Voltei ao texto também, e especialmente, por outras releituras mais recentes do István Mészáros com o seu conceito de mediação e sociometabolismo. Assim, eu resolvi arriscar em trazê-lo novamente para esse espaço, com o objetivo de voltar a dialogar sobre o tema:
A ditadura do dinheiro trocou
a maneira como vivemos
Este é um tema que tem absorvido minha atenção. De forma circular relaciono o assunto à nossa vida cotidiana. As poucas coisas que ainda podemos fazer sem dinheiro parecem mais densas e atraentes do que as que são trocadas pelo vil metal.
A fluidez do sistema bancário é estranha e parece sustentada por um sistema ideológico que se apoia na ideia da existência de um suporte que em alguns casos pode não funcionar. Esta ideia é tirana porque invisível e abstrata.
No fundo, este questionamento remete a um debate que também me persegue nesta peregrinação no campo da economia política: o valor de uso e o valor de troca.
Há coisas que só possuem valor de uso. Outras só de troca, como o caso do dinheiro. Há outras que possuem valor em um e/ou outro caso.
Quem tem o instrumento de troca à mão pensa quase sempre, baseado nas trocas, ou em suas possibilidades.
Quem não tem posses e nem o instrumento de troca (dinheiro) só pensa e raciocina na lógica do uso. As coisas todas valem ou não pelos seus usos. O que não se usa não tem valor nesta lógica.
A lógica de quem tem posses (propriedades) é outra. Pensa-se em guardar, em trocar, em criar necessidade para valorar o que não pensa em usar (especulação) e segue assim, a sina e a tirania do dinheiro na sua busca de acumulação.
Interessante observar como funciona esta tirania em coisas que seriam básicas para qualquer ser humano na vida em sociedade. Cito dois exemplos: moradia e saúde.
O direito à moradia é ou deveria ser soberano e diferente do direito à casa própria. A casa própria remete à ideia da propriedade e da troca num futuro imediato ou mais distante, mas, a lógica passa ser a troca e não o uso.
Para entender melhor do que estou falando raciocine sobre sua moradia. Sei que ela tem valor diverso conforme o porte, a localização, a estrutura, etc. Se esforce e pense nela como local de convivência, de construção familiar, de espaço para repouso, para alimentação, ou seja, para a vida. Nesta lógica ela não tem valor ou tem o maior valor do mundo.
Na lógica da troca ela vale o que o que o sistema estabelece como valor, status, comparação, etc. Esta lógica é diversa à vida, embora, no sistema em que vivemos já tenha passado a fazer parte da nossa forma de viver e da forma como acabamos por ver o mundo e naturalizar coisas e questões que não deveriam ser assim naturalizadas ou banalizadas. Assim, como os que não têm casa para usar e morar.
Engraçado isto, não?
Nesta lógica, uma política pública de habitação (moradia) não deveria, por exemplo, pensar na ótica de dar ou oferecer casa própria para as pessoas que não possuem esta necessidade básica. A necessidade básica é de morar e não de ter a casa ou a propriedade. Assim, os governos poderiam oferecer moradias para quem não tem onde morar até que passasse a conseguir situação de moradia através de renda e trabalho, numa eventual possibilidade deste exercício, que o Estado então lhe provesse esta condição.
Há nações (e eu até pouco tempo não sabia) em que as coisas funcionam mais ou menos desta maneira, mesmo em regime capitalista.
O outro exemplo é na área de saúde que não deveria ser trocada por nada quando de sua ausência ou subtração.
Tendo a vida como referência, não faz sentido ter que ter posses, propriedades (ou seu equivalente geral, o dinheiro) para se obter saúde ou tê-la restituída. Mais estranho ainda é que sem esta “acumulação” de posses (ou seu equivalente) o ser humano perca o direito à saúde.
Valor de uso e valor de troca mais que conceitos da economia política têm poder de mudar a maneira de ser das pessoas e consequentemente, tem poder de mudar o mundo. Ou não.
As relações sociais eram mais densas quando a concepção do uso era mais presente em nossas vidas. Na mesma proporção em que se evoluiu a fluidez do dinheiro que é abstrato na maior parte da nossa contemporaneidade, também foi ganhando superficialidade a nossa forma de viver e de nos relacionarmos como humanos.
A comunicação que tanto apreciamos foi a forma que permitiu a ligação de diversas técnicas e o crescimento desta fluidez, segundo o geógrafo Milton Santos. Neste contexto, Santos afirmou que o dinheiro, neste processo, é o fluido dos fluidos.
