O blog já comentou aqui que o professor José Luiz Fiori, junto do também professor Luiz Gonzaga Belluzzo, são hoje excelentes pensadores, não apenas do macroeconomia, mas também da política no cenário conturbado contemporâneo.
Neste artigo publicado na sexta-feira (29-05-2015) no Valor (P.A13) que o blog posta abaixo do Fiori mostra evidências daquilo que tenho chamado da disputa pelo poder entre uma visão "neodependente liberal de mercado" x "social-nacional-desenvolvimentismo".
Enquanto a primeira parece límpida e segunda vencedora da quarta eleição presidencial seguida, desde 2002, parece confusa em meio às misturas de crenças dos gestores escolhidos por Dilma-2. O caso da fala do Mangabeira Unger, eu não conhecia e nem tomei conhecimento e é inapropriada, por uma série de motivos. Porém, o fechamento do texto do Fiori sobre a inexistência de utopia de longo prazo é que parece mais necessária ao debate. Confiram:
"O caos ideológico"
Alberto Goldman (vicepresidente nacional do PSDB): "O PSDB não tem um
projeto de país". FSP, 27/5/2015
Paulo Paim (senador pelo RS, do PT), "O governo está sem rumo e está
levando o PT junto", www.Brasil247.com, 27/5/2015
"Em meio à crise política e à retração econômica brasileira, o jantar do dia 12
de maio da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos no Waldorf Astoria
de Nova York, reunindo banqueiros, empresários e a políticos da alta cúpula
do PSDB, em torno dos ex-presidentes Bill Clinton e Fernando H. Cardoso foi
um clarão no meio da confusão ideológica dominante. Em termos
estritamente antropológicos, representou uma espécie de pajelança tribal de
reafirmação de velhas convicções e alianças que estiveram na origem do
próprio partido socialdemocrata brasileiro. Mas do ponto de vista mais
amplo, pode se tornar uma baliza de referência para a clarificação e
remontagem do mapa político brasileiro.
Afinal, este grupo liderado pelo ex-presidente
FHC foi o único que esteve
presente e ocupou um lugar de destaque
nas reuniões formais e informais que
cercaram a posse de Bill Clinton, em
1993, em Washington. Naquele momento
foi sacramentada a aliança do PSDB com
a facção democrata e o governo liderado pela família Clinton. Uma aliança
que se manteve durante os dois mandatos de Clinton e FHC, assegurando o
apoio do Brasil à criação da Alca e garantindo a ajuda financeira americana
que salvou o governo FHC da falência.
Estes dois grupos estiveram juntos na formulação e sustentação das reformas
e políticas do Consenso de Washington e voltaram a estar juntos nas reuniões
da "Terceira Via", criada por Tony Blair e Bill Clinton, em 2008,
reencontrando-se agora de novo, na véspera da candidatura presidencial de
Hillary Clinton.
Durante todo este tempo os social-democratas brasileiros mantiveram sua
defesa incondicional do alinhamento estratégico do Brasil, ao lado dos EUA,
dentro e fora da América Latina; sua opção irrestrita pelo livre comércio e
pela abertura dos mercados locais; pela redução do papel do Estado na
economia; pela defesa da centralidade do capital privado no comando do
desenvolvimento brasileiro; e pela aplicação irrestrita das políticas
econômicas ortodoxas.
Estas posições orientaram a política interna e a estratégia internacional dos
dois governos do PSDB, na década de 90, e seguem orientando a posição
atual do PSDB, favorável à reabertura de negociações para criação da Alca; à
mudança do regime de exploração do "pré-sal"; ao fim da exigência de
conteúdo nacional nos mercados de serviços e insumos básicos da Petrobras
e das grandes construtoras brasileiras. Isto pode não ser "um projeto de
país", mas com certeza é um programa de governo rigorosamente liberal, que
só coincide de forma circunstancial e oportunista com as teses
neoconservadoras defendidas hoje por movimentos religiosos de forte
conteúdo fundamentalista.
