Observar e analisar o que está acontecendo para além da questões factuais, procurando compreender as suas gêneses e consequências é quase uma obrigação, se não quisermos cair na armadilha da superficialidade.
Em se tratando de gestão pública, ou mesmo privada, seria interessante que a observações e análises sejam acompanhada de discussões e debates.
É o que tentamos aqui no blog com algumas de nossas notas.
Assim, observando as ações dos prefeitos (e prefeita) da região de redução de despesas em função da diminuição dos recursos originários dos royalties do petróleo, uma questão me chamou a atenção: a contratação terceirizada de pessoal e tudo o que ela envolve, em termos de interesses eleitorais dos gestores, comerciais e de negócios das empresas prestadoras de serviços, o trabalhador contratado e o cidadão que banca e necessita dos serviços públicos.
Desta forma, observando os relatos das pessoas que foram despedidas (agora uns passaram a chamar demissões de desligamentos, sic), suas compreensíveis reações elas nos apontam questões que valem ser aprofundadas.
Estes trabalhadores recrutados de formas quase sempre fisiológica sempre souberam que estavam em contratos "precários" sujeitos a essas situações, de alguma forma prevista.
Observando ainda os relatos e as preocupações das chefias que permaneceram em seus DAS, sem saber como os setores sob suas responsabilidades funcionarão daqui por diante, não há como o não fazer algumas indagações.
Como se pode ter permitido que a administração pública tenha sido tão esvaziada de servidores concursados dessa forma?
Como se deixou chegar a essa realidade tão evidente? Hoje, não apenas atividades de vigilância, limpeza e motoristas foram terceirizados. Os serviços essenciais estão todos na mesma situação, bem para além das áreas de educação e saúde.
As áreas de planejamento e projetos, a gestão, supervisão e fiscalização de programas inteiros, milionários (o que não importa porque todo o dinheiro público deve ser cuidado, mas vale observar), foram passados para a gestão dos terceirizados.
É bom não esquecer que eles são vítimas, embora não se deva também deixar de lado, o fato que eles sabem como foram contratados, em sua quase totalidade, com apadrinhamentos políticos e não por concursos e seleções sérias.
Verdade também que não é simples o fato das prefeituras terem dinheiro "a rodo" para custeio, onde estas despesas - que na verdade são de pessoal - são alocadas, sob a rubrica de contratos de serviços. Portanto, fora dos percentuais "controlados" da receita dos royalties.
Não faz tanto tempo assim, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) aceitou que os custos e encargos com os cargos de chefia, DAS e FG (Funções de Assessoramento e Gratificadas) não entra na conta desse percentual de gastos máximos, permitido com recursos oriundo das receitas dos royalties.
Não sou contra que haja terceirizações no setor público, mas entendo que devam ser temporárias e/ou restrito a alguns setores e atividades. Isto não é o que se vê, especialmente nas prefeituras da região.
O quadro leva a muitos problemas. Assim, a administração e o serviço público perdem duas de suas essências: a continuidade e a expertise. Elas só são conseguidas com o tempo de trabalho, a troca de experiências em atender os cidadãos, munícipes que pagam seus salários, junto com os gestores, escolhidos como representantes do povo.
O resultado de tudo isso é tão ruim como todo o processo. Eles tendem para uma soma quase zero. Porque se está quase sempre se reiniciando algo, sem garantias de permanência, de pertencimento, e com uma tendência enorme à falta de compromisso com os cidadãos.
O fisiologismo eleitoral e o dinheiro fácil das receitas finitas vêm intensificando a doença crônica que não ajuda a enfrentar a realidade de se trabalhar por uma gestão mais eficiente.
O pior é que essa realidade tende a ser contagiante para outras instituições seja no setor público ou mesmo privado. Assim, se trabalha sempre para apagar incêndio e enfrentar o último problema, sem levar em conta reformas mais profundas e necessárias.
O pior dessa realidade cruel é que perdem sempre os mais fracos, porque os fortes e "influentes" estão sempre buscando as "pressões e os jeitinhos" para se safarem do sufoco de cada dia.
Há sempre um foco no incêndio e nas consequências, sem que as causas possam ser corajosamente enfrentadas. Nessa linha é preciso pensar e agir de forma mais ampla e participativa tendo em vista a realidade futura que diariamente se transforma no cotidiano do presente que nos entristece a todos.