O dinheiro é fluido, mas, não é neutro. É abstrato, mas ganha materialidade no território, que o próprio Santos chama de território usado, que em síntese seria o chão mais a identidade de quem o usa.
Na materialidade do território usado vemos perfeitamente a diferença que banalizamos quase sempre dos diferentes usos que fazemos sobre o território conforme as posses acumuladas. Isto não é e nem nunca foi natural, embora, sejam originadas da forma como o homem foi se relacionando com a natureza.
Ainda nesta caminhada, o homem fez sua casa e depois, as nossas casas nos fizeram, da mesma forma que o oleiro fez o pote (e de forma dialética e simultânea) o pote também fez o oleiro.
O dinheiro neste processo surgiu como uma consequência (não natural) da sobreposição da concepção do valor de troca sobre o valor de uso e da consequente criação de uma complexa teia econômica imbricada numa nova forma de ver o mundo.
Assim, o dinheiro e a acumulação foram se tiranizando e ditatorialmente concebendo a forma como nos posicionamos diante da vida.
Assim, o valor do dinheiro tem pouca e cada vez menos relação com o trabalho. Como equivalente geral, o dinheiro e toda a complexidade que o envolve passou a ter formas abstratas (virtuais) para se mover e assim buscar mais valores e acumulação.
Neste processo, ter muito dinheiro em casa, nos bolsos ou nas mochilas passou a ser crime. Crime grave e de repercussão nacional. Estranho esta concepção no sistema capitalista em que a troca e a necessidade deste instrumento seria fundamental. Ou não?
Mais interessante ainda é ver que não existe crime, se o dinheiro estiver no banco, no sistema que na concepção e na ideia que criaram é mais segura e quase única forma de tê-lo. Para tirar um pouco mais de dinheiro do banco você tem que avisar, tem que solicitar, assim, desta forma, sem acesso imediato, ele deixou de ser um direito e poucos estranharam esta mudança.
Vejam a maluquice. A forma mais segura de ter o equivalente geral de troca é não tê-lo às mãos. O mais estranho é que ninguém estranha isto, julgam até natural. Quase tudo foi se naturalizando, por mais estranho que seja.
A maioria que vive do seu trabalho e do seu salário (não falo dos capitalistas, dos donos dos dinheiros) hoje, fecha um mês, manipulando (digo passando por suas mãos) não mais de que 20% do seu salário. O restante por meio da informação eletrônica é usado para pagar nossas contas e os nossos gastos. A guarda dele rende dinheiro a quem o faz e tudo isto é visto também como natural.
O setor financeiro um dos mais rentáveis em todo o mundo foi concebendo em nossa forma de ver o mundo, sem que percebêssemos, que dinheiro foi passando para ser guardado e manipulado pelos “fundos” e não para prover o nosso uso básico. Para isto, os supérfluos foram nos sendo impostos, um após outro, coisas & coisas.
Corremos, que nem loucos, quase na velocidade em que as transações passam pelos computadores dos bancos, agora, sem o tilintar das máquinas registradoras, para dar conta de ter e adquirir mais supérfluos, sendo que cada vez temos menos tempo e condições para usá-los, mas, isto não importa diante da roda que continua a girar.
Assim retornamos, à ditadura do dinheiro, em que as coisas passaram ter importância pelos seus valores de troca e não de uso.
Desta forma se trocou a maneira de viver usando as pessoas.
Isto não é, e não poder ser visto como natural.
Em meio a esta forma de viver, não se cabe falar em democracia, porque acima de tudo, a troca pressupõe uso das pessoas para angariar e acumular posses e dinheiro. Neste cenário não há como se falar em Democracia.
Voltando a Milton Santos ele acrescenta a esta questão a relação entre dinheiro e informação, um debate decorrente do anterior sobre valor de uso e de troca. Assim, Santos ao analisar o papel do sistema ideológico presente em nossas vidas disse que “nossa era se caracteriza sobretudo por essas ditaduras: a ditadura da informação e a ditadura do dinheiro, e a ditadura do dinheiro não seria possível sem a ditadura da informação. O dinheiro em estado puro nutre-se da informação impura, tornada possível quando imaginávamos que ela seria cristalina.”
Santos, assim, em março de 1999 já identificava de forma clara como este sistema ideológico no presente ganhou força exercendo um papel no que chamou de “produção da materialidade e na conformação da existência das pessoas”.
Entre o real e o fenômeno há evidentemente outras leituras. Esta é ainda singular, em construção, suscetível a pesquisas maiores sobre a realidade e maior aprofundamento dos fundamentos da economia. Porém, ela disposta ao debate, mesmo sabendo, de antemão, que na simplificação redutora e na banalização da realidade, há sempre o velho e rasteiro argumento de que o mundo real é diverso do ideal.