A novidade destes movimentos no cenário político brasileiro atual
surpreende o observador, mas suas teses sobre família, sexo, religião etc não
são originais e sua liderança carece da capacidade de formular e propor um
projeto hegemônico para a sociedade brasileira. O mesmo pode ser dito com relação ao poder real das recentes mobilizações de rua e de redes sociais, que
fazem muito barulho, mas também não conseguem dar uma formulação
intelectual e ideológica consistente às suas próprias iras e reivindicações.
Deste ponto de vista, parece necessário reconhecer que a origem da grande
confusão ideológica do país, neste momento, são as próprias forças
progressistas e o governo que acabou de ser eleito por uma coalizão de
centro-esquerda. Não é fácil identificar o denominador comum que une todas
estas forças, mas não há dúvida que seu projeto econômico aponta muito
mais para o ideal de um "capitalismo organizado" sob liderança estatal, do
que para o modelo anglo-saxônico do "capitalismo desregulado"; para uma
política agressiva de redistribuição de renda e prestação gratuita de serviços
universais, do que para uma política social de tipo seletiva e assistencialista; e
finalmente, para uma estratégia internacional de liderança ativa dentro de
América Latina, e de uma aliança multipolar com as potências emergentes
sem descartar as velhas potências do sistema, muito mais do que para um
alinhamento focado em algum país ou bloco ideológico de países.
Se assim é, como explicar à opinião pública mais ou menos ilustrada que um
governo progressista deste tipo coloque no comando de sua política
econômica um tecnocrata que não tem apenas convicções e competências
ortodoxas, mas que seja também um ideólogo neoliberal que defende
abertamente em todos os foros uma estratégia de desenvolvimento de longo
prazo para o país absolutamente idêntica a que é defendida pelo grupo que
participou do jantar no Waldorf Astoria, no dia 12 de maio.
E como entender um ministro de Energia que defende em reuniões
internacionais o fim da política de "conteúdo local" e do "regime de partilha"
do pré-sal, duas políticas que são uma marca dos últimos 13 anos de governo
e uma diferença fundamental com a posição defendida pelos mesmos
comensais de Nova York.
Por fim, para levar a confusão ao limite do caos, como explicar que o ministro
de Assuntos Estratégicos desse mesmo governo proponha abertamente, pela
imprensa, como se fosse um acadêmico de férias, que se faça uma revisão
completa da política externa brasileira da última década, com a suspensão do
Mercosul, que foi criado e é liderado pelo Brasil, e com a mudança do foco e
das prioridades estratégicas do país, que deveria agora alinhar-se com os
EUA para enfrentar a ameaça da "ascensão econômica e militar chinesa".
Tudo isto dito de forma tranquila, exatamente uma semana antes da visita
oficial do primeiro-ministro chinês ao Brasil, que já havia sido anunciada
junto com um pacote de projetos e de recursos para levar a frente uma
estratégia de longo prazo que passa entre outras coisas pela construção de
uma ferrovia transoceânica capaz de dar ao Brasil, finalmente, um acesso
direto ao Pacífico, com repercussões óbvias no campo da geopolítica e
geoeconomia continental. Além disto, este "grande estratego" do governo fez
sua proposta um mês antes da reunião do Brics, na Rússia, em que será
criado o banco de investimento conjunto do grupo, sob a óbvia liderança
econômica da China. Uma trapalhada pior do que esta, só se fosse proposta
também a internacionalização da Amazônia.
Talvez por isto tantos humanistas sonhem hoje com o aparecimento de uma
nova utopia de longo prazo, como as que moveram os revolucionários e os
grandes reformadores dos séculos XIX e XX. Mas o mais provável é que estas
utopias não voltem mais e que o futuro tenha que ser construído a partir do
que está aí, a partir da sociedade e das ideias que existem, com imaginação,
criatividade e uma imensa paixão pelo futuro do país.
José Luís Fiori, professor titular de economia política
internacional da UFRJ, é autor do livro "História, estratégia e
desenvolvimento" (2014) da Editora Boitempo, e coordenador do
grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ.
www.poderglobal.net."
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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