento, não é ganhar aliados discutíveis, mas manter a base de apoio social que deu a ela vitória nas eleições. Com dificuldades institucionais, num sistema político onde cada vez mais os poderes são concorrentes, e cada vez menos cooperativos; numa realidade onde a radicalização dos setores oposicionistas persiste; num momento em que o ativismo policial e judiciário tem servido ao caldo de cultura contrária ao partido que mantém o poder há 12 anos e em que a mídia tradicional reina, absoluta, nos corações e mentes, desmobilizar eleitores, militantes e simpatizantes significa isolar completamente a Presidência da República.

Se a resposta política não for rápida e ampla, todavia, a repercussão sobre os instrumentos disponíveis de gestão das políticas econômica e social será desastrosa. O desgaste político torna o governo muito mais sensível ao ataque especulativo contra a Petrobras. Já é possível antever o próximo ataque, destinado ao BNDES. Sem Petrobras e BNDES, e com a decisão de fazer uma política fiscal restritiva, a chance de piorar muito a situação econômica do país é enorme. Aos poucos, a ação policial contra a Petrobras -- que está mirando a estatal e o governo, não simplesmente depurando a empresa de malfeitos -- vai amarrando todos os instrumentos que, a partir do segundo mandato de Lula, permitiram a ele e a Dilma resistirem à crise internacional: investimentos crescentes da petroleira estatal, banco de desenvolvimento, incremento da indústria da construção civil e capacidade do Estado incentivar setores via benefícios fiscais. Voltar a fazer uma gestão antiliberal sem esses instrumentos, no futuro, vai ser muito difícil. O risco futuro não é simplesmente a inviabilização da esquerda como alternativa de poder, mas junto com isso enterrar o legado -- reconhecido internacionalmente -- de construção de um país menos injusto."

4 comentários:

douglas da mata disse...

Roberto,

Há questões que não podem ser escondidas: Maria Inês vocaliza o Luis Nassif, que há tempos balança como um pêndulo, porque reivindica ações que atendem o grupo de interesses que representa, como todo e qualquer ser humano legitimamente envolvido em debates desta natureza.

Os Nassif se acreditam portadores do discurso do "bom empresariado", de uma parte "civilizada" do capital, que por sua vez, tem nos nomes do Belluzzo, Delfim, etc, seus interlocutores prediletos.

Ok, eu os acho até "bonitinhos", mas não inofensivos.

Colocar a culpa toda em Dilma é como dizer que ela ganhou só as eleições.

Vociferar contra influxos liberais é esquecer que Pallocci foi o fiador do projeto redistributivo de Lula.

É esquecer que Dilma está apanhando não por sua inação, mas porque ousou (talvez com timming errado, não sei, só a História e o tempo dirão) desafiar o poder central Eua X Europa, com a criação do fundo mútuo dos Brics, ousou levar o debate do fim da conversibilidade do dólar, e no caso específico da Petrobrás, mexeu no vespeiro das empreiteiras e tornou a empresa a maior empresa de capital aberto de petróleo (sendo uma empresa controlada por um governol)!!!!

É claro que a ação política do governo (e do PT são falhas), mas o que está no horizonte não é Dilma, eu repetirei SEMPRE:

- É a retomada dos fluxos de capitais que em breve sairão das tocas para engolir ativos estatais, bens, serviços e orçamentos (pelo pagamento dos juros), sobrevalorizando moedas e depreciando as economias nacionais;

- É a eleição em 2018, pois ainda que enfraqueçam Dilma, sabem que não não há quadro da oposição (estabelecido ou que esteja em gestação) capaz de superar Lula...

Dilma é o legado de Lula.

O que os Nassif esquecem de dizer (talvez por maldade, talvez por ingenuidade) é que as forças antagônicas e conservadoras se uniriam sob qualquer condição, porque é essa a sua tarefa como forças subsidiárias do capital central (posto que nunca abandonaram)...Esse pesoal simboliza o modelo associativo, onde o Brasil é apenas um sócio menor, dependente e incapaz de liderar sua região.

Somos o contrário, ainda que com inflexões conservadoras, porque o objetivo é OUTRO!

É isso que está em jogo, meu caro.

Os Nassif passaram o primeiro mandato inteiro batendo no Mantega, conhecido e reconhecido como um quadro importante do chamado desenvolvimentismo autônomo!!!

Então, eu acho que acontece agora algo parecido com 64 (sim, é estarrecedor): Setores que se dizem "amigos" se portando mais golpistas que os gorilas.

Roberto Moraes disse...

Douglas

Concordo em boa parte com sua opinião. Um jogo complicado. Porém, não há motivos para não dar andamento e fazer política. Faz parte do jogo convencer aliados, com mais ou menos interesses sobre sua estratégia. Quanto ao cerne e à estratégia do caminho a ser trilhado. Fora disso não haverá saída, embora a oposição partidária seja fraca e hoje no campo político ela seja feita quase exclusivamente pela mídia golpista.

Roberto Moraes disse...

Douglas

Concordo em boa parte com sua opinião. Um jogo complicado. Porém, não há motivos para não dar andamento e fazer política. Faz parte do jogo convencer aliados, com mais ou menos interesses sobre sua estratégia. Quanto ao cerne e à estratégia do caminho a ser trilhado. Fora disso não haverá saída, embora a oposição partidária seja fraca e hoje no campo político ela seja feita quase exclusivamente pela mídia golpista.

douglas da mata disse...

Claro, meu amigo, mas o problema é quando os "nossos" aliados se portam com uma histeria que só pode ser justificada pelo oportunismo de empurrar goela adentro da presidenta soluções que eles não ganharam na política.

É mais ou menos como escrevei hoje: golpes vicejam quando todos os lados namoram com ele, seja a direita ou a esquerda.

Vence (e dá o golpe) quem tem mais expertise.

Setores da esquerda, e do chamado nacional-desenvolvimentismo-redistributivista estão se portando com se Dilma estivesse recuando porque ele quer, e não porque não há setores minimamente organizados da esquerda capaz de lhe dar qualquer sustentação, seja no Congresso, seja na sociedade.

O jogo é sério, e esse pessoal fica em masturbação retórica, minando nosso campo.

Nassif (e outros) tem se portado como um perfeito idiota, embora reconheçamos que o espaço que mantém seja importante.

Os caras acham que a guerra da comunicação é tudo, e brigam todo o tempo para se mostrarem mais relevantes que são, como se a presidenta e seu esquema político não tivessem ganho uma eleição!

É o projeto dela que é o vencedor!

Isso é preocupante.