Entre real e o ideal há várias leituras possíveis do fenômeno e da percepção do dinheiro sobre as nossas vidas. A anomia dos tempos presentes parece impedir que exploremos a materialidade e as nebulosidades do sistema em que vivemos. Entre usos e trocas, a realidade banalizada, também transformada em mercadoria, modifica cotidiana e paulatinamente as nossas vidas. Um outro mundo é possível!
Interessante observar como funciona esta tirania em coisas que seriam básicas para qualquer ser humano na vida em sociedade. Cito dois exemplos: moradia e saúde.
O direito à moradia é ou deveria ser soberano e diferente do direito à casa própria. A casa própria remete à ideia da propriedade e da troca num futuro imediato ou mais distante, mas, a lógica passa ser a troca e não o uso.
Para entender melhor do que estou falando raciocine sobre sua moradia. Sei que ela tem valor diverso conforme o porte, a localização, a estrutura, etc. Se esforce e pense nela como local de convivência, de construção familiar, de espaço para repouso, para alimentação, ou seja, para a vida. Nesta lógica ela não tem valor ou tem o maior valor do mundo.
Na lógica da troca ela vale o que o que o sistema estabelece como valor, status, comparação, etc. Esta lógica é diversa à vida, embora, no sistema em que vivemos já tenha passado a fazer parte da nossa forma de viver e da forma como acabamos por ver o mundo e naturalizar coisas e questões que não deveriam ser assim naturalizadas ou banalizadas. Assim, como os que não têm casa para usar e morar.
Engraçado isto, não?
Nesta lógica, uma política pública de habitação (moradia) não deveria, por exemplo, pensar na ótica de dar ou oferecer casa própria para as pessoas que não possuem esta necessidade básica. A necessidade básica é de morar e não de ter a casa ou a propriedade. Assim, os governos poderiam oferecer moradias para quem não tem onde morar até que passasse a conseguir situação de moradia através de renda e trabalho, numa eventual possibilidade deste exercício, que o Estado então lhe provesse esta condição.
Há nações (e eu até pouco tempo não sabia) em que as coisas funcionam mais ou menos desta maneira, mesmo em regime capitalista.
O outro exemplo é na área de saúde que não deveria ser trocada por nada quando de sua ausência ou subtração.
Tendo a vida como referência, não faz sentido ter que ter posses, propriedades (ou seu equivalente geral, o dinheiro) para se obter saúde ou tê-la restituída. Mais estranho ainda é que sem esta “acumulação” de posses (ou seu equivalente) o ser humano perca o direito à saúde.
Valor de uso e valor de troca mais que conceitos da economia política têm poder de mudar a maneira de ser das pessoas e consequentemente, tem poder de mudar o mundo. Ou não.
As relações sociais eram mais densas quando a concepção do uso era mais presente em nossas vidas. Na mesma proporção em que se evoluiu a fluidez do dinheiro que é abstrato na maior parte da nossa contemporaneidade, também foi ganhando superficialidade a nossa forma de viver e de nos relacionarmos como humanos.
A comunicação que tanto apreciamos foi a forma que permitiu a ligação de diversas técnicas e o crescimento desta fluidez, segundo o geógrafo Milton Santos. Neste contexto, Santos afirmou que o dinheiro, neste processo, é o fluido dos fluidos.
O dinheiro é fluido, mas, não é neutro. É abstrato, mas ganha materialidade no território, que o próprio Santos chama de território usado, que em síntese seria o chão mais a identidade de quem o usa.
Na materialidade do território usado vemos perfeitamente a diferença que banalizamos quase sempre dos diferentes usos que fazemos sobre o território conforme as posses acumuladas. Isto não é e nem nunca foi natural, embora, sejam originadas da forma como o homem foi se relacionando com a natureza.
Ainda nesta caminhada, o homem fez sua casa e depois, as nossas casas nos fizeram, da mesma forma que o oleiro fez o pote (e de forma dialética e simultânea) o pote também fez o oleiro.
O dinheiro neste processo surgiu como uma consequência (não natural) da sobreposição da concepção do valor de troca sobre o valor de uso e da consequente criação de uma complexa teia econômica imbricada numa nova forma de ver o mundo.
Assim, o dinheiro e a acumulação foram se tiranizando e ditatorialmente concebendo a forma como nos posicionamos diante da vida.
Assim, o valor do dinheiro tem pouca e cada vez menos relação com o trabalho. Como equivalente geral, o dinheiro e toda a complexidade que o envolve passou a ter formas abstratas (virtuais) para se mover e assim buscar mais valores e acumulação.
