sexta-feira, maio 22, 2015

Memorando de entendimento Brasil-China assinado para ferrovia não prevê estudo até Porto do Açu

Apesar de toda a insistência do governo federal os chineses não quiseram incluir a ligação o Porto no Açu na ferrovia que sairá no litoral do Pacífico, no Peru.

A informação consta de uma nota da própria Associação de Transporte Públicos (ANTP), também repercutida pela Associação Nacional de Transportes Ferroviários (ANTF), cujo título é "China financiará versão reduzida de ferrovia até o Oceano Pacífico".

O traçado original da Transoceânica previa ligação com Porto do Açu, porém, o memorando assinado esta semana, não constou no escopo dos estudos financiados pelos chineses, porém, a ligação até o Rio, como consta no traçado previsto na lei 11.772/2008 para a Ferrovia, conforme mapa ao lado.

Segundo fontes do governo, o Brasil tentou incluir no acordo o estudo de toda a extensão de 4,4 mil quilômetros da Transoceânica (também chamada de Bioceânica ou Transcontinental), com o trecho entre Goiás e o Porto do Açu, no Rio, passando por parte pouco explorada do quadrilátero ferrífero da Região Sudeste. A ideia era criar infraestrutura com apoio dos chineses, o que não foi aceito.

Assim, a saída pelo Oceano Pacífico será a partir de Campinorte (Goiás), onde também haverá a interligação com a Ferrovia Norte Sul. Assim, além da soja do Centro-Oeste sair para a oeste para o Pacífico, o minério de Carajás, poderá futuramente até descer pelo trecho da Ferrovia Norte-Sul já construída desde o Pará.

Para os chineses a saída do minério de ferro pelo Peru seria mais vantajosa porque eliminaria a necessidade de passar pelo Canal do Panamá que ocorre com a saída pelo Porto de Barcarena no Pará, ou pelo Porto de Itaqui, no Maranhão. Assim, os chineses se fixaram no que este blog intitulou em comparação à antiga Rota da Seda, na ligação Ásia-Europa, como a nova Rota da Soja, que poderá ser em parte usada no futuro também para parte do minério, do Pará e de Minas Gerais.

Os chineses evidentemente, como dissemos nas postagens anteriores, estão dispostos a financiar, mas, olham o que mais lhes interessam. Assim, o governo brasileiro poderá bancar o trecho leste-Oeste restante entre Campinorte, GO, passando por Minas Gerais até o Açu, RJ. 

Apesar dos encaminhamentos das negociações com os chineses, indagado sobre a ligação da Transoceânica com o Atlântico, o Palácio do Planalto não se manifestou. A Empresa de Planejamento e Logística informou que a ligação entre Atlântico e Pacífico se dará por meio da Transoceânica e do trecho no território peruano. A EPL disse que "em relação ao trecho compreendido entre Campinorte e o Estado do Rio, os estudos estão sob responsabilidade do governo brasileiro".

Porém, como também afirmamos antes, com o movimento todo voltado para a saída pelo Pacífico, o movimento de saída pelo Açu fica reduzido e a construção deste trecho da ferrovia fica comprometido, porque é um investimento pesado e que não terá toda a movimentação necessária para amortecer tamanho investimento. 

Neste sentido, a ferrovia deixa de ser um ferrovia transoceânica, ou bi-oceânica, até decisão sobre saída no Açu, ou na hipótese que ainda se fala, no projeto do Porto Sul, em Ilhéus, BA. Seria a alternativa da ligação entre Barreiras (BA) e Porto Nacional (TO) que está nos planos para ser concedida e poderia reforçar a viabilidade econômica da Fiol e do Porto de Ilhéus.

De certa forma, esta decisão pode diminuir a potencialidade do Porto do Açu para escoamento de minério, já que a tendência, se esta ferrovia com saída para o Pacífico se consolidar, poderá arrastar parte do minério de MG. Isto porém é questionado por consultores por conta dos problemas ambientais e de engenharia para atravessar a Amazônia e o Andes.

Assim, na prática, caso esta ligação se viabilize o minério terá outra saída que não pelo Espírito Santo e/ou pelo litoral fluminense. Isto não retira os projetos já construídos, mas, impede a ampliação e alternativa de logística para outros.

Para o Porto do Açu, as notícias não são todas ruins, sob o aspecto econômico, porque os chineses têm interesse no trecho da ferrovia EF-118.