A saída não está em soluções tecnocráticas baseadas em discursos corporativos e empresariais que fingem eficiência, mas que nunca abandonaram a cooptação do poder do dinheiro público.
Governos existem para servir às pessoas. A cidade é o locus da vida em sociedade. A vida não é só trabalho. Assim, gerir bem o que é público é também repartir as soluções e as políticas que darão saúde, educação e cultura para todos na pólis.
Não há como fazer isso bem feito sem servidores comprometidos com a essência de servir à sua gente. Precisamos de um novo paradigma e uma retomada dos bons ideais de uma cidade justa e para todos!
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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7 comentários:
A resposta a pergunta principal do texto, é a questão central desta prática difundida em todos os níveis da administração pública e levado ao extremo nas prefeituras brasileiras.
"Como se pode ter permitido que a administração pública tenha sido tão esvaziada de servidores concursados dessa forma?"
Interessa a muita gente esta prática, sobretudo a quem decide implementá-la. É o tal fisiologismo transclassita que já foi discutido aqui neste blog.
Interessa ao indigente que nada sabe e aceita um empreguinho municipal entrando "pela janela".
Interessa ao político que o apadrinhou. Quanto mais cargos para distribuir maior o seu poder.
Interessa ao cretino que diz que detesta política porque ele acredita que o serviço afinal está sendo prestado. Para ele, melhor que tenha o servidor ainda que meia sola, do que esperar pela contratação de um concursado.
Interessa a todos os familiares do indigente que vota no padrinho para manter o dito cargo, o que nos trás de volta ao político que o nomeou porque manutenção significa voto.
Todo cidadão de Campos conhece alguem que está nomeado precariamente. Não denuncia porque também lhe interessa que fique assim.
Interessa ao executivo porque fica fácil de controlar a divisão do bolo com a base aliada e de quebra tem o bônus de poder abrir o saco de bondade/maldade a qualquer momento. Mais cargos para distribuir equivale a maior poder de barganha e, o melhor, mais votos...
Interessa a quem não gosta de estudar. É mais fácil conseguir uma boquinha ainda que tenha que rastejar atrás de um vereador.
Interessa a parte da imprensa que também terceiriza a (des)informação.
E, enquanto interessar a tanta gente, não vai mudar rigorosamente nada.
Terça-feira fui ao PREVICAMPOS e vi um verdadeiro caos.Só tinha um estagiária pra atender uns 50 servidores que aguardavam por perícia médica.Total falta de respeito.
Eu gosto do estilo do comentarista anônimo das 12:43, é velho conhecido aqui nestas paragens, rs, parece que vamos reiniciar os debates, salve!
Nunca é demais lembrar uma verdade que muitas é vezes esquecida: concurso público não seleciona os melhores e mais preparados para a função pública. E está muito longe disso.
Digo isso não para ser condescendente com a ideia da terceirização total de pessoal no serviço público, também não concordo com essa tese neoliberal, mas apenas para lembrar que não é o simples fato de trocar terceirizados por servidores concursados que a prestação do serviço público em nossa cidade vai melhorar, a coisa vai muito além disso.
Além dos mais, faço aqui o registro, por experiência de trabalhar por muitos anos na administração pública estadual e municipal, que diversos (mas muitos mesmos!) servidores concursados não chegam aos pés de outros servidores terceirizados no desempenho de suas funções (competência, eficiência e comprometimento) nas repartições públicas. Sem falar nos inúmeros servidores concursados que simplesmente não trabalham, vivem em licenças e atestados...
Na postagem Roberto diz que é a favor da terceirização em “alguns setores e atividades”, vou um pouco mais além para dizer não sou a favor só de apenas alguns, mas de muitos setores e atividades! Também não criminalizo, como já virou um senso comum, os cargos comissionados. Acho estes cargos mais do que indispensáveis à administração pública. São eles que transformarão em realidade o projeto político vencedor das eleições, portanto, o projeto de escolha popular e democrática.
Para finalizar entendo que o concurso público deve ser urgentemente reformado, pois ele virou “um fim em si mesmo”, já que os candidatos apenas se preparam para a prova e com o interesse apenas pela sua estabilidade financeira, seu próprio salário e benefícios, típico de uma sociedade capitalista, que “fabrica” pessoas egoístas e individualistas, sem nenhum interesse verdadeiro de colaborar com a cidade (estado ou país). Isso sim compromete o serviço público! Gostaria de registrar aqui também minha contrariedade com a opinião de quem acha que todos os funcionários contratados terceirizados são burros, idiotas e que se vendem (suas vontades, seu voto e sua ideologia) por causa do emprego. Quem diz isso acha que conhece a realidade.