Neste processo, ter muito dinheiro em casa, nos bolsos ou nas mochilas passou a ser crime. Crime grave e de repercussão nacional. Estranho esta concepção no sistema capitalista em que a troca e a necessidade deste instrumento seria fundamental. Ou não?
Mais interessante ainda é ver que não existe crime, se o dinheiro estiver no banco, no sistema que na concepção e na ideia que criaram é mais segura e quase única forma de tê-lo. Para tirar um pouco mais de dinheiro do banco você tem que avisar, tem que solicitar, assim, desta forma, sem acesso imediato, ele deixou de ser um direito e poucos estranharam esta mudança.
Vejam a maluquice. A forma mais segura de ter o equivalente geral de troca é não tê-lo às mãos. O mais estranho é que ninguém estranha isto, julgam até natural. Quase tudo foi se naturalizando, por mais estranho que seja.
A maioria que vive do seu trabalho e do seu salário (não falo dos capitalistas, dos donos dos dinheiros) hoje, fecha um mês, manipulando (digo passando por suas mãos) não mais de que 20% do seu salário. O restante por meio da informação eletrônica é usado para pagar nossas contas e os nossos gastos. A guarda dele rende dinheiro a quem o faz e tudo isto é visto também como natural.
O setor financeiro um dos mais rentáveis em todo o mundo foi concebendo em nossa forma de ver o mundo, sem que percebêssemos, que dinheiro foi passando para ser guardado e manipulado pelos “fundos” e não para prover o nosso uso básico. Para isto, os supérfluos foram nos sendo impostos, um após outro, coisas & coisas.
Corremos, que nem loucos, quase na velocidade em que as transações passam pelos computadores dos bancos, agora, sem o tilintar das máquinas registradoras, para dar conta de ter e adquirir mais supérfluos, sendo que cada vez temos menos tempo e condições para usá-los, mas, isto não importa diante da roda que continua a girar.
Assim retornamos, à ditadura do dinheiro, em que as coisas passaram ter importância pelos seus valores de troca e não de uso.
Desta forma se trocou a maneira de viver usando as pessoas.
Isto não é, e não poder ser visto como natural.
Em meio a esta forma de viver, não se cabe falar em democracia, porque acima de tudo, a troca pressupõe uso das pessoas para angariar e acumular posses e dinheiro. Neste cenário não há como se falar em Democracia.
Voltando a Milton Santos ele acrescenta a esta questão a relação entre dinheiro e informação, um debate decorrente do anterior sobre valor de uso e de troca. Assim, Santos ao analisar o papel do sistema ideológico presente em nossas vidas disse que “nossa era se caracteriza sobretudo por essas ditaduras: a ditadura da informação e a ditadura do dinheiro, e a ditadura do dinheiro não seria possível sem a ditadura da informação. O dinheiro em estado puro nutre-se da informação impura, tornada possível quando imaginávamos que ela seria cristalina.”
Santos, assim, em março de 1999 já identificava de forma clara como este sistema ideológico no presente ganhou força exercendo um papel no que chamou de “produção da materialidade e na conformação da existência das pessoas”.
Entre o real e o fenômeno há evidentemente outras leituras. Esta é ainda singular, em construção, suscetível a pesquisas maiores sobre a realidade e maior aprofundamento dos fundamentos da economia. Porém, ela disposta ao debate, mesmo sabendo, de antemão, que na simplificação redutora e na banalização da realidade, há sempre o velho e rasteiro argumento de que o mundo real é diverso do ideal.
Entre real e o ideal há várias leituras possíveis do fenômeno e da percepção do dinheiro sobre as nossas vidas. A anomia dos tempos presentes parece impedir que exploremos a materialidade e as nebulosidades do sistema em que vivemos. Entre usos e trocas, a realidade banalizada, também transformada em mercadoria, modifica cotidiana e paulatinamente as nossas vidas. Um outro mundo é possível!
Um comentário:
Amigo, mais uma vez, nos brindando com um texto (atual, enquanto estivermos sob a égide dessa tipologia societária), que nos traz muitas reflexões sobre nosso modo de produção. Ele me fez lembrar de alguns autores que li durante um percurso acadêmico e necessário na época, para poder buscar elementos que me fizessem entender e "aceitar"(?...Não) esse tecido de vida. Infelizmente, já faz um tempinho que estive entre grandes pensadores. É um texto muito apropriado. E é claro, me recordei dos textos do "velho" Marx (atualíssimo) e dos neomarxistas, dentre outros que buscam esmiuçar essa era pós-moderna. Obrigado pelo que me fez refletir.
Grande abraço.
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