Esse trecho de ferrovia Vitória-Rio e interligaria por modal ferroviário os portos de Vitória, o projeto do Porto Central em Presidente Kennedy, o Açu, em São João da Barra, Comperj e o Porto de Itaguaí, que já é interligado por linhas férreas em uso, com Minas Gerais e o Porto de Santos, em São Paulo. Mapa ao lado.

As negociações sobre a participação chinesa para viabilizar sua participação em concessão e possivelmente na operação estão em curso e poderá acontecer, quando do leilão de concessão a ser feito pelo governo federal.

PS.: Atualizado às 22:54 para breves correções e acréscimos.

5 comentários:

douglas da mata disse...

Junte seu post anterior com esse e reflita:

Os chineses vão empurrar goela abaixo a ocupação privilegiada da retro-área do Porto, como condição para financiamento da tal ferrovia.

É bom lembrar outro post lá de baixo, quando eu comentei, com ajuda do Máykon Leite, que o traçado já se encontra em grande parte pronto!

Não há como se informar, caro amigo, tendo como base os jornais (que recebem gordos volumes para publicar interesses), e muito menos pelo que "vaza" de lado a lado.

O processo de tomada de decisões está muito além de nosso alcance, e infelizmente, não há esferas públicas de controle e participação, talvez só como mera reação, que sempre é tardia e minimamente compensatória.

Um abraço.

Roberto Moraes disse...

Amigo Douglas,

Há em todo esse processo uma série de dimensões a serem analisadas.

Elas são conectadas, porém com linhas tênues.

Como disse no texto anterior, e ressalto agora. Independente de uma parte aqui e outra acolá.

Independente da decisão sobre um projeto específico, seja do Porto do Açu ou da ferrovia leste-oeste, ou outros, o que salta aos olhos é a potência que tem um planejamento e um comando centralizado da economia e da política. A China leva uma imensa vantagem em relação a quaisquer outros parceiros ou adversários, na atual conjuntura.

Trouxe para a América Latina 120 empresários, além das autoridades políticas. As conexões que deveriam fazer parte dos acordos estavam acertados. Mesmo que um negócio (acordo) - per si - não fosse economicamente interessante, se ele se conecta a outra com alta margens, as compensações são ajustadas.

No caso brasileiro, como argui no texto anterior, eles querem ver onde se pendurar, se enlaçar na cadeia. Assim, até é possível desenhar acordos em que governo e empresas ganhem, mas, é um processo muito mais difícil.

Também é evidente que, desta vez, os chineses compreenderam em parte a preocupação do governo brasileiro com os riscos da primarização de nossa economia e com a necessidade de adensar nossas cadeias produtivas e assim, mais que infraestrutura, se dispuseram a partilhar projetos de industrialização e serviços de tecnologia avançada (telecomunicações), mas, de novo, vieram com o planejamento bem articulado.

É um jogo complexo e difícil, mas interessante, a questão do Açu é parte, nem tão interessante nisto tudo.

Veja que a Vale faturou muito mais que qualquer outra corporação brasileira nos acordos.

Para fechar sobre o Açu, a parte que você chama de pronta é porque ela tem o traçado já com linha, mas, toda ela terá que ser refeita em novas bitolas e estruturas.

Se, por um lado isto é infinitamente mais simples que construir um traçado pela Amazônia e para atravessar o Andes, por outro lado, este trecho tem mais potencial de tráfego (com a Rota da Soja) que esta outra perna.

Veja que isso se confirma com o interesse dos chineses no trecho Vitória-Rio, também já existente (hoje com a FCA, que é Vale) que interliga os importantes portos do Sudeste, Vitória, Açu, Rio, Itaguaí e de quebra ainda Santos, junto à maior base de industrial do Brasil e, mais importante, ao maior polo consumidor pela concentração populacional, de interesse direto dos chineses.

Além disso, a decisão de ligar os dois oceanos, a meu juízo, ganhou mais força o projeto do canal artificial da Nicarágua, mesmo que caro, por conta do interesse recente da Rússia em participar do financiamento e assim, ter uma base próxima aos EUA.

Mas, é isto grande Douglas, a geopolítica é complexa e você tem razão seria preciso uma base ampla, muito para além daquela instalada junto do poder e do governo.

