Portos demandam a regulação - II
Esse é um tema que venho aprofundando em meus estudos. Já tratei dele num artigo recente que pode ser lido aqui a partir de publicação na plataforma científica iberoamericana "GeocritiQ". A ele tinha dado o título de "Portos demandam regulação". Por isso, atribuí a essa segunda versão como subtítulo a versão II, por se tratar do prosseguimento e detalhamento do texto anterior.
Assim retomamos as observações sobre o processo de gigantismo naval e portuário e também da concentração gerencial e comercial do setor. Em tese, essa realidade deveria afastar algumas ilusões que, vira e mexe, ouvimos falar sobre os projetos de regiões e/ou cidades, a partir das expectativas
geradas por projetos portuários, completamente desconectados dessa cadeia global.
O que está em curso em termos globais dentro do sistema capitalista das trocas globais é de impressionar. Os fenômenos não estão ligados apenas ao gigantismo dos portos e do tamanho dos navios, mas, também à redução do número de empresas que operam com fretes marítimos de longa distância.
Os operadores que movimentam essas cargas são em muitos casos também donos dos navios e por isso são chamados no mercado como armadores. Os armadores são aqueles que definem quais rotas devem existir, priorizando uns portos em detrimentos de outros.
Esse processo se dá em função não apenas de condições técnicas, evidentemente, mas dos negócios e dos interesses envolvidos. Por isso, não é difícil intuir a relação direta entre os armadores e os operadores portuários.
Juntos, armadores e operadores definem rotas, portos e terminais para suas movimentações de carga. Não raro têm participação acionária em suas implantações e/ou na constituição dos consórcios para obtenção desses terminais, cada vez mais entregue a operadores privados em concessões.
Pois bem, assim como em outros setores da economia, da produção até o consumo, passando pela circulação, definida como a tríade marxiana, as fusões e incorporações avançam em velocidades, que sem perder a chance do trocadilho, não poderia deixar de ser chamada de cruzeiro.
Assim, nos últimos meses diversas alianças foram definidas, aumentando ainda mais a concentração global dos armadores. Entre eles já se estima que hoje, no mundo, 90% do mercado global de frete marítimo sejam feitos por apenas 20 armadores.
Repetindo 90% de todo o frete global (que é também quase na mesma proporção - 85% - feito pelos mares e pelo transporte marítimo). Mais, os 10% restantes seriam feitos com armadores independentes. Porém, se sabe que por sobrevivência, eles, de alguma forma, acabam vinculados e pendurados aos oligopólios dos 20 armadores.
Isto explica de certa forma, como se dá a escolha dos sistemas portuários para a movimentação das cargas pelo mundo, considerando ainda as especializações dos seus terminais segundo a classificação das cargas: tipo granel (sólido ou líquido), contêineres, ou cargas especiais.
Nesse processo um outro fenômeno vem ganhando corpo. As traders, empresas especializadas em comércio internacional de todo o tipo de carga fazem o papel dos antigos intermediários entre os produtores e os consumidores que quase sempre, ainda possuem em seu caminho, grandes distribuidores instalados juntos aos portos.
Essas traders são também grandes e poucos oligopólios, organizados por setor (agronegócio, recursos minerais, etc.). Compreendendo essa cadeia de valor e a importância do controle sobre todo o processo, passaram a investir (através de grandes fundos financeiros de investimentos) não apenas em parte da produção, mas também nesses terminais portuários. Assim, simultaneamente, escolhem quais portos e rotas usarão e dessa forma exercem um controle quase toral sobre fluxos, preços e lucros.
Pois bem, diante dessa realidade, se vê ainda que a ampliação e alargamento do Canal do Panamá, que limitava o porte dos navios, o gigantismo portuário se ampliará ainda com mais força, especialmente no transporte intercontinental, através dos hub-ports, ou portos de distribuição por continente.
Desta forma, os portos que se habilitam a ser distribuidores (hub-ports) projetam maiores profundidades para seus canais de atracação, assim como mais extensos píeres, de forma a receber simultaneamente mais embarcações.
Outra inciativa para radicalizar e acelerar as operações de embarque e desembarques é a radicalização da automação dessa atividade com a instalação dos portêineres e pórticos. A aceleração dos processos de alfândega e burocracia é outra inciativa pressionada pelos operadores sobre os governos.
Se de um lado essa "desburocratização" dá agilidade à circulação das mercadorias e assim competitividade ao portos, de outro, reduz (até perigosamente) a regulação governamental sobre a entrada e saída de mercadorias, considerando que agora os terminais privados, no caso do Brasil, passam a operar com todo e qualquer tipo de carga.
Observar a forma como esse fenômeno que ocorre a nível global se desenrola no Brasil é uma discussão extensa e necessária. Relaciona-se a ela a opção pela concentração, ou pela descentralização (dispersão) dos fluxos materiais.
A primeira opção (concentração) tende a favorecer os oligopólios do setor e ao mercado, enquanto a segunda opção (dispersão), mesmo que relativa, tende a ser um interesse de desenvolvimento regional distribuídos por eixos. Isso acontece porque dessa forma se distribui não apenas a arrecadação de impostos para os governos regionais, mas, também às potencialidades que se conquistam, relacionadas às cadeias de produção nacional e/ou global.
Essa discussão merecerá outras análises, tanto sobre os aspectos espaciais decorrente dese processo, quanto dos aspectos políticos econômicos para as nações ou bloco de nações, com repercussões internas sobre o controle do poder. Uma breve hipótese sobre o rebatimento dessa realidade sobre o cadeia de petróleo e sua relação com o interior fluminense, o blog publicou aqui esse texto.
Porém seguindo adiante, nesse atual reflexão é possível observar que mais que nunca, a circulação dentro da trina "produção-circulação-consumo", passou a ter papel estratégico na compreensão da economia global e nas oportunidades que nações, ou bloco de nações, possam ter nesse processo de radicalização do sistema capitalista mundial.
Como já afirmei e repito, sobre a questão regional e/ou fluminense, a discussão é não menos rica em termos de observação sobre o rebatimento desses novos fenômenos sobre o território. Especificamente, no caso portuário, mesmo com a crise conjuntural, se vê como principal demanda a cadeia de exploração de petróleo offshore, que por sua vez, remete a uma outra tríade: "petróleo-porto-industria naval".
Nessa linha, não é difícil intuir que a forte competição entre os vários projetos portuários já estão tornando muitos deles desnecessários, pela sua baixa capacidade de competir nesse cenário.
Outros poderão vingar, mas, com atividades bem reduzidas e limitadas, num horizonte de tempo que dependerá das crises estruturais e seus rebatimentos sobre a nossa atual e conturbada conjuntura. A conferir!
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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