Confiram abaixo o artigo do Gabriel Palma publicado no ótimo portal "Outras Palavras" em que ele analisa o último livro do professor José Luiz Fiori. Indispensável para quem se interessa sobre o tema.
Ontem numa reunião interna entre os núcleos de pesquisa NEED/IFF (Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento) e NuPEE/UERJ-UFRRJ (Núcleo de Pesquisa Espaço e Economia) que edita a revista "Espaço e Economia" discutimos assuntos que se relacionam à forma como o capital age sobre o território leste fluminense, desde a capital até o extremos norte de nosso estado.
Entre as sínteses que tiramos é exatamente a identificação da forma como a política está presente, em todo o processo e espaço de tempo, especialmente, pelas suas ausências. Assim, diante da ausência de políticas territoriais, se observa como o campo da política - onde o poder é parte - deixa "espaços" para que os variados atores operem, cada um com suas forças, na construção do real, conforme seus interesses. Enfim, leiam Fiori para que continuemos a ter uma leitura mais ampla sobre causas e consequências desse processo:
"Adeus ao economicismo"
Em novo livro, José Luís Fiori distancia-se dos que veem História como mero produto das relações econômicas e sugere: é o poder que explica o capital, não o contrário
Por Gabriel Palma | Imagem: Diego Rivera, Gloriosa Victoria (1954)
uma dimensão essencial e permanente do sistema interestatal europeu.
Em suma, o sistema interestatal capitalista, criado pelos europeus,
não foi apenas o produto da expansão dos mercados ou do capital;
foi uma criação do poder expansivo de alguns estados europeus
que conquistaram e colonizaram o mundo,
durante os cinco séculos em que lutaram, entre si,
pela conquista e monopolização de posições de poder
e de acumulação de riqueza”.
J.L. Fiori, História, Estratégias e Desenvolvimento
"A América Latina é uma região cuja imaginação social crítica ficou paralisada, passando de um período extremamente rico, durante as décadas de 1950 e 1960 – com as “teorias de dependência”, as análises do “capitalismo monopolista” de Baran e Sweezy, o estruturalismo francês, a escola historicista alemã de economia, a macroeconomia keynesiana e pós-keynesiana e as ideias de intelectuais próprios, como Mariátegui – para um outro período intelectualmente estéril, depois da crise da dívida de 1982 e da queda do Muro de Berlim. Embora isso tenha acontecido na maior parte do mundo, na América Latina os processos de reafirmação do capital e de declínio do pensamento crítico foram muito acentuados, enquanto o neoliberalismo – com suas sofisticadas tecnologias de poder e com suas políticas econômicas nada sofisticadas – conquistava a região, inclusive grande parte de sua intelligentsia progressista, tão completamente (e tão ferozmente) quanto a Santa Inquisição conquistou a Espanha – transformando os pensadores críticos numa espécie em extinção.
Nesse contexto, os artigos periódicos de José Luís Fiori (1), sobre geopolítica e desenvolvimento econômico, constituem uma verdadeira exceção. Neles, Fiori propõe uma discussão renovada sobre o tema e os desafios do desenvolvimento econômico a partir de uma perspectiva histórica que privilegia o poder como uma dimensão com lógica própria, a lógica determinante da trajetória do “sistema interestatal capitalista”. Aqui, “poder” não é sinônimo de Estado e, por isto, a análise do autor vai muito além do velho debate sobre a relação entre “Estado e mercado” no desenvolvimento capitalista. Na abordagem de Fiori, a questão do poder vem antes e é muito mais ampla e complexa que a do Estado. Por conseguinte, a questão da “acumulação de poder” precede, logicamente, a da “acumulação de capital” e a própria aparição histórica dos Estados. Ao mesmo tempo, Fiori defende a tese de que a formação dos “Estados-economias nacionais” é a marca e o grande motor do “milagre europeu” – onde os Estados nasceram e sempre coexistiram competitivamente, dentro de um sistema interestatal inseparável do capitalismo.
Desse ponto de vista, segue-se que a economia capitalista está ligada de forma inextricável ao processo de acumulação de poder – e ao modo como isso aconteceu na Europa (e apenas na Europa) entre os séculos XII e XVI. Este livro usa a geopolítica (mas não exclusivamente) como chave fundamental para a compreensão do sucesso do desenvolvimento econômico em alguns países, e de sua falência em tantos outros. E considera que a política econômica deve ser considerada como uma variável endógena e dependente da macroestratégia de cada país; e por isto, seu sucesso varia de caso para caso e de tempo histórico para tempo histórico. Nesse sentido, pode-se afirmar com toda certeza (e felizmente) que este livro é um livro verdadeiramente herético com relação às visões “economicistas” tradicionais do desenvolvimento e da história.
Para fundamentar suas hipóteses, História, estratégia e desenvolvimento compara vários países de sucesso e identifica suas características comuns relacionadas com sua posição internacional e com suas configuração de poder interno. No que tange à América do Sul, o livro enfatiza a importância crítica desses mesmos fatores nos altos e baixos da Bacia do Prata, e de modo particular, no desenvolvimento da Argentina e do Brasil. O livro não tem propósito normativo, mas considera que a direção estratégica dos estados não está predeterminada, mas também não acontece por acaso, dependendo da luta permanente pelo poder dentro e fora de cada país. Como diz o próprio autor quando se refere ao Brasil, sem prescrever nenhuma solução ou política especifica, apenas reconhecendo e chamando atenção para as consequências de que hoje o Brasil já tenha ascendido dentro do sistema internacional, sendo por isto obrigado a questionar, inevitavelmente e de “forma cada vez mais incisiva a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta, algo a ser feito sem o uso das armas e por meio de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja, desde que o Brasil mantenha seus objetivos e valores e consiga se expandir e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e econômica internacional. Esse objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, muito menos a qualquer tipo de cartilha militar; obedece a um imperativo funcional do próprio sistema interestatal capitalista: nesse sistema, “quem não sobe cai” (2).
