sábado, maio 09, 2015

"É o poder que explica o capital, não o contrário"

Fiori tem sido uma voz importante nesse momento em que o Brasil está mais que nunca inserido no debate da economia global. Seu resgate histórico sobre a relação do poder com a economia é muito apropriada. Define bem a sua argumentação a síntese: "é o poder que explica o capital, não o contrário".

Confiram abaixo o artigo do Gabriel Palma publicado no ótimo portal "Outras Palavras" em que ele analisa o último livro do professor José Luiz Fiori. Indispensável para quem se interessa sobre o tema.

Ontem numa reunião interna entre os núcleos de pesquisa NEED/IFF (Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento) e NuPEE/UERJ-UFRRJ (Núcleo de Pesquisa Espaço e Economia) que edita a revista "Espaço e Economia" discutimos assuntos que se relacionam à forma como o capital age sobre o território leste fluminense, desde a capital até o extremos norte de nosso estado.

Entre as sínteses que tiramos é exatamente a identificação da forma como a política está presente, em todo o processo e espaço de tempo, especialmente, pelas suas ausências. Assim, diante da ausência de políticas territoriais, se observa como o campo da política - onde o poder é parte - deixa "espaços" para que os variados atores operem, cada um com suas forças, na construção do real, conforme seus interesses. Enfim, leiam Fiori para que continuemos a ter uma leitura mais ampla sobre causas e consequências desse processo:

"Adeus ao economicismo"

Em novo livro, José Luís Fiori distancia-se dos que veem História como mero produto das relações econômicas e sugere: é o poder que explica o capital, não o contrário

Por Gabriel Palma | Imagem: Diego Rivera, Gloriosa Victoria (1954)

“O impulso imperialista foi sempre uma força,
uma dimensão essencial e permanente do sistema interestatal europeu.
Em suma, o sistema interestatal capitalista, criado pelos europeus,
não foi apenas o produto da expansão dos mercados ou do capital;
foi uma criação do poder expansivo de alguns estados europeus
que conquistaram e colonizaram o mundo,
durante os cinco séculos em que lutaram, entre si,
pela conquista e monopolização de posições de poder
e de acumulação de riqueza”.

J.L. Fiori, História, Estratégias e Desenvolvimento

"A América Latina é uma região cuja imaginação social crítica ficou paralisada, passando de um período extremamente rico, durante as décadas de 1950 e 1960 – com as “teorias de dependência”, as análises do “capitalismo monopolista” de Baran e Sweezy, o estruturalismo francês, a escola historicista alemã de economia, a macroeconomia keynesiana e pós-keynesiana e as ideias de intelectuais próprios, como Mariátegui – para um outro período intelectualmente estéril, depois da crise da dívida de 1982 e da queda do Muro de Berlim. Embora isso tenha acontecido na maior parte do mundo, na América Latina os processos de reafirmação do capital e de declínio do pensamento crítico foram muito acentuados, enquanto o neoliberalismo – com suas sofisticadas tecnologias de poder e com suas políticas econômicas nada sofisticadas – conquistava a região, inclusive grande parte de sua intelligentsia progressista, tão completamente (e tão ferozmente) quanto a Santa Inquisição conquistou a Espanha – transformando os pensadores críticos numa espécie em extinção.

Nesse contexto, os artigos periódicos de José Luís Fiori (1), sobre geopolítica e desenvolvimento econômico, constituem uma verdadeira exceção. Neles, Fiori propõe uma discussão renovada sobre o tema e os desafios do desenvolvimento econômico a partir de uma perspectiva histórica que privilegia o poder como uma dimensão com lógica própria, a lógica determinante da trajetória do “sistema interestatal capitalista”. Aqui, “poder” não é sinônimo de Estado e, por isto, a análise do autor vai muito além do velho debate sobre a relação entre “Estado e mercado” no desenvolvimento capitalista. Na abordagem de Fiori, a questão do poder vem antes e é muito mais ampla e complexa que a do Estado. Por conseguinte, a questão da “acumulação de poder” precede, logicamente, a da “acumulação de capital” e a própria aparição histórica dos Estados. Ao mesmo tempo, Fiori defende a tese de que a formação dos “Estados-economias nacionais” é a marca e o grande motor do “milagre europeu” – onde os Estados nasceram e sempre coexistiram competitivamente, dentro de um sistema interestatal inseparável do capitalismo.