Há necessidade de muitos estudos (articulados) para compreender os movimentos da Economia Global e assim, poder melhor localizar os interesses de nossa Nação que ainda vive uma luta feroz interna.

Veja quer há neste debate interno, para mim, a grande questão que liga o debate político interno e externo que é a decisão sobre a forma do país se inserir na Economia Global: de forma, soberana (mesmo que relativa, mas com cooperações) ou se mais uma vez dependente.

Tudo isso vale um café que estamos nos devendo.

Grande abraço.

Roberto Moraes disse...

Só para complementar, o interesse maior pelo Açu tenderá ser ligado ao petróleo, o que cada vez reforça mais a tendência de se tornar um porto mais especializado e menos multifuncional, mas isto é papo para um outro café.

Abs.

douglas da mata disse...

Com certeza, mas eu vejo que um pouco podemos deixar por aqui:

Dada as dimensões e conexões, a base petrolífera não afasta a sinergia com outras atividades extrativistas e/ou do setor primário (agrobusiness).

Outro ponto: mesmo que a fase "pronta" requeira outras bitolas e ajustes, eles são infinitamente inferiores (em custo e tempo, hoje duas grandezas siamesas) a de ter que esperar licenciamentos e a abertura das vias para instalação de novas linhas.

A base está lá, o terreno já está pronto, assim como pontes e apoio logístico.

Eu reafirmo o que disse: O Açu interessa pela fragilidade institucional, pela (im)postura dos governantes locais, se oferecendo como "prostitutas geográficas", e o preço dos ativos (terras).

Considere também a boa base educacional de nível técnico e superior. Que fornece mão-de-obra igualmente barata, ainda mais em tempo de dumping nos preços do petróleo pela Arábia Saudita e EUA.

Um abraço.


Roberto Moraes disse...

Sim Douglas,

Há que se avaliar, a saída do agrobusiness do Centro-oeste já escolheu alternativas às duas até então existentes (Santos e Paranaguá).

Hoje, as maiores traders que atuam no setor, a Bunge, ADM e Louis Dreifus que controlam boa parte de nossa produção, já circula uma boa parte de sua mercadoria, usando parte hidroviária, saindo pelos portos do norte, em Vila do Conde e Barcarena.

A alternativa de saída pelo Açu até agora foi sendo descartada por eles. Podem vir a fazer, mas, dependerá da via férrea.

Sim, a reforma e ampliação de bitola e disponibilidade das locomotivas é muito mais barato, porém a saída pelo norte, poupa, cerca de 20 mil km de transporte de navio.

Caso consigam chegar com a linha ao Peru, além de mais alguns km para levar a soja para a Ásia, se pouparia, o pagamento do uso do canal do Panamá. Com o uso do Açu tudo isso seria incorporado e se teria que fazer as contas de amortecimento de dos investimentos.

Porém, parece é que o problema estaria mais ligado ao uso das linhas para o transporte de outras mercadorias para ratear o investimento. Hoje uma parte da Ferrovia Norte Sul, tem este problema.

Outra alternativa que vai atender apenas a parte norte do Centro-oeste, especialmente dos estados de Goiás e Tocantis é a ferrovia da CSN que terá 1,7 km e que tem agora na presidência, o ex-governador Ciro Gomes.

Ela ligará o Maranhão (Porto de Itaqui), Ceará (Porto de Pecém) a Pernambuco (Porto de Suape). O projeto já foi todo licenciado. Se não estou enganado, a previsão de conclusão já adiada algumas vezes é 2018.

Quanto às ofertas como prostitutas geográficas o processo é o mesmo em todas regiões que assumem a guerra de lugares atrás de recursos governamentais.

Enfim, como você mesmo disse há muitas questões que fogem às variáveis dos estudos técnico-econômicos.

Uma delas interessante de ser observada é que há uma forte pressão dos maiores movimentares de carga do mundo para que o Brasil hierarquize seu sistema portuário, evitando que os navios especialmente, os contêineros tenham que parar em cinco portos brasileiros.

Porém, o que tem sido feito e apoiado é a ampliação das capacidades portuárias, com distritos industrias contíguos dinamizando assim outras regiões evitando a centralização no Sudeste, por motivos conhecidos.

O Açu, como sabemos "ganhou" uma grande retroárea e assim tem potencial para o seu uso multifuncional, mas há diversas questões a serem observadas.

Vamos seguir adiante acompanhando.

Grande abraço.