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[1] Artigos que foram selecionados e reunidos no livro “Historia, estratégia e desenvolvimento. Para uma geopolítica do capitalismo”, da Editora Boitempo.
[2} Fiori, J.L. Idem, p: 278."
2 comentários:
Roberto, permita uma ousadia.
Não concordo com a proposição de Fiori, o que não me remete ao economicismo, como se poderia, apressadamente depreender da minha assertiva.
Há uma preocupação (ideológica) evidente nos textos de Fiori (e os que estudam seus textos), que é fornecer ao senso crítico um discurso anti-economicista.
Essa tarefa assumida por ele tem por objetivo fornecer argumentos para que possamos sair da armadilha teórica que nos metemos, e que a ação política (práxis) não consegue superar:
Como manter o capital político diante da debaclé econômica, com os limites impostos pelo desenvolvimentismo periférico, sentença quase irrevogável a que foi submetida a América Latina.
O problema é que essa concepção tem dois erros graves, na minha modesta opinião, elaborada a partir deste superficial contato (o texto apresentado no post):
01- Estabelece uma relação teleológica e hierárquica entre o Poder Político, Estado e Poder Econômico;
02- Não enxerga que em determinados momentos históricos, há sim uma prevalência (antecedente) do poder do capital moldando o poder político (repetindo as teses da superestruturas e infraestruturas de Marx).
Claro que não há como aceitar as teses marxianas com determinismo, nada disso.
Mas ao propor uma inovação, o autor incorre no risco (saudável e desejável do ponto de vista intelectual estratégico, mas um desastre para a ação política tática) onde coloca o Poder Político como o epicentro, diluindo a percepção das formas simples, corriqueiras e enraizadas da dominação econômica como plataforma para decisões políticas cotidianas e macro-ambientais.
Claro, podemos dizer: mas a decisão que a tudo antecede é sempre POLÍTICA.
Mas isso é como se conformar com a frase dos deístas, que diante de um impasse vaticinam: "mistérios da fé".
A meu modo, e dentro dos limites de minha capacidade teórica, creio que não há como separar a noção de PODER.
Ele, o PODER, é uno e indivisível, mas que se expressa e age de acordo com a conveniência da manutenção de sua hegemonia.
Neste sentido, o poder como conhecemos é CAPITALISTA, porque em nenhum outro sistema econômico, essa simbiose funcionou de forma tão harmoniosa.
E se é capitalista o PODER, ele é sim um poder econômico, eu diria, um PODER DE POLÍTICA-ECONÔMICA.
O grande paradigma da esquerda é separar esta noção, criando as bases no imaginário popular para um PODER que reproduza outros conceitos que não aqueles inseminados na teoria econômica capitalista, seja ela ultra-liberal, seja ela de caráter reformista-keynesiano.
Mas Fiori, ao tentar fazer esta separação, cria uma categoria (uma hierarquia) própria do pensamento economicista que ele mesmo denuncia.
Eis seu erro seminal.
Ele propõe um politicismo, que é a antítese economicista, de sinal invertido, e não enxerga que política e economia se relacionam como causa e efeito e vice-versa, sem que possamos diagnosticar (quase sempre) quando um determina o outro.
Precisamos de uma TEORIA DO PODER, e não apenas uma teoria do poder político, ou do capital.
É um ótimo tema para o debate.
Essa é a senha para a esquerda, é esse o enorme desafio que se coloca, teórica e pragmaticamente falando.
Um abraço.
Grande Douglas,
Sim considero sua questão não apenas muito pertinente, mas bastante interessante na leitura que faço do tema que considero bastante profundo.
Sem querer defendê-lo até porque li apenas parte deste último livro e sem uma visão ainda total dele, eu penso que a análise que ele faz, se refere mais às superestrutura e à geopolítica - e menos aos debates e embates sobre o poder no interior das nações.
Ainda assim, concordo que a importância da política está acima do poder, porque ela pressuporia outras esferas de embates e atuação que não apenas de governo.
Porém, o embate que ele parece querer enfrentar é da questão do discurso econômico hegemônico na atualidade. Aí continua e forte o embate das ideias sobre produtividade que tem como sabemos base, quase exclusivas econômica sustentada no outro discurso da modernidade.
Aí também concordo com você que há diversas e arriscadas armadilhas.
Esse debate é ótimo.
Penso que nas suas entranhas se coloca outro que seria entre a visão marxista e weberiana, com a segunda tentando inserir no debate político outras dimensões para além da produção e da economia. Neste campo, muitos acabam em outra armadilha desconsiderando a força desta na sociedade atual.
Entre um e outro, há quem pareça disposto a arriscar mais juntando as pontas, considerando que elas não seriam incongruentes e sim complementares.
Nesta linha comprei e li apenas parte dele, por falta de tempo, um livro interessante do Davi Priestland "Uma nova história do poder: comerciante, guerreiro, sábio". Ele segue nesta linha de propor e compreender a sociedade a partir do que chama de abordagem "marxista-weberiana" incluindo uma análise do processo histórico de formação dos grupos na sociedade, tendo como referencial ainda a produção e o trabalho, mas, sem deixar de incluir a cultura, vida social, etc. em suas análises que termina por propor uma sociedade dividida não apenas em classes, mas "castas".
Esse é um debate interessante. Tenho muito mais dúvidas, do que posições, desde que não seja a de relegar a produção e o trabalho (mesmo em sua ausência) como referenciais imprescindíveis para se continuar a compreender o movimento na sociedade contemporânea.
Estamos nos devendo um café para papear.
Grande abraço e boa semana.
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