Desse ponto de vista, segue-se que a economia capitalista está ligada de forma inextricável ao processo de acumulação de poder – e ao modo como isso aconteceu na Europa (e apenas na Europa) entre os séculos XII e XVI. Este livro usa a geopolítica (mas não exclusivamente) como chave fundamental para a compreensão do sucesso do desenvolvimento econômico em alguns países, e de sua falência em tantos outros. E considera que a política econômica deve ser considerada como uma variável endógena e dependente da macroestratégia de cada país; e por isto, seu sucesso varia de caso para caso e de tempo histórico para tempo histórico. Nesse sentido, pode-se afirmar com toda certeza (e felizmente) que este livro é um livro verdadeiramente herético com relação às visões “economicistas” tradicionais do desenvolvimento e da história.

Para fundamentar suas hipóteses, História, estratégia e desenvolvimento compara vários países de sucesso e identifica suas características comuns relacionadas com sua posição internacional e com suas configuração de poder interno. No que tange à América do Sul, o livro enfatiza a importância crítica desses mesmos fatores nos altos e baixos da Bacia do Prata, e de modo particular, no desenvolvimento da Argentina e do Brasil. O livro não tem propósito normativo, mas considera que a direção estratégica dos estados não está predeterminada, mas também não acontece por acaso, dependendo da luta permanente pelo poder dentro e fora de cada país. Como diz o próprio autor quando se refere ao Brasil, sem prescrever nenhuma solução ou política especifica, apenas reconhecendo e chamando atenção para as consequências de que hoje o Brasil já tenha ascendido dentro do sistema internacional, sendo por isto obrigado a questionar, inevitavelmente e de “forma cada vez mais incisiva a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta, algo a ser feito sem o uso das armas e por meio de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja, desde que o Brasil mantenha seus objetivos e valores e consiga se expandir e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e econômica internacional. Esse objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, muito menos a qualquer tipo de cartilha militar; obedece a um imperativo funcional do próprio sistema interestatal capitalista: nesse sistema, “quem não sobe cai” (2).


[1] Artigos que foram selecionados e reunidos no livro “Historia, estratégia e desenvolvimento. Para uma geopolítica do capitalismo”, da Editora Boitempo.

[2} Fiori, J.L. Idem, p: 278."

2 comentários:

douglas da mata disse...

Roberto, permita uma ousadia.

Não concordo com a proposição de Fiori, o que não me remete ao economicismo, como se poderia, apressadamente depreender da minha assertiva.

Há uma preocupação (ideológica) evidente nos textos de Fiori (e os que estudam seus textos), que é fornecer ao senso crítico um discurso anti-economicista.

Essa tarefa assumida por ele tem por objetivo fornecer argumentos para que possamos sair da armadilha teórica que nos metemos, e que a ação política (práxis) não consegue superar:

Como manter o capital político diante da debaclé econômica, com os limites impostos pelo desenvolvimentismo periférico, sentença quase irrevogável a que foi submetida a América Latina.

O problema é que essa concepção tem dois erros graves, na minha modesta opinião, elaborada a partir deste superficial contato (o texto apresentado no post):

01- Estabelece uma relação teleológica e hierárquica entre o Poder Político, Estado e Poder Econômico;

02- Não enxerga que em determinados momentos históricos, há sim uma prevalência (antecedente) do poder do capital moldando o poder político (repetindo as teses da superestruturas e infraestruturas de Marx).

Claro que não há como aceitar as teses marxianas com determinismo, nada disso.

Mas ao propor uma inovação, o autor incorre no risco (saudável e desejável do ponto de vista intelectual estratégico, mas um desastre para a ação política tática) onde coloca o Poder Político como o epicentro, diluindo a percepção das formas simples, corriqueiras e enraizadas da dominação econômica como plataforma para decisões políticas cotidianas e macro-ambientais.