O debate é por aí.
As posições estão bem definidas nos comentários.
Concordo com a ideia de que os concursos públicos podem não trazer tudo que se deseja para a administração pública, mas, qual seria a outra fórmula?
Assim como a democracia contém muitas falhas, mas, ainda assim é disparado um sistema a ser defendido como melhor alternativa.
No caso do acesso ao setor público também não há alternativa "republicana" melhor.
Os casos de maus servidores concursados podem ser multiplicados algumas vezes pelos "protegidos" que chegam ao cargo por puro fisiologismo.
A minha maior resistência às contratações é maior para algumas atividades que só o servidor público poderia responder, como de fiscalização de obras e serviços, autorizações, arrecadação, regulação de contratos, etc.
A estabilidade tem limites. Aliás, é bom lembrar que o seu instituto tem razões republicanas. Enquanto no contrato com "terceiros" o poder da demissão é imediato tornando, por regra, uma situação distinta da outra.
É possível reler o meu texto que o terceirizado é vítima e não culpado, muito menos "burro" ou "idiota".
Essas simplificações, assim como a de que os servidores concursados "não trabalham, vivem em licenças e atestados..." não ajudam a aprofundar o debate sobre a forma de se buscar a eficiência da máquina e a busca por formas que não sejam fisiológicas e eleitorais para a escolha de quem vai prestar o serviço público.
É estranho que deixemos de lado nessa análise, por exemplo, o papel dos donos dessas empresas que fornecem "mão de obra", em troca do lucro e que se submetem na maioria das vezes às escolhas dos gestores contratantes, passando apenas a assinar carteiras e faturar os lucros.
As terceirizações hoje movimentam valores "extraordinários" e muito superiores ao que se tinha antes, sem que os serviços sejam melhores na mesma proporção.
A ideia de que tudo que é público é ruim é cretina e ideologicamente indefensável.
Há no mundo diversos exemplos que desmentem essa realidade.
Sobre a forma como as corporações se movimentam e contratam gente é só ler alguns livros sobre elas. O caso do Eike, nos livros "Tudo ou nada" e "Ascensão e queda do império X" são bons exemplos.
Quanto aos DAs e FGs não se trata de ser contra. Isto seria uma ignorância e um despropósito até porque não e nem nunca foi assim em lugar nenhum.
A quantidade, forma de atuação e propósitos sim, devem ser analisado caso a caso.
Não sou adepto da ideia da preponderância do técnico sobre o político. Isto é uma outra bobagem. Os livros que citei acima e dezenas de outros estão aí a nos mostrar que o poder público (nas três escalas e nos três poderes) trabalham, decidem e são avaliados sempre na relação entre essa realidade fruto do sistema capitalista em que vivemos.
Sobre o assunto falo não apenas como estudioso, mas, como servidor público há quase trinta anos.
Sei que temos exemplos ruins e bons dos dois lados.
Reformar as instituições e reinventá-las em termos de eficiência, participação da população no controle e na regulação é o desafio a ser perseguido.
Quem na prática vem se opondo a isso quer efetivamente manter o statu-quo.
Sds.
É evidente que nem todos terceirizados são incapazes. Acho até que a maioria é bastante esperta.
Assim como há concursados de todos naipes, e muitos são preguiçosos.
A simplificação não ajuda no debate embora as vezes seja útil como mote.
O terceirizado pode ser até um gênio, mas a regra é o concurso, para o bem ou para o mal. Se entrou sem concurso está fora do regramento. Ponto. Mudemos a Lei, então.
As leis vigentes em nossa democracia, exigem o concurso publico para admissão no setor público.
Com essa exigência evita-se que o funcionário seja obrigado a atuar como cabo eleitoral do prefeito, como vimos aqui em Campos, nessa eleição para governador.
O concursado não deve favor ao político, pois foi admitido por seu mérito e mesmo, que o político ameace demiti-lo, não terá poder de fazê-lo. Ao contrário do contratado, que para se manterem em seus empregos, tem que trabalhar como cabo eleitoral daquele político, que o contratou, tornando isso, um ciclo vicioso.
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