Claro, podemos dizer: mas a decisão que a tudo antecede é sempre POLÍTICA.

Mas isso é como se conformar com a frase dos deístas, que diante de um impasse vaticinam: "mistérios da fé".

A meu modo, e dentro dos limites de minha capacidade teórica, creio que não há como separar a noção de PODER.

Ele, o PODER, é uno e indivisível, mas que se expressa e age de acordo com a conveniência da manutenção de sua hegemonia.

Neste sentido, o poder como conhecemos é CAPITALISTA, porque em nenhum outro sistema econômico, essa simbiose funcionou de forma tão harmoniosa.

E se é capitalista o PODER, ele é sim um poder econômico, eu diria, um PODER DE POLÍTICA-ECONÔMICA.

O grande paradigma da esquerda é separar esta noção, criando as bases no imaginário popular para um PODER que reproduza outros conceitos que não aqueles inseminados na teoria econômica capitalista, seja ela ultra-liberal, seja ela de caráter reformista-keynesiano.

Mas Fiori, ao tentar fazer esta separação, cria uma categoria (uma hierarquia) própria do pensamento economicista que ele mesmo denuncia.

Eis seu erro seminal.

Ele propõe um politicismo, que é a antítese economicista, de sinal invertido, e não enxerga que política e economia se relacionam como causa e efeito e vice-versa, sem que possamos diagnosticar (quase sempre) quando um determina o outro.

Precisamos de uma TEORIA DO PODER, e não apenas uma teoria do poder político, ou do capital.

É um ótimo tema para o debate.

Essa é a senha para a esquerda, é esse o enorme desafio que se coloca, teórica e pragmaticamente falando.

Um abraço.

Roberto Moraes disse...

Grande Douglas,

Sim considero sua questão não apenas muito pertinente, mas bastante interessante na leitura que faço do tema que considero bastante profundo.

Sem querer defendê-lo até porque li apenas parte deste último livro e sem uma visão ainda total dele, eu penso que a análise que ele faz, se refere mais às superestrutura e à geopolítica - e menos aos debates e embates sobre o poder no interior das nações.

Ainda assim, concordo que a importância da política está acima do poder, porque ela pressuporia outras esferas de embates e atuação que não apenas de governo.

Porém, o embate que ele parece querer enfrentar é da questão do discurso econômico hegemônico na atualidade. Aí continua e forte o embate das ideias sobre produtividade que tem como sabemos base, quase exclusivas econômica sustentada no outro discurso da modernidade.

Aí também concordo com você que há diversas e arriscadas armadilhas.

Esse debate é ótimo.

Penso que nas suas entranhas se coloca outro que seria entre a visão marxista e weberiana, com a segunda tentando inserir no debate político outras dimensões para além da produção e da economia. Neste campo, muitos acabam em outra armadilha desconsiderando a força desta na sociedade atual.

Entre um e outro, há quem pareça disposto a arriscar mais juntando as pontas, considerando que elas não seriam incongruentes e sim complementares.

Nesta linha comprei e li apenas parte dele, por falta de tempo, um livro interessante do Davi Priestland "Uma nova história do poder: comerciante, guerreiro, sábio". Ele segue nesta linha de propor e compreender a sociedade a partir do que chama de abordagem "marxista-weberiana" incluindo uma análise do processo histórico de formação dos grupos na sociedade, tendo como referencial ainda a produção e o trabalho, mas, sem deixar de incluir a cultura, vida social, etc. em suas análises que termina por propor uma sociedade dividida não apenas em classes, mas "castas".

Esse é um debate interessante. Tenho muito mais dúvidas, do que posições, desde que não seja a de relegar a produção e o trabalho (mesmo em sua ausência) como referenciais imprescindíveis para se continuar a compreender o movimento na sociedade contemporânea.

Estamos nos devendo um café para papear.

Grande abraço e